Mudanças Climáticas Globais e Leilões do Petróleo no Brasil – Parte II: o que fazer?

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Alexandre Araujo Costa
26/07/2013

 

 

O Brasil veio se tornando progressivamente um grande produtor de petróleo, principalmente a partir da perfuração do piso oceânico em suas águas territoriais. No momento, a produção brasileira atingiu 2.583.000 barris por dia (1).

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Vazamento na Bacia de Campos, em área explorada
pela americana Chevron-Texaco.

Inicialmente, isto se deu através da Petrobrás, uma companhia de capital misto, na qual o Estado brasileiro é sócio majoritário, mas também com grande participação de investidores privados. No entanto, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a Petrobrás perdeu o monopólio da exploração em território brasileiro (2) e muitas companhias começaram suas operações, incluindo a Chevron, que já foi responsável por um vazamento de grandes proporções na Bacia de Campos, próximo ao litoral do Rio de Janeiro.

 

Após interrompidos por 4 anos, os leilões do petróleo e gás no Brasil retornaram com força total em 2013. Em maio, 117 blocos foram a leilão, incluindo, pela primeira vez no Brasil, gás de xisto. O leilão da camada do pré-sal, em regime de partilha, está marcado para 28 de novembro. A Shell já manifestou seu interesse (3).

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Porcentagem dos royalties em diferentes países da América do Sul. A taxa
de royalties no Brasil é particularmente baixa.

 

O Brasil passou por uma longa e distorcida discussão sobre os royalties, na qual falsas questões como a divisão destes entre as esferas federal, estadual e municipal ganharam destaque. Além disso, criou-se uma cortina de fumaça com o argumento de que a porção que caberia ao governo federal seria usada integralmente para financiamento da Educação, ao passo que a realidade é que, uma vez que os royalties no Brasil são baixos (15%, mais baixos do que na maioria dos países sul-americanos (4)) e a fração federal é de apenas 22% do total, não mais do que 3,3% dos recursos do petróleo ficariam disponíveis (na verdade, a lei garante apenas que metade disso seja orientada para a Educação, através do Fundo Social Nacional (5)). A ironia? Ao fim, os leilões do pré-sal serão baseados noutra estratégia (regime de partilha), que não envolve royalties!

 

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Diagrama mostrando a desproporção entre o faturamento das empresas que
explorarem o petróleo em regime de royalties e os recursos que de fato
ficam com a União, para supostamente serem aplicados na Educação.
Detalhes dessa discussão neste texto.

 

Havia estimativas de que a camada do pré-sal brasileira poderia conter até 300 bilhões de barris de petróleo, mas estimativas mais realistas são de que ela contém entre 70 e 100 bilhões de barris (6). Mesmo essa estimativa mais conservadora, porém, é suficiente para incluir a extração do petróleo pré-sal entre os projetos de exploração de fontes fósseis mais perigosos para o clima, de acordo com estudo do Greenpeace e da Ecofys (7).

 

De fato, mesmo sem contabilizar quaisquer emissões da cadeia produtiva, um barril de petróleo contém aproximadamente 123 kg de carbono. Daí, 100 bilhões de barris equivalem a 12,3 Gton de carbono fóssil. Uma vez que a queima de 2,12 Gton de carbono equivale a adicionar uma ppm (parte por milhão) de CO2 na atmosfera global (8), a exploração do petróleo na camada do pré-sal brasileira leva a um aumento nas concentrações atmosféricas desse gás em cerca de 6 ppm! Mesmo adotando 450 ppm como meta de pico, e não de estabilização, isto já corresponde a 1/9 da diferença entre tal valor e as concentrações de CO2 no presente. Bloquear os leilões do pré-sal, portanto, adquire grande importância, o que só pode se dar através de um movimento amplo e forte.

 

Como apontado anteriormente, pode-se considerar que a associação entre bancos e companhias do petróleo (juntamente com outras companhias de combustíveis fósseis e relacionadas) está no núcleo da intrincada malha capitalista global. Adicionalmente, a mudança climática é, inequivocamente, a ameaça mais importante que a civilização humana está a encarar, envolvendo perigos para os mais pobres e os mais vulneráveis em nossa sociedade, bem como para o conjunto dos principais ecossistemas terrestres. Isto torna a luta contra a mudança climática e seus agentes central para a luta contra a desigualdade. Traduz-se em questões de classe, nacional, geracional e até de gênero (a mudança climática, como bem se sabe para a variabilidade climática sobre o semiárido do Nordeste Brasileiro e em muitos lugares da África e América Latina, tende a produzir enormes impactos sobre os ombros das mulheres).

 

O amplo movimento contra a mudança climática e seus agentes pode crescer e provavelmente crescerá nos próximos anos, à medida que interesses e experiências comuns entre movimentos, ativistas e ONGs ambientalistas, movimentos indígenas e de pessoas afetadas por eventos extremos (como o caso das vítimas do furacão Sandy) os levará a demonstrações cada vez maiores e mais incisivas (com a possibilidade, via redes sociais, de rápido intercâmbio de informação dentro de um país ou mesmo mundialmente). Os socialistas revolucionários devem cumprir um papel relevante nesse movimento, apontando para as companhias fósseis (juntamente com os bancos) como o coração de um sistema mais complexo de exploração humana e devastação da Natureza (a essência exponencial da reprodução ampliada do capital o torna incompatível com recursos naturais limitados e com o comportamento cíclico da dinâmica ambiental, que inclui os ciclos da água, do carbono, do nitrogênio etc.).

 

Tal movimento por vezes encarará desafios complicados, pois terá de ser bastante amplo e estabelecer o diálogo necessário com outros movimentos que podem eventualmente defender interesses opostos em certas circunstâncias, como o movimento sindical. O caso brasileiro é um em que existe a possibilidade de convergência, já que os trabalhadores petroleiros se opõem aos leilões, apesar de evidentemente não terem atingido uma compreensão da questão climática.

 

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Até agora, porém, a esquerda social e até as organizações ambientalistas não demonstraram ter consciência e não se mostraram capazes de iniciar uma luta unitária contra o leilões do petróleo no Brasil. O PSOL segue enganado, ao ponto de participar em manifestações ao lado do governador reacionário do Rio de Janeiro, demandando uma maior porcentagem de royalties para os estados em que ocorrer a exploração, e até agora não fez nenhum pronunciamento público contra os leilões. Marina Silva tem levantado a questão sob o aspecto dos riscos de acidentes, mas a questão climática não aparece com centralidade. Ela também não fez nenhuma declaração pública contra os leilões.

 

Mas há uma ampla gama de argumentos que podem ser apresentados para que estes leilões não devam ser realizados. Mesmo se a questão climática ainda parecer intangível, muitos deles são facilmente assimiláveis para o grande público, tenho certeza.

 

Primeiro, trata-se de uma entrega aberta de uma enorme soma de recursos para algumas das mais poderosas corporações internacionais. Defendemos o retorno do monopólio de exploração do petróleo e gás natural, através da Petrobrás, transformada em empresa inteiramente pública, democratizada e sob controle dos trabalhadores. Os leilões, seja através do regime de royalties ou de partilha, permitem que aquelas corporações se apropriem da maior fatia dos recursos do petróleo.

 

Segundo, sabe-se que a exploração do petróleo em águas profundas envolve riscos muito elevados, como bem demonstram o gigantesco vazamento da British Petroleum no Golfo do México e da Chevron, em nossa Bacia de Campos, ambos com consequências graves para a biota marinha, a pesca e até mesmo para atividades turísticas. É sabido que a exploração do pré-sal envolve riscos ainda maiores do que a maioria das operações em curso nas águas territoriais brasileiras.

 

Terceiro, e o que é central na atual conjuntura, pela questão climática. A concentração atmosférica de CO2 ultrapassou o nível seguro de 350 ppm e a queima dos 100 bilhões de barris de petróleo estimados no pré-sal brasileiro são suficientes para elevar em 6 ppm uma concentração já alarmante de 394 ppm.

 

O meu ponto de vista é o de que o Brasil precisa assumir uma postura responsável para com o clima global e priorizar a adoção de energias renováveis, estimular o uso da energia solar, eólica, maremotriz e a biomasssa como base para seu desenvolvimento.

 

1) http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_pa%C3%ADses_por_produ%C3%A7%C3%A3o_de _petr%C3%B3leo

2) 9a Emenda Constitucional disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc09.htm.

3) Por exemplo, em http://www.valor.com.br/empresas/2880456/shell-manifesta-interesse- em-competir-por-concessoes-do-pre-sal e http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/09/primeiro-leilao-de-blocos-do-pre-sal-deve- acontecer-em-maio-diz-lobao.html.

4) Global Oil and Tax Guide (Ernst & Young), disponível em http://www.ey.com/Publication/vwLUAssets/2012-global-oil-and-gas-tax- guide/$FILE/EY_Oil_Gas_Tax_Guide_2012.pdf

5) A lei está disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011- 2014/2012/Lei/L12734.htm

6) Como em http://www.brasil.gov.br/sobre/economia/energia/pre-sal

7) Disponível em http://www.greenpeace.org/international/Global/international/publications/climate/2013/Poi ntOfNoReturn.pdf

8) http://arxiv.org/pdf/1110.1365.pdf

 

 

Parte 1

Mudanças Climáticas Globais e Leilões do Petróleo no Brasil - Parte I: A quem interessam. A quem não

Alexandre Araujo Costa é Ph.D. em Ciências Atmosféricas, professor titular da Universidade Estadual do Ceará.

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