Correio da Cidadania

2017: dez imagens de um ano de extremos

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2017 provavelmente deve encerrar como o terceiro mais quente do registro histórico, atrás de 2016 e 2015, anos influenciados pelo segundo mais intenso evento de El Niño já registrado. E, segundo a NOAA, de janeiro a novembro, a anomalia média de temperatura combinada sobre continentes e oceanos era de +0,96°C. Mas não nos enganemos que isso represente uma "pausa" ou uma redução do fenômeno do aquecimento global.

Pelo contrário, mostra que mesmo sem a ajuda da variabilidade natural (sem El Niño), a contribuição humana segue sendo determinante para esquentar perigosamente nosso planeta. E nesse sentido, não podemos esquecer dos eventos extremos, que ceifam vidas humanas e não-humanas e colocam em sério risco os ecossistemas. Nesta publicação, vamos mostrar dez imagens de extremos que marcaram 2017. A última vai deixar você perplexo(a).

❶ Branqueamento na Grande Barreira


Coral branqueado na Grande Barreira, próximo a Port Douglas, Austrália em 02/2017.
Crédito: Brett Monroe Garner/Greenpeace

O branqueamento de corais ocorre quando o aumento da temperatura na água rompe a simbiose entre o coral e as algas (denominadas zooxantelas), que são a sua principal fonte de alimento. O fenômeno tem se repetido a cada ano na Grande Barreira de Coral, já provocando danos irreversíveis. O processo ameaça toda a cadeia alimentar local e é uma das consequências mais deletérias para os oceanos associada ao aquecimento global.

Ao branqueamento se junta a acidificação que, embora não se deva propriamente a mudanças de temperatura, também está relacionada ao excesso de dióxido de carbono na atmosfera. A combinação desses processos com sobrepesca, introdução de espécies invasoras e poluição por plástico e compostos químicos diversos está colocando o equilíbrio do maior ecossistema do nosso planeta em sério risco!


❷ Incêndios em Portugal

 
Imagem obtida a partir de um drone, nas proximidades de Pedrogão Grande, Portugal, em 18/06/2017.
Crédito: Associated Press

A onda de calor em junho em Portugal e Espanha trouxe um saldo terrível: incêndios florestais, que deixaram 62 mortos, incluindo pessoas que tentaram desesperadamente escapar das chamas em seus carros e terminaram presas. Acredita-se que 90% desses incêndios sejam provocados diretamente por ações humanas, inclusive vários deles intencionais.

Mas o fato é que não fossem dois fatores cruciais a probabilidade de ocorrência de tragédias como essa seria bem menor. Um deles foi a substituição desastrada da floresta nativa por plantações de eucalipto, cuja flamabilidade é muito maior. Segundo, o aquecimento global. Afinal, de acordo com o que se conhece dos estudos de atribuição disponíveis na literatura científica (como debatemos em nosso blog), de cada 4 ondas de calor, 3 não podem ser consideradas mais um mero “fenômeno natural”.

❸ Inundações em Bangladesh
 

Desabrigados em Lalmonirhat, um dos seis distritos mais afetados
pelas cheias este ano em Bangladesh, 07/2017.
Crédito: Zakir Chowdhury/Barcroft Pictures/Barcroft Media

O período de monções no Sul e Sudeste Asiáticos é sempre marcado por enchentes. Mas dois processos correm em paralelo para agravar o impacto delas sobre a área mais populosa do planeta: águas mais quentes no Índico, que produzem mais vapor d'água para as chuvas e a elevação do nível do mar, que afeta especialmente as áreas mais baixas. Este ano, as enchentes assolaram Nepal, Índia e Bangladesh, deixando mais de mil mortes nesses países.

Mas o caso de Bangladesh é emblemático: são 154 milhões de pessoas habitando um país pouco maior do que o estado do Ceará, sendo que 100 milhões moram na zona costeira de baixa altitude. Este ano, naquele país, foram mais de 140 mortes, 700 mil casas destruídas ou danificadas e 8 milhões de pessoas afetadas pelas enchentes (as piores em 40 anos), segundo a Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho.

❹ Deslizamentos em Serra Leoa
 

Valas tiveram de ser cavadas às pressas no cemitério Paloko, (Waterloo, Serra Leoa) após a calamidade dos deslizamentos, em 08/2017. Crédito: Afolabi Sotunde/Reuters

Os deslizamentos de terra em Serra Leoa foram dos mais mortíferos eventos extremos de 2017. Os 1040 mm de chuva em julho de 2017 representaram nada menos do que o triplo da média histórica do mês (que já é normalmente chuvoso), deixaram o solo muito úmido e desestabilizaram as encostas. Daí, após três dias de chuvas intensas, sem tréguas, de 11 a 14 de agosto, a tragédia se estabeleceu: quase 500 mortes confirmadas e mais de 600 pessoas desaparecidas.

Como discutimos em nosso blog, o evento é a face da injustiça climática. Serra Leoa tem o 178º menor PIB per capita do mundo e a menor expectativa de vida. Suas emissões são de apenas 0,2 toneladas por habitante por ano, uma pegada 12,5 vezes menor do que um “brasileiro médio” e mais de 80 vezes menor do que a média de quem mora nos EUA. E o país está entre os 30 mais vulneráveis diante das mudanças climáticas.

❺ Harvey
 


Áreas do Texas receberam enchente inédita, de até 3 metros, em virtude do Harvey, furacão que causou quase 200 bilhões de dólares em prejuízo, recorde da história dos EUA, 08/2017.
Crédito: Mark Mulligan/Houston Chronicle via AP

O furacão Harvey foi em vários sentidos um fenômeno atípico. Produziu um alto número de mortes para os EUA: 91 (63 diretas) e os prejuízos atingiram impressionantes 198,6 bilhões de dólares, quase o dobro do furacão mais "caro" da história dos EUA até então (o Katrina e seus U$ 108 bi). Os 993 mm de chuva em Houston registrados em agosto de 2017 representaram mais do que o dobro do recorde anterior (junho de 2001).

Não faz sentido atribuir eventos individuais ao aquecimento global, mas novamente trata-se de uma questão de probabilidade. As águas do Golfo do México próximo à costa texana estavam entre 1,5 e 2°C acima do clima pré-industrial, o que nos dá a matéria-prima para monstros como Harvey: 2 a 3 gramas de vapor d’água a mais para cada quilograma de ar! O que acontece quando todo esse vapor se condensa? Uma quantidade inimaginável de água surge, pronta para ser despejada!


❻ Irma
 

O cenário em Barbuda foi de completa devastação após a passagem furiosa do Irma. Todos os 1800 habitantes da ilha tiveram de ser retirados do local. 09/2017.
Crédito: BBC

O Irma foi um dos furacões mais intensos da história e espalhou a morte em nada menos que 11 países/territórios, a maior parte no Caribe. Foram 134 fatalidades: uma em Anguilla; uma em Barbados; 3 em Barbuda; 4 nas Ilhas Virgens Britânicas e 4 nas Ilhas Virgens Americanas; 10 em Cuba; 11 nas Antilhas Francesas; uma no Haiti; 3 em Porto Rico; 4 na Ilha de São Martinho; 90 nos EUA e outras duas no Caribe.

Com 295 km/h, Irma foi o segundo furacão mais intenso já registrado na Bacia do Atlântico e o mais intenso fora do Golfo do México e Mar do Caribe. Foi também a tempestade que sustentou ventos tão intensos por mais tempo (37 horas, sendo o recorde anterior as 24 horas do Tufão HaiyanTufão Haiyan, em 2013) e um dos maiores em extensão e energia cinética gerada.

O climatologista Michael Mann afirmou: "os furacões Irma e Harvey devem acabar com qualquer dúvida de que a mudança climática é real. Não podemos continuar fingindo".

❼ Maria
 


Família de desabrigados em Porto Rico, após a passagem do Furacão Maria.
Crédito: desconhecido

Irma foi o mais potente. Harvey, o que produziu chuva mais concentrada. Mas nenhum furacão em 2017 foi tão mortífero quanto o Maria, num total de 547 fatalidades. Porto Rico concentrou a maioria das mortes (499) e foi deixado em destroços, privando praticamente toda sua população de água potável e energia (em tempo: hoje completamos 100 dias da tragédia e estima-se que haja centenas de milhares de pessoas ainda nessas condições!).

As demais mortes incluem 31 em Dominica, 5 na República Dominicana, 4 nos Estados Unidos, 3 no Haiti, 2 em Guadalupe e 3 nas Ilhas Virgens. Os danos materiais ultrapassaram 100 bilhões de dólares, colocando o Maria em terceiro nesse quesito (atrás de Harvey e Katrina). Há denúncias de que o quadro se agravou pela lentidão da administração Trump em agir (Porto Rico é território dos EUA).

❽ Incêndios na Califórnia
 
Bombeiros combatendo o Incêndio em Thomas, Califórnia, 05/12/2017
Crédito: Ryan Cullom/Ventura County Fire Department via AP

Os incêndios em 2017 na Califórnia bateram recorde de extensão. Foram mais de 9 mil focos, destruindo cerca de 5600 km² de área vegetada. Foi também este ano em que ocorreram 5 dos 20 incêndios mais destrutivos da história daquele estado. Em outubro, 8900 residências/edifícios foram destruídos e 44 pessoas morreram em virtude dos incêndios.

Mesmo em dezembro, com a continuidade das condições de temperatura acima do normal e praticamente sem ocorrência de precipitação, os incêndios obrigaram a evacuação de 212 mil pessoas e mais de 1300 residências/edifícios foram queimados. Estima-se que os danos materiais já tenham ultrapassado 13 bilhões de dólares. O combate aos incêndios também resultou na morte de um bombeiro e em ferimentos em outros 12.

 ❾ Tornado de Fogo
 
"Tornado de fogo" em Portugal, em 10/2017.
Crédito: APTN/TVI

"Um tornado de fogo" ou "fire devil" é um fenômeno raro, mas que pode acompanhar incêndios como os que foram verificados nas ondas de calor que se abateram sobre o sul da Europa em 2017. O mecanismo é parecido com o que acontece em tornados e trombas d'água. É necessário que um centro de baixa pressão e uma corrente ascendente mudem a circulação dos ventos, transformando vorticidade (uma medida física da rotação) horizontal em vertical.

No caso de um tornado, a corrente ascendente está associada à nuvem que o gerou. No caso do "tornado de fogo", o movimento ascendente é produzido pelo calor da queima do material na superfície. Ao final do ano de 2017, os incêndios em Portugal responderam por um terço da área de florestas queimadas em todo o território da União Europeia.

❿ Trump
 
Print do Twitter de Donald Trump, 28/12/2017

Não é possível falar de desastre climático sem mencionar o maior de todos: Trump. Sim, o mesmo desmiolado negacionista que disse que "o aquecimento global é uma farsa inventada pelos chineses" conseguiu soltar uma pérola do nível. Assim como o filho de Bolsonaro, no inverno do Brasil, Trump não parece ter limites para a estultice. Confunde tempo com clima, local com global e, claro, joga para a galera.

Sem falar que ignora o relatório que a comunidade científica do seu próprio país preparou e cujas conclusões são para lá de enfáticas. Isso, vindo do presidente dos EUA, num ano em que o seu país e vários outros foram atingidos por extremos que tendem a se agravar com as mudanças climáticas, não é pouca coisa. Não disse que era de deixar perplexo(a)? Mas da mesma maneira que os cientistas daqui não deixaram de responder à miniatura de Bolsonaro, já há várias contraposições na medida...

Para quem quiser conferir, destaco duas respostas a seguir:
Michael Mann: "Oi, Donald. Eu previ que você iria soltar um tweet idiota como esse sobre o assunto, então eu tuitei antes com você em mente".

Marshall Sheperd (com direito a link com um gráfico bem ilustrativo): "Uma resposta para as pessoas que querem usar o tempo frio para refutar a mudança climática, via Forbes".


Alexandre Araújo Costa é climatologista.

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