Correio da Cidadania

Termoelétrica em Peruíbe: “cidade pode sofrer processo de transformação social e econômica semelhante ao de Cubatão”

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A população de Peruíbe, município do litoral sul paulista, tenta barrar um megaprojeto de usina termoelétrica que pretende entrar na cidade trazendo consigo incalculáveis impactos sociais e ambientais. Mas Peruíbe não é uma cidade qualquer. A população se orgulha das suas riquezas naturais e vive basicamente do turismo. Além disso, a população ainda leva no seu currículo vitórias contra projetos nucleares e portuários no passado. Sobre isto conversamos com André Ichikawa e Pedro Delázari, do Coletivo Ativista Litoral Sustentável, grupo que estuda os impactos e se organiza junto com a população peruibense a fim de barrar a construção da termoelétrica.

“Com a instalação da usina, a cidade de Peruíbe, conhecida como a terra da eterna juventude e procurada pelos turistas por suas belezas naturais, ar puro, cachoeiras, praias exuberantes e pelas propriedades terapêuticas, dermatológicas, antialérgicas e antissépticas da lama negra, perderia a sua vocação turística e precisaria lidar, diariamente, entre outros, com a poluição da água, a precipitação de chuvas ácidas comprometendo a qualidade do ar, problemas relacionados à ausência de infraestrutura (a cidade sequer tem hospital municipal), a chegada de trabalhadores em busca de emprego sem qualquer assistência e ameaças constantes de explosões e vazamentos de óleo e outros produtos químicos”, declaram os ativistas.

Ichikawa e Delázari explicam ao longo desta conversa, com riqueza de detalhes, os impactos ambientais e sociais que o megaempreendimento deixará na cidade e como isso se contrapõe aos valores que a própria população preza. Para eles, a instalação da termoelétrica provocará um processo de “cubatanização” de Peruíbe, mudando seus paradigmas ambientais, sociais e econômicos, o que não é visto com bons olhos pelos cidadãos.

“Os moradores da região, ONGs, associações e movimentos sociais são contra o empreendimento e vêm protestando juntos contra a instalação da usina. Para eles, além do empreendimento representar um grave ataque ao ecossistema, a cidade de Peruíbe seria totalmente descaracterizada e sofreria um processo de transformação social e econômica parecido com a cidade de Cubatão. Para nós, moradores de Peruíbe, esse projeto não é tão somente um empreendimento, mas uma ameaça a nossa qualidade de vida”.

No próximo dia 28 de setembro, às 18h, haverá uma audiência pública no Peruíbe Palace (Avenida 24 de dezembro, 30, centro) a fim de discutir a questão e levar para o poder público local os interesses e demandas da população organizada acerca da termoelétrica e do projeto de cidade que desejam.

Leia abaixo a entrevista na íntegra:

Correio da Cidadania: Como vocês receberam o projeto termoelétrico “Verde Atlântico”, levando em conta o histórico de projetos (nuclear e portuário) que o município já recebeu no passado?

Coletivo Ativista Litoral Sustentável: O "Projeto Verde Atlântico Energias" apresentado pela empresa Gastrading Comercializadora de Energias S/A pretende instalar um complexo termoelétrico na cidade de Peruíbe – composto por uma usina termoelétrica com capacidade de 1.770 megawatts, um terminal offshore de gás natural liquefeito, gasodutos marítimo e terrestre, com cerca de 81,5 km, e uma linha de transmissão e cerca de 92,5 km de extensão, atravessando vários municípios.

O projeto vai contra todos os valores historicamente construídos pela cidade. Peruíbe é uma cidade que tem orgulho de ser o “Portal da Juréia”, e que se autodenomina “Terra da eterna juventude”. Além de suas praias, da qualidade do ar e de suas belezas naturais, temos aqui na região a famosa lama negra medicinal, reconhecida no meio científico pelas suas propriedades medicinais e terapêuticas, sendo que até hoje não houve por parte do poder público a devida promoção de sua potencialidade.

Atualmente a extração da lama está em fase de licenciamento junto à CETESB. Nossa cidade tem uma vocação natural para o ecoturismo, para tanto é considerada uma Estância Balneária. Essa usina subverte tais valores ao desenvolver um projeto de industrialização da região que compõe a construção de um porto offshore, uma usina termoelétrica e incineradores de lixo. Todo o projeto mudará estruturalmente a região, ameaçando todos os ecossistemas da região, além de afetar diretamente a principal fonte de renda da cidade, o turismo.

Não é a primeira vez que esses valores são ameaçados, foi assim com a usina nuclear, com o porto e o projeto de verticalização. Do mesmo modo, a cidade também apresenta um histórico de luta contra tais atrocidades. Foi através de pressão popular que a Estação Ecológica da Juréia Itatins foi criada (hoje Mosaico Juréia Itatins), houve resistência ferrenha contra o porto que seria construído pela empresa LLX, do Eike Baptista, em áreas tradicionalmente ocupadas por povos indígenas e também no ano passado a população se insurgiu contra um projeto de lei de verticalização que entregaria a cidade às mãos da especulação imobiliária. Com a termoelétrica não será diferente, Peruíbe mais uma vez resistirá.

Claro que vender um projeto de Usina Termoelétrica, a ser construída ao lado de várias unidades de conservação, não é tarefa fácil, a empresa tem que investir pesado em propaganda, em slogans como “Projeto Verde Atlântico”. Assim como os militares chamaram o golpe de 64 de “Revolução Democrática”, cada criador dá o nome que bem entende a sua cria.

Correio da Cidadania: Que impactos ambientais e sociais estão previstos caso a termoelétrica saia do papel?

Coletivo Ativista Litoral Sustentável: Os impactos serão diversos. Como em toda termoelétrica, a emissão de gases afetará diretamente a qualidade do ar e das chuvas, prejudicando automaticamente a biodiversidade e atividades econômicas como a agricultura.

Segundo o EIA/RIMA (Estudo/Relatório de Impactos Ambientais) apresentado pela empresa poluidora, será utilizada água do mar para o resfriamento das turbinas, no montante de 3.300ton/h, que depois vai ser devolvida aos oceanos sob a denominação de efluentes industriais, dessalinizada, com diversos produtos químicos e tóxicos, em temperatura de aproximadamente 3 graus acima da temperatura do mar. A emissão desses efluentes se dará por meio de um emissário submarino a 1,7km da orla da praia, fato que prejudicará brutalmente a vida marinha, a balneabilidade da praia, e por consequência atividades ancestrais como a pesca artesanal.

A linha de transmissão cortaria toda a baixada santista afetando diretamente as diversas unidades de conservação da região. Caso o empreendimento seja aprovado, a usina exigirá a supressão da vegetação de mais 40 hectares do bioma Mata Atlântica em estágio médio e avançado de regeneração, o que é uma perda material muito expressiva, visto que se trata de uma área que tem uma função ecológica para a manutenção hídrica de água doce de Peruíbe e Itariri. Impactará as Unidades de Conservação do Mosaico da Juréia, a Área de Proteção Ambiental (APA) de Cananéia-Iguape-Peruíbe, ilhas de refúgio da vida silvestre, os Parques da Serra do Mar e Xixová-Japuí, a Área de Proteção Ambiental (APA) Marinha do Litoral Centro que abriga um berçário marinho de diversas espécies, bem como territórios caiçaras e terras indígenas.

Com a instalação da usina, a cidade de Peruíbe, conhecida como a terra da eterna juventude e procurada pelos turistas por suas belezas naturais, ar puro, cachoeiras, praias exuberantes e pelas propriedades terapêuticas, dermatológicas, antialérgicas e antissépticas da lama negra, perderia a sua vocação turística e precisaria lidar, diariamente, entre outros, com a poluição da água, a precipitação de chuvas ácidas comprometendo a qualidade do ar, problemas relacionados à ausência de infraestrutura (a cidade sequer tem hospital municipal), a chegada de trabalhadores em busca de emprego sem qualquer assistência e ameaças constantes de explosões e vazamentos de óleo e outros produtos químicos.  

Será a maior usina termoelétrica desse tipo dentro de uma área urbana no Brasil. Os riscos de desastres por erro humano não são mensuráveis, uma vez que não há qualquer base de comparação.

As comunidades tradicionais deverão ser afetadas pela restrição de sua principal atividade, a pesca. O movimento de navios também acarretará enormes impactos ambientais. Temos na região a Estação Ecológica de Tupiniquins, composto por um conjunto de ilhas oceânicas como a Ilha Queimada Grande, lar da famosa jararaca ilhoa, espécie endêmica e ameaçada de extinção, e que se encontra muito próxima ao terminal offshore e do quebra mar de 900m que pretendem construir.

Além disso, o empreendimento em sua fase de instalação necessitará de mão de obra que a região não oferta, sendo necessário a alocação de pessoas de outras regiões para atender a demanda. Esse aumento brusco acarretará diversos problemas relacionados à macrocefalia urbana, problema histórico no Brasil a exemplo de Brasília, grande Natal, Guarujá, entre outras (*nota do Correio: e mais recentemente, Altamira, no Pará, com a construção de Belo Monte).

Após o término das obras, essa população formará uma gama de desempregados e a cidade não tem infraestrutura para abrigar essa população. Se olharmos para o exemplo histórico, paralelamente a esse processo, teremos o movimento da especulação imobiliária, expansão de áreas de ocupação irregular (favelização), explosão da violência etc.

É importante ressaltar que a ideia da geração de emprego é uma falácia, pois a empresa fala em gerar milhares de empregos (sem ao menos discriminar quais cargos serão gerados ou então quais os pré-requisitos necessários para se candidatar às vagas ofertadas), mas não fala dos empregos que serão perdidos ao sepultar o turismo na nossa cidade.

Para se ter uma ideia, a torre da termoelétrica teria aproximadamente 120 metros de altura, o dobro da maior edificação da cidade (Prédio “Redondo”), um exemplo de como a cidade será desconfigurada em sua essência. Milhares de turistas que visitam a cidade todo o ano pensarão duas vezes antes de voltar para um lugar que tem como cartão postal uma chaminé gigante e navios atracados como vista para o horizonte.

Por fim, a cidade perderá dinheiro, pois uma das prerrogativas para se manter como estância balneária é a não instalação de indústrias poluentes, a fim de manter a qualidade do ar. Sem a balneabilidade, Peruíbe perderá verbas fundamentais para a manutenção de serviços públicos. Sem dúvida essa usina impactará negativamente a qualidade de vida do cidadão peruibense.

Correio da Cidadania: Que tipos de interesses privados estariam por trás deste projeto? É possível dizer que há uma cooptação do poder público por parte destes interesses privados?

Coletivo Ativista Litoral Sustentável: O empreendimento tem um orçamento de aproximadamente 4 bilhões de reais e, sem dúvida nenhuma, setores muito influentes da sociedade estão com seus olhos voltados para nossa cidade. O executivo municipal simplesmente se omite sob a alegação de incorrer em ato de improbidade, o que é uma piada se levarmos em consideração que ainda vivemos sob um Estado de Direito e, pelo mesmo ter sido eleito pelo voto direto, cabe ao executivo municipal se manifestar sobre um assunto tão importante para o futuro de Peruíbe.

Posto isso, ainda em 2017 a cidade votará o seu plano diretor, que poderá viabilizar ou impedir juridicamente a implantação do projeto. Um grupo de oito vereadores se comprometeu através de uma frente parlamentar a barrar a usina. O fato é que a empresa tem investido pesado em publicidade, conta com o apoio de grandes veículos de comunicação e tem realizado reuniões com diversos setores da cidade a fim de explanar a sua propaganda. Muitas dessas reuniões são realizadas a portas fechadas com políticos e pessoas influentes na cidade.

Esse empreendimento é uma afronta ao Plano Diretor e aos interesses coletivos de Peruíbe, na medida em que ele representa um grave ataque ao capital natural da região e ao patrimônio natural da humanidade chancelado pela UNESCO, que é a Mata Atlântica, e propõe uma transformação social na cidade de tamanha dimensão que descaracterizaria um município tão carente de políticas públicas de caráter construtivo e evolutivo.

Ainda, além de desrespeitar o Plano Diretor da cidade de Peruíbe, o Estudo de Impacto Ambiental ignora as normas do Zoneamento Ecológico e Econômico do Setor Costeiro da Baixada Santista (ZEE - BS), que não autoriza a construção de uma grande estrutura portuária no território marinho da cidade.

Importa salientar que o Ministério Público Federal já instaurou inquérito civil para fiscalizar o licenciamento ambiental da termelétrica. Segundo o procurador da República Yuri Corrêa da Luz, responsável pelo caso, “os órgãos ambientais vêm conduzindo tudo de modo muito rápido, e já agendaram, para os próximos dez dias, audiências públicas em várias cidades da região, com o fim de dar à população a chance de debater o empreendimento. Contudo, o tempo disponibilizado para que a sociedade civil e os próprios órgãos de fiscalização se informem a respeito de algo tão grande e com impactos potenciais tão variados como este empreendimento foi, de fato, muito pouco”.

Correio da Cidadania: Como a luta contra o projeto termoelétrico dialoga com o atual momento nacional em que governos federal e estadual buscam liberalizar a legislação ambiental?

Coletivo Ativista Litoral Sustentável: Nós somos uma fração de uma luta que se tornou nacional e se dá por várias frentes. Não resta dúvida de que o empresariado quer sua fatia do golpe. Mas regionalmente até a bipolarização política foi deixada de lado em prol da luta contra a termoelétrica. Foi encaminhado à Assembleia Estadual um projeto de lei que proíbe a instalação de indústrias poluentes a 20 km de unidades de conservação do bioma mata atlântica. Por mais conturbado que seja o cenário, acho que podemos colher bons frutos a partir dessa luta. Foi assim com a Nucleobrás e com a criação da Estação Ecológica da Juréia.

Correio da Cidadania: Pudemos ver que a questão do projeto “Verde Atlântico” tem mobilizado bastante a população local. Sobre isto, quais as demandas da comunidade, a importância deste engajamento mais amplo?

Coletivo Ativista Litoral Sustentável: Realmente essa mobilização foi de várias formas, comovente. O assunto explodiu no início do ano e a partir de então, de maneira bastante ativista, várias pessoas começaram a se engajar na luta contra a usina. Já foram realizadas manifestações, intervenções culturais, ocupamos a audiência pública em Peruíbe e tudo sem uma coordenação central. Alguns grupos foram criados, como o CALS (Coletivo Ativista Litoral Sustentável) e a Frente Contra a Termoelétrica.

Temos uma participação gigantesca dos estudantes, principalmente os secundaristas, que conseguiram protagonizar momentos fundamentais na nossa luta. Contudo podemos afirmar que o movimento, acima de tudo, tem a sua força no ativismo, na ampla indignação contra essa monstruosidade e no amor das pessoas pela cidade.

Os moradores da região, ONGs, associações e movimentos sociais são contra o empreendimento e vêm protestando juntos contra a instalação da usina. Para eles, além do empreendimento representar um grave ataque ao ecossistema, a cidade de Peruíbe seria totalmente descaracterizada e sofreria um processo de transformação social e econômica parecido com a cidade de Cubatão.

Para nós, moradores de Peruíbe, esse projeto não é tão somente um “empreendimento”, mas uma ameaça a nossa qualidade de vida.

Correio da Cidadania: Quais são as expectativas para a Audiência Pública que ocorrerá no próximo dia 28 e quais as perspectivas reais de barrar o projeto?

Coletivo Ativista Litoral Sustentável: Esperamos que mais uma vez fique claro que a cidade em sua ampla maioria não aceita o projeto, e pretendemos fazer isso através de amplo debate e deixando claro, através de argumentos, o porquê de tal empreendimento ser nocivo para a cidade e que apenas meia dúzia de “investidores” serão beneficiados.

Correio da Cidadania: Para finalizar, vocês têm algum debate sobre alternativas energéticas, inclusive para além da questão local?

Coletivo Ativista Litoral Sustentável: Sim, e a principal conclusão é que as termoelétricas são tecnologias ultrapassadas (por mais que a propaganda da empresa diga que é o que existe de mais moderno). Principalmente, quando levamos em consideração as condições naturais do nosso país. Investir em fontes renováveis de energia é uma tendência em países desenvolvidos, mesmo em lugares com condições geográficas limitadas como Japão e Reino Unido. No Brasil podemos perfeitamente investir em energia eólica, solar e até mesmo em hidroelétricas que feitas de maneira correta (fato que infelizmente não é o caso do Brasil), podem fornecer energia a preço competitivo e não sejam tão agressivas ao meio ambiente como as termoelétricas.


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Raphael Sanz é jornalista e editor-adjunto do Correio da Cidadania.

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