Correio da Cidadania

Mudanças Climáticas Globais e Leilões do Petróleo no Brasil - Parte I: A quem interessam. A quem não

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A ciência do clima é muito clara: o sistema climático está realmente aquecendo, este aquecimento é causado pela acumulação de gases estufa de vida longa, especialmente dióxido de carbono (seguido de metano, óxido nitroso e halocarbonetos) e a origem desse desequilíbrio químico atmosférico está nas atividades humanas, especialmente no uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural), como estabelecido nos relatórios de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (Intergovernmental Panel on Climate Change, IPCC), especialmente o AR4 (1).

 

A enorme quantidade de evidências acerca do aquecimento global vem de um conjunto integral de observações, incluindo não apenas medidas de temperatura na superfície, mas também medidas de ar superior e estimativas de satélite. Esse conjunto é altamente coerente com observações de outros componentes do sistema climático, incluindo a elevação do nível do mar, o recuo do gelo marinho e de geleiras, a acumulação de calor e a acidificação dos oceanos mundiais e mudanças em um grande número de ciclos biogeoquímicos complexos (2).

 

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Os impactos da mudança global imposta pelas emissões antrópicas de gases de efeito estufa são universais. Acompanhando a consequência mais óbvia, que é o aquecimento, pode-se citar uma enorme lista deles, incluindo o aumento na ocorrência de ondas de calor mais fortes, secas mais intensas e tempestades severas, assim como incêndios florestais mais frequentes, perigosos e devastadores, derretimento de gelo polar, que se tornará o causador mais importante de elevação do nível dos oceanos, o branqueamento de corais e uma grande mortalidade de organismos que dependem da fixação do carbonato de cálcio para sobreviverem etc.

 

Mudanças no regime de precipitação certamente colocarão a agricultura e o abastecimento urbano de água em perigo em muitas localidades. As consequências para países insulares, cidades costeiras, povos tradicionais (indígenas, pescadores etc.), pequenos agricultores e as pessoas e países mais pobres são óbvias.

 

Sensibilidade climática: por que temos de impor limites ao uso do combustível fóssil

 

Um número chave ao discutirmos a mudança climática é a chamada “sensibilidade climática”, que corresponde ao grau de aquecimento associado a uma duplicação da concentração de CO2 atmosférico. Como se sabe, o aquecimento é produzido tanto a partir de efeitos rápidos (como o aumento do vapor d’água atmosférico, que também é um gás de efeito estufa e portanto amplifica os efeitos do CO2) quanto de retroalimentações de longo prazo (como mudanças no nível do mar e no gelo, que requerem uma escala de tempo bem mais longa para atingirem um estado de equilíbrio).

 

Daí, estimativas individuais da sensibilidade climática podem não ser tão precisas e é necessário fazer uso de uma combinação de estimativas das observações do aquecimento recente (que têm a óbvia inconveniência de não se estar lidando com um sistema nos quais as retroalimentações lentas não se desenvolveram nem de perto ao ponto de sua força máxima), dos testemunhos paleoclimáticos (que são indicativos indiretos de variáveis climáticas como a temperatura e têm incertezas significativas) e experimentos de modelagem climática. O IPCC trabalha com o intervalo de 2 a 4,5°C de aquecimento por duplicação de CO2, com 3°C como a melhor estimativa (3).

 

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Usando esta estimativa de 3°C pode-se imediatamente fazer alguns cálculos simples, apenas usando logaritmos, para se ter uma ideia do efeito do aumento da concentração de CO2 para diferentes níveis. Como os valores pré-industriais eram da ordem de 275 partes por milhão (ppm) (4), a conclusão mais simples é que a temperatura média global tende a crescer em aproximadamente 3°C se atingirmos 550 ppm. Também indicam que a concentração atual de 394 ppm (5) está associada a um aquecimento global de aproximadamente 1,6°C. Como estamos 0,8°C acima do período pré-industrial (6), a conclusão é a de que há outros 0,8°C já “encomendados”, isto é, que mesmo que a concentração de CO2 venha a se estabilizar nos níveis atuais, a temperatura continuaria a crescer (e o gelo continuaria a derreter e os oceanos a se elevarem) rumo a um valor 1,6°C acima da média pré-industrial.

 

Por outro lado, o mesmo conceito de sensibilidade climática pode ser usado para se determinar em qual concentração de CO2 devemos mirar para evitar um certo grau de aquecimento. É bem conhecido que, para se ter uma chance de 50% de evitar um aquecimento maior que 1°C, o que – acredita-se – não causaria maiores rupturas nos ecossistemas terrestres, evitaria uma elevação dos oceanos que ameaçaria os pequenos países insulares e minimizaria a perda de biodiversidade, o limite é de 350 ppm (7), que foi ultrapassado em 1988, o ano no qual o IPCC foi criado. Indo além, se se deseja evitar uma probabilidade de mais de 50% de aquecer a Terra por mais de 2°C comparado ao período pré-industrial, 450 ppm é o limite máximo.

 

Tal limite, porém, é insuficiente e só pode ser defendido como uma concentração de pico, e não como um valor de estabilização. Primeiro, porque impactos significativos já se fazem presentes com mero 1°C acima do período pré-industrial (como impactos na água potável em países insulares). Segundo, porque um estudo recente sugere que, na verdade, alguns mecanismos de retroalimentação positiva podem ser disparados já a 1,5°C, o que pode ser suficiente para tornar o aquecimento global autossustentado (8). No entanto, a realidade é que o crescimento das emissões de gases de efeito estufa está fazendo este objetivo obviamente insuficiente (em termos de prevenir impactos climáticos sérios) mais e mais distante a cada ano (9).

 

A conclusão é a de que existe uma ligação forte entre a quantidade de CO2 que é liberada na atmosfera e a dimensão do risco climático que está sendo imposto. Quanto maiores as emissões, mais abrangente e mais profundo se torna o risco climático. Evidências paleoclimáticas indicam que, durante a era Cenozóica, o Polo Norte não possuía calota polar permanente com níveis de CO2 acima de 400 ppm e que a formação da calota polar da Antártica esteve associada com a queda dessa concentração para valores abaixo de 500 ppm (10).

 

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A fim de se evitar o já perigoso nível de 450 ppm, algumas estimativas sugerem que a máxima quantidade de carbono que pode ser liberada na atmosfera terrestre é de 565 bilhões de toneladas métricas, ou 565 Gton, enquanto outras são ainda mais restritivas (11). A quantidade de carbono armazenado nas reservas fósseis convencionais é incerta, mas é da ordem de 2,8 trilhões de toneladas métricas, 2,8 Tton ou 2800 Gton, o que é no mínimo 5 vezes mais do que supostamente seria permitido queimar (12). Incertezas ainda maiores existem acerca do total de carbono armazenado nas chamadas reservas não-convencionais (o que inclui areia betuminosa, gás de xisto e petróleo do pré-sal), mas algumas estimativas dão conta de um número tão grande quanto 12 Tton (13).

 

O Poderio das Companhias de Petróleo e como elas se conectam ao Sistema Financeiro

 

Juntamente com os bancos, a indústria de combustíveis fósseis constitui hoje em dia o núcleo central do capitalismo global. A maior companhia do mundo em vendas é a Shell e a maior em lucro, a Exxon-Mobil. Outras poderosas companhias de óleo, gás e carvão segundo esses critérios são BP, Chevron-Texaco, Sinopec, China Petroleum, Gazprom, BHP e Total. As companhias automobilísticas, que estão diretamente vinculadas ao setor petroquímico, juntam-se à lista das maiores corporações mundiais, com destaque para Toyota e Volkswagen (14).

 

O faturamento anual da Shell equivale ao PIB da Noruega. A soma dos faturamentos anuais da Shell, Exxon e BP é maior que U$ 1,3 trilhão, o que é da ordem do PIB do Estado espanhol. Se acrescentarmos Chevron, Sinopec, China Petroleum, Conoco-Phillips e Total (todas estas companhias de petróleo), já se está acima de U$ 2,7 trilhões (além do PIB da França, que é o 5º maior do mundo). Entre a chinesa State Grid, a Gazprom, a Toyota, a Volkswagen e a General Motors (estas últimas, as três maiores companhias automobilísticas), há outro trilhão de dólares em faturamento e, ao final, nas mãos de não mais do que 13 companhias, o PIB da Alemanha (o 4º maior) é deixado para trás (15).

 

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Estudo revela a presença dos bancos nos conselhos deliberativos das principais
companhias petroquímicas. É apenas um monstro, com um punhado de cabeças...


Um estudo pelo TNI (16), o Instituto Transnacional, mostra que os vínculos entre as companhias petroquímicas e os bancos são bastante intrincados. É facilmente percebido que os conselhos executivos das companhias de petróleo têm representação dos bancos e que ambos os setores têm fortes vínculos com políticos e a mídia. Isso estabelece uma rede de poder que só pode ser caracterizada como o verdadeiro governo mundial, uma plutocracia, que exerce imensa pressão sobre as Conferências das Partes e tem sido bem sucedida em seu intento de barrar qualquer iniciativa séria no sentido de controlar as emissões de gases de efeito estufa.

 

A histeria dos negadores das mudanças climáticas e outros radicais anti-ambientalistas que ladram contra um suposto “governo global” (a fantasia de uma conspiração entre a ONU, cientistas do clima, ONGs e companhias que produzem aerogeradores ou painéis solares) se torna mais e mais ridícula quando fica claro que o necessário é uma gigantesca luta para desbancar o governo global realmente existente, controlado pelos bancos e a indústria fóssil.

 

É claro, este pequeníssimo, porém incrivelmente poderoso grupo de companhias, é quem está forçando as atuais tentativas (ou iniciativas) de exploração das últimas fronteiras do petróleo, carvão e gás, incluindo as reservas fósseis não convencionais, perfurando o Ártico e o pré-sal brasileiro, explorando as areias betuminosas de Alberta e obtendo gás via fratura, dentre outras.

 

As operações nestes casos são usualmente bastante arriscadas. A pressão sob águas profundas são extremas, tornando vazamentos massivos de óleo, como o de responsabilidade da BP no Golfo do México (17), uma ameaça constante. As areias betuminosas são abrasivas e vazamentos em oleodutos como o de Keystone XL (18) têm uma maior probabilidade de ocorrência, podendo causar contaminação de solo e água. Outras reservas estão sob florestas, como no Equador, e sua exploração também pode trazer, além do impacto climático global, sérias consequências ao ambiente local.

 

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'Keep the Oil in the Soil & the Coal in the Hole' - Angie Vanessa


É a essas corporações, destrutivas em sua essência, que interessa a extração dos combustíveis fósseis até a última pedra de carvão e gota de óleo, nem que para isso seja necessário perfurar arriscadamente o oceano profundo, remover o topo das montanhas, destroçar florestas tropicais e o Ártico. À grande maioria de nós, seres humanos, não. Os eventuais ganhos imediatistas, de curto prazo, serão de longe suplantados pelos prejuízos de médio e longo prazo e já estão sendo, em muitos casos, superados já, com as mudanças no clima já observadas, incluindo extremos.

 

Sim! Aos de baixo, a mudança climática não interessa! À esmagadora maioria da humanidade, petróleo, carvão, são coisas que devem ficar no chão!

 

Notas:

 

1) Como em http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/wg1/en/spmsspm-direct-observations.html

2) http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/wg1/en/ch9s9-7.html

3) http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/wg1/en/ch10s10-5.html#box-10-2

4) Etheridge, D.M., L.P. Steele, R.L. Langenfelds, R.J. Francey, J.-M. Barnola, and V.I. Morgan. 1996. Natural and anthropogenic changes in atmospheric CO2 over the last 1000 years from air in Antarctic ice and firn. Journal of Geophysical Research 101:4115-4128.

5) Ver http://co2now.org/Current-CO2/CO2-Now/annual-co2.html

6) This is accepted by the World Bank is its report: http://climatechange.worldbank.org/sites/default/files/Turn_Down_the_Heat_Executive_Summ ary_English.pdf

7) Como em Hansen et al. (2008), disponível em http://arxiv.org/abs/0804.1126

8) Estudo baseado em espeleotemas e recentemente publicado na revista Science (http://www.sciencemag.org/content/early/2013/02/20/science.1228729). As implicações são discutidas em linguagem mais acessível ao público leigo em http://www.sciencedaily.com/releases/2013/02/130221143910.htm

9) As emissões continuam a crescer (vide por exemplo, http://co2now.org/Current-CO2/CO2- Now/global-carbon-emissions.html)

10) De acordo com http://www.columbia.edu/~jeh1/mailings/2011/20110415_EnergyImbalancePaper.pdf e http://www.sciencemag.org/content/334/6060/1261

11) http://www.rollingstone.com/politics/news/global-warmings-terrifying-new-math- 20120719?page=2 defende o limite superior de 565 Gton e http://www.nature.com/nature/journal/v458/n7242/full/nature08019.html sugere que não devemos exceder a “trilionésima tonelada” de carbono

12) http://www.rollingstone.com/politics/news/global-warmings-terrifying-new-math- 20120719?page=2

13) http://arxiv.org/pdf/1110.1365.pdf

14) Dados de http://money.cnn.com/magazines/fortune/global500/2012/full_list/

15) Comparando as informações das companhias com o PIB, mostrado em http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_GDP_(nominal)

16) Disponível em http://www.tni.org/article/dirty-money-finance-and-fossil-fuel-web

17) http://en.wikipedia.org/wiki/Deepwater_Horizon_oil_spill

 

Alexandre Araujo Costa é Ph.D. em Ciências Atmosféricas, professor titular da Universidade Estadual do Ceará.

Comentários   

0 #1 Reflitemos!João Paulo Barbosa 15-05-2013 13:05
[fv]Reflitemos![/fv]
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