Correio da Cidadania

‘Brasil precisa de reforma política que proíba financiamento de pessoas jurídicas’

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Apesar de admitir o forte impacto da ascensão de Marina, Eduardo Suplicy, em entrevista ao Correio da Cidadania, crê ser provável a vitória de Dilma, além de mencionar que o governo precisa ampliar o Bolsa Família para outras 5 milhões de famílias. Com isso, poderia lançar a transição para a Renda Básica da Cidadania, programa há anos defendido pelo senador.

 

“Ainda que tenhamos tido avanços muito significativos na melhoria da distribuição da renda e da riqueza, sobretudo nos últimos 12 anos, sob as administrações dos presidentes Lula e Dilma, ainda precisamos melhorar para instituir no Brasil princípios de justiça”, disse o senador.

 

Na conversa, o senador analisa a corrida presidencial e também pelo senado em São Paulo, na qual concorre com Serra e Kassab. Sobre semelhanças entre os principais candidatos ao planalto, apontadas por alguns setores, Suplicy lembra da necessidade de uma reforma política e eleitoral.

 

“Enquanto nós não tivermos o financiamento público de campanha, os diversos partidos políticos, a exemplo da campanha da presidente Dilma, do senador Aécio e da senadora Marina – todos –, continuarão solicitando contribuições de empresas, tanto do setor financeiro como outras”, afirmou.

 

A entrevista completa com Eduardo Suplicy pode ser lida a seguir.

 

Correio da Cidadania: Quais são os principais problemas e questões do Brasil de hoje e como está vendo o atual momento político, com as eleições que se aproximam?

 

Eduardo Suplicy: Nós precisamos levar adiante os propósitos de construção de uma sociedade justa e civilizada, onde todas as pessoas tenham iguais direitos e oportunidades, efetivamente influindo nas decisões dos representantes do povo e nossos governantes. Para isso, faz-se necessário o aperfeiçoamento das instituições democráticas.

 

Felizmente, vivemos nossa sétima eleição livre e direta para a presidência da República desde que foi desencadeado, sobretudo por nós do Partido dos Trabalhadores, a campanha das Diretas Já, na qual fomos pioneiros. Mas depois já ocorreram situações como as do ano passado, com aquele movimento extraordinário de milhões de pessoas nas ruas das principais metrópoles brasileiras. Estamos tendo eleições livres e diretas para a presidência da República, com Dilma, Aécio, Marina, Eduardo Jorge, Luciana Genro e outros, sendo todos de alto nível, com experiência política e administrativa, o que proporciona aos brasileiros uma escolha muito saudável.

 

É claro que precisamos aperfeiçoar o sistema brasileiro com uma reforma político-eleitoral, que, por exemplo, proíba a contribuição de pessoas jurídicas, com aumento significativo do financiamento público de campanha, pra contrabalançar a perda das contribuições das pessoas jurídicas. De forma a manter, conforme a proposta da campanha por eleições limpas e combate à corrupção, apenas as contribuições das pessoas físicas, limitadas ao valor, conforme propus, de R$ 1.700 por pleito e por pessoa. Neste ano, teremos cinco pleitos, de modo que cada cidadão poderia doar no máximo, se aprovada tal proposição, até R$ 8.500. Mas não foi aprovada ainda.

 

Também proponho, e tenho praticado, que todas as contribuições de pessoas físicas e jurídicas, de qualquer natureza, sejam registradas no sítio eletrônico de cada candidato, para que, às vésperas das eleições (no caso deste ano, 4 de outubro), os eleitores possam saber exatamente qual a natureza do financiamento de cada candidato e partido.

 

Ainda que tenhamos tido avanços muito significativos na melhoria da distribuição da renda e da riqueza, sobretudo nos últimos 12 anos, sob as administrações dos presidentes Lula e Dilma, ainda precisamos melhorar para instituir no Brasil princípios de justiça - tais como aqueles elaborados pelo filósofo John Rawls em sua Teoria da Justiça, de 1971, quando ele observa que numa sociedade precisamos aplicar os princípios de igual liberdade, diferenças e igualdade de oportunidades.

 

O princípio de igual liberdade diz que toda pessoa deve ter um conjunto de liberdades básicas fundamentais, tais como livre expressão, ir e vir, livre associação, votar e ser votado, e todos os demais direitos previstos na Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana e na nossa Constituição, a fim de serem estendidos a todos os membros da sociedade.

 

O princípio da diferença seria para explicar que qualquer diferença socioeconômica só se justifica se em benefício dos que menos têm, de maneira a prover igualdade de oportunidades a todos. Esse leva ao terceiro princípio, da igualdade de oportunidades. Quais instrumentos poderiam significar sua aplicação? Primeiro, obviamente, oportunidades de educação de muita qualidade para todos os meninos e meninas, jovens e adultos que não tiveram boas oportunidades quando crianças. É muito importante ampliarmos as oportunidades de educação em tempo integral, desde o ensino fundamental até o médio, combinando com o profissional. Inclusive, este é um objetivo do Plano Nacional Educação (PNE).

 

Também precisamos prover um bom sistema de atendimento à saúde, na medida do possível o mais igualitário para toda a população brasileira, com melhora do SUS e  atendimento de bons médicos à população. Nesse sentido, o programa Mais Médicos foi um avanço sobre uma falta de médicos que afeta 50 milhões de habitantes. Também é importante estimularmos as formas de economia solidária ou cooperativas, dada sua natureza de envolver todo seu organismo na produção, a fim de decidir como criar e distribuir a riqueza. Também estimular o crédito para a agricultura familiar, onde ainda é grande a disparidade de distribuição da renda e da riqueza, especialmente da propriedade fundiária, de modo que é importante avançarmos na realização da reforma agrária.

 

Com respeito aos programas de transferência de renda, é importante avançarmos no programa Bolsa Família, de tão bons resultados desde que foi instituído. Mas temos hoje 14,2 milhões de famílias inscritas no Bolsa Família, de um total de 19 milhões que teriam direito de receber. Ou seja, falta avançar o programa para mais 27% das famílias, no que a presidente Dilma nos conclamou a realizar uma “busca ativa”. Isso até o dia em que chegarmos a instituir aquilo já aprovado em lei (de minha autoria), a Renda Básica de Cidadania, que se refere aos direitos de toda e qualquer pessoa, não importa sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou socioeconômica, de partilhar a riqueza da nação como direito de cidadania.


Correio da Cidadania:
Marina é agora a grande ‘novidade’ da eleição. O que pensa do fato em si, de ser ela a escolhida para substituir Campos como candidata presidencial no PSB, e da ideia da ‘terceira via’, associada à sua candidatura?

 

Eduardo Suplicy: Claro que seu aparecimento se deu diante de uma tragédia inesperada, com a perda do Eduardo Campos, um valor muito respeitado que, inclusive, quando rapaz, aos 18, 19 anos, ajudava seu avô Miguel Arraes na luta pelas Diretas Já e pela democratização do país.

 

Mas a Marina é uma pessoa muito respeitável, com quem tenho bom relacionamento. Temos amizade por termos participado juntos do PT (eu desde 1980; ela, desde 1985), no tempo que Chico Mendes era vivo, e no tempo de senadores também atuamos em conjunto. Quando ela saiu do PT, eu lhe disse que continuaríamos a batalhar juntos por muito tempo, ao longo de nossas vidas, por propósitos e anseios em comum.

 

Tenho por ela muito respeito, mas, obviamente, como senador do PT e acreditando nas qualidades da Dilma, estou trabalhando pela presidente, que tem todas as condições de vencer.

 

Correio da Cidadania: Em que medida o PT será, a seu ver, impactado não só pelo ‘fenômeno Marina’, mas também pelos novos escândalos que emergem da Petrobras?

 

Eduardo Suplicy: Já está impactado. A Marina conseguiu superar o Aécio, como mostram as pesquisas, a exemplo de uma que deu cerca de 38% para a Dilma, 36% para a Marina e 15% ao Aécio. A Marina ocupou o lugar do tucano, sendo mais provável que ela chegue ao segundo turno e dispute a eleição com Dilma. E acho mais provável que a Dilma vença.

 

Sobre a Petrobrás, as informações que têm sido divulgadas, há que salientar, se referem ao aprofundamento da investigação de irregularidades feitas pela própria PF, um dos organismos principais do Ministério da Justiça. E é feita com toda a isenção. Até agora, notou-se a divulgação de um depoimento realizado sob segredo de justiça, que na verdade não foi inteiramente divulgado em seus detalhes.

 

Para fazer uma boa avaliação, há que aguardar o resultado completo da investigação. O que sabemos é que a presidente Dilma tem firmeza de não admitir mal feitos na administração da Petrobrás. Se irregularidades, desvios de recursos e enriquecimento ilícito aconteceram, de acordo com toda a investigação, esse fenômeno triste está estancado, como a presidente Dilma ressaltou em entrevista ao Estado de S. Paulo.

 

Correio da Cidadania: Nesse sentido, qual a importância das eleições de 2014 para o Partido dos Trabalhadores? Considera que o partido seja representativo, de alguma forma, das grandes movimentações que emergiram em 2013, e possa responder aos novos anseios que têm surgido das ruas e movimentos sociais?

Eduardo Suplicy: De todos os partidos políticos que disputam as eleições, eu acredito ser justamente o PT aquele que maior identidade tem como os anseios dos jovens que realizaram protestos desde o ano passado. Claro que houve protestos contra alguns procedimentos dos governos nos três níveis, por todo o Brasil. Mas acho que os anseios desses jovens têm muito a ver com os objetivos de formação de uma sociedade justa, fraterna, solidária, que também constituem objetivos do Partido dos Trabalhadores. Acredito que temos as condições de responder a tais desejos da melhor forma possível e temos a responsabilidade de fazê-lo.

 

Correio da Cidadania: E o que pensa da candidatura Dilma face à conjuntura política, econômica e social?

 

Eduardo Suplicy: O governo da presidente Dilma teve um prosseguimento em relação ao governo do presidente Lula. Primeiro, de combinar o crescimento da economia com a criação de oportunidades de emprego, com mais de 20 milhões de empregos criados nos últimos 13 anos. Nos últimos 3,5 anos, mais de 5 milhões de empregos formais foram criados. Ela também deu continuidade à diminuição da pobreza e da pobreza absoluta, como mostra o coeficiente Gini de desigualdade. Em 1996, tínhamos índice de 0,601, o que nos colocava entre os três países mais desiguais do planeta Terra. Em 2002, estávamos próximos de 0,59. A cada ano, desde então, foi diminuindo, até chegarmos a 0,51, em 2012, o último dado disponível.

 

A inflação tem se mantido dentro da variação de 2,5% pra cima ou pra baixo, de acordo com a meta de 4% ao ano. É fato que no último mês ela foi de 6,51%, mas ainda pode ser considerada dentro da meta. E acho que a presidente Dilma tem toda a determinação e condições, em que pese a dificuldade da economia internacional, de promover um salto de qualidade na economia brasileira.

 

Inclusive, tenho sugerido a ela que institua um grupo de trabalho para estudar como será a transição do Bolsa Família para o programa Renda Básica da Cidadania, para participarmos todos da riqueza comum da nação. O que, com o progresso do país, será suficiente para atender às necessidades vitais de cada um. Com todas as vantagens de se tornar um direito universal. Quando isso ocorrer, este fenômeno será tão importante que equivalerá, segundo os próprios membros da rede mundial da renda básica, à abolição da escravidão e à instituição do sufrágio universal.

 

Correio da Cidadania: Várias análises têm ressaltado um caminho em uníssono que as três principais candidaturas estariam fazendo para angariar o apoio de grandes grupos econômicos na corrida eleitoral. Representariam, portanto, todas elas um mesmo modelo, com mudanças apenas de gradação. O que diria sobre isso?

 

Eduardo Suplicy: Enquanto nós não tivermos o financiamento público de campanha, os diversos partidos políticos, a exemplo da campanha da presidente Dilma, do senador Aécio e da senadora Marina – todos –, continuarão solicitando contribuições de empresas, tanto do setor financeiro como outras. Para modificar efetivamente tal quadro temos de avançar no financiamento da campanha pelo poder público, talvez somente com contribuições das pessoas físicas, mas não mais das pessoas jurídicas.

 

Enquanto não houver financiamento de natureza pública de larga escala, teremos a continuação do que vemos. O STF está examinando iniciativa da OAB para não mais permitir a contribuição das pessoas jurídicas. Mas, para essa eleição, ela ainda existe, e o que noto é que as grandes empresas estão dando suas contribuições para todas as principais candidaturas.

 

Correio da Cidadania: Arrisca algum palpite para os resultados de primeiro e segundo turnos?

 

Eduardo Suplicy: O mais provável é que haja segundo turno entre a presidente Dilma e a candidata Marina, o que significará o fato inédito de duas mulheres disputarem a presidência da República de um país. E, como disse, acho provável a vitória da Dilma.

 

Correio da Cidadania: E como analisa a corrida pela vaga ao senado em São Paulo, na qual o senhor concorre, entre os que têm mais chances de eleição, Serra e Kassab e a importância disso para o estado?

 

Eduardo Suplicy: Sugiro consulta ao site Atlas Político, que fez um estudo, recém-divulgado, sobre quais congressistas tiveram o melhor desempenho, levando em conta cinco itens diferentes. É um estudo organizado por um cientista político e um matemático, ambos brasileiros, da Universidade de Harvard. Ao analisar todos os deputados federais, colocaram o Chico Alencar com a melhor nota; no Senado, quem teve a melhor nota, de 0 a 5, fui eu, com, 4,9. Assim, sugiro a todos consultarem tais estudos e os critérios que esses dois brasileiros utilizaram.

 

Estou bastante confiante, pois tenho procurado atuar de forma séria e consequente, levando em conta as aspirações dos brasileiros que querem honestidade, seriedade e transparência na vida dos representantes do povo no Congresso. E tenho a convicção de que as proposições que tenho apresentado e defendido são muito positivas e bem avaliadas.

 

Tenho todo respeito pelos candidatos que são meus adversários, seja Serra, Kassab, a Ana Luiza ou a Marlene Campos Machado, entre outros. Estou disposto a debater com todos e me colocar à disposição dos eleitores para esclarecer todo e qualquer aspecto da minha campanha. Utilizo as redes sociais e quem quiser pode ver diariamente minhas colocações sobre as ações de campanha.

 

Felizmente, me sinto, em todos os lugares que tenho andado, capital, interior, comércio, universidades, bastante encorajado a levar adiante o propósito, com muita seriedade e transparência, dos princípios de honestidade e realização de justiça. Espero confirmar pela quarta vez o mandato que já me foi confiado três vezes. E ajudar a presidente Dilma Rousseff e nosso candidato a governador Alexandre Padilha a serem eleitos, pois acredito que são excelentes candidatos.

 

Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania.

Comentários   

0 #1 Financiamento de campanhas.helio querino jost 04-10-2014 11:42
Acredito que o financiamento de campanhas pode ser regulamentado estipulando-se um valor limite para doação por pessoas jurídicas e físicas.O Fundo Partidário e o tempo de propaganda, a meu ver, devem ter uma base fixa 50% para todos os partidos e o restante proporcional ao número de parlamentares.
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