Correio da Cidadania

Guerras extrativistas na bacia do rio Tapajós: “nem o canto dos passarinhos estamos ouvindo”

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O mundo ficou perplexo quando em agosto de 2015 o Estado Islâmico destruiu o templo de Baalshamin, em Palmira, cidade histórica da Síria ocupada pelo grupo. O templo, por seu valor histórico, arqueológico e cultural é um patrimônio da humanidade e marco de nossa memória enquanto espécie. Mas assim como o templo sírio tinha essa importância quase transcendental, a cachoeira Sete Quedas, na divisa entre Pará e Mato Grosso, também o era para os povos Munduruku, Kayabi e Apiacá.

 

Para estes povos, o mundo começou onde um dia esteve a cachoeira. É para lá, também, onde iam os mortos. O local foi dinamitado em 2012 para a construção da barragem Teles Pires, situada no rio de mesmo nome, que desagua no Tapajós, fazendo parte de sua bacia. Percorre o canto direito do “bico” que delimita, nos mapas, um pedaço da fronteira entre Mato Grosso e Pará.

 

Uma destruição desta magnitude, de algo que além de patrimônio da humanidade ainda é uma bacia hidrográfica responsável por um complexo e gigante ecossistema, incluindo diferentes sociedades humanas, chocou pouca gente. Foi completamente ignorado pelos meios de comunicação. Talvez pela destruição ter sido feita em nome de um certo progresso e de “interesses nacionais”, representados por um modelo de desenvolvimento econômico baseado no extrativismo e na exportação de commodities. É sobre isso que se trata o documentário Tecendo a Resistência (1), dirigido por Nayana Fernandez.

 

Junto com uma equipe internacional, Nayana percorreu a região e esteve ao lado de diversos povos indígenas e tradicionais, em especial os Munduruku, para pesquisar o impacto desta e de outras megaobras previstas para a região.

 

Logo nos primeiros minutos do filme, o arqueólogo Raoni Valle explica que a região tem indícios de 11200 anos de ocupação humana. No início, eram pequenos grupos seminômades que foram se desenvolvendo e se tornaram o que hoje são, entre outros, os Munduruku.

 

A presença humana é tão antiga na bacia do Tapajós que sua ação ao longo do tempo chegou a produzir um tipo de solo, menos ácido e mais fértil, conhecido como “terra preta amazônica”. São áreas com essas características no solo que os caciques Munduruku escolhem para levantar as aldeias. Também são essas áreas que constantemente estão ameaçadas pelos grandes projetos hidrelétricos e avanço do agronegócio e da mineração.

 

“A história desses povos não é escrita, mas contada a partir de lugares como o rio Tapajós e, se destroem o rio, destroem a referência de memória destes povos. A barragem Teles Pires foi construída ao longo da cachoeira Sete Quedas, sagrada para os Munduruku, Kayabi e Apiacá porque para eles esse é o lugar onde o mundo começou. (Para um ocidental) é como se dinamitassem Jerusalém ou o Vaticano”, explica Bruna Rocha, arqueóloga da Universidade Federal do Oeste do Pará.

 

Ana Barbosa, do movimento Xingu Vivo, qualifica a barragem, na sequência do documentário, como “um projeto de morte que vai acabar com a vida, a cultura e toda a geração Munduruku. Vai dizimá-los”, resumiu.

 

Em declaração recente a Nayana Fernandez e a este jornalista, Ivanilda Karu Munduruku afirmou, referindo-se à cachoeira de Sete Quedas, no rio Teles Pires, que “nesse lugar viviam as coisas sagradas, os espíritos que protegiam a floresta. Os antigos eram enterrados lá e já havia uma lenda de que quando acontecesse algo ruim lá, nossos povos enfrentariam problemas nunca vistos antes. É o que está acontecendo”, contou, afirmando e confirmando a profecia.

 

Além da barragem Teles Pires, o Complexo Hidrelétrico da Bacia do Tapajós – como é chamado o megaprojeto – ainda previa outras cinco barragens no rio Tapajós. Mas em 19 de abril último, o Ibama suspendeu o licenciamento ambiental da usina São Luiz do Tapajós devido a um parecer da Funai, que apontou o empreendimento como “inviável sob a ótica do componente indígena”.

 

Ou seja, no curso do rio Tapajós não houve barragem, mas no Teles Pires. Como explicado por Nayana Fernandez, a barragem que foi construída no rio Teles Pires está inserida no mesmo ecossistema do Tapajós. Isso não significa que não houve impactos na região do Tapajós, pelo contrário, além de estarem sendo repetidas ações como as contra a aldeia Teles Pires (Munduruku) que abriram caminho para a usina de mesmo nome.

 

“Houve o assassinato do Adenílson Krixi Munduruku e de outras lideranças no Teles Pires antes da construção da barragem por lá (2). A obra em si já deixou toda a região – não apenas os Munduruku – arrepiada em um nível de tensão que não é comum a eles, já que sempre viveram às margens do Estado, que então chegou lá de forma extremamente agressiva”, afirma Nayana Fernandez.

 

Ela explica que há um processo de transformação ecológico e social dessas regiões e, no final das contas, os maiores beneficiados serão praticamente os de praxe: grandes empresários de agronegócio, mineração e infraestrutura, “assim como com a chegada do plano IIRSA na região”, frisou.

 

Mas ao passo que a crise política evoluiu para o impeachment e a econômica se agravou, vimos um processo de cancelamento da usina de São Luiz do Tapajós, o que dá um respiro para muitas aldeias, etnias e povos da região. Ao mesmo tempo, os deixa em alerta, pois estão cientes de que existem fortes interesses ali e uma canetada do Ibama não resolverá o conflito.

 

Violência, guerra e grandes interesses

 

Rosenilda Bõrã é uma guerreira Munduruku. Em entrevista ao documentário supracitado, ela fala sobre o aumento da presença do Estado Brasileiro nos territórios indígenas e de como viu seu tio, Adenílson Krixi Munduruku, ser assassinado a tiros, em 2012, pela Polícia Federal – durante operação que em teoria deveria reprimir o garimpo ilegal de ouro. “Cada dia avançam mais. Vemos cada vez mais o exército e a Força Nacional rodeando nossas aldeias. Chegaram na minha aldeia arrombando as portas. O Adenílson tentou defender as mulheres, as crianças e o cacique, então atiraram nele”, contou.

 

Correspondentes do Latin American Bureau descreveram o ocorrido em artigo intitulado Dia de terror no Mato Grosso (3): “A campanha do governo brasileiro contra a mineração ilegal de ouro na região pode ser um pretexto para enviar uma dura advertência aos Munduruku. No dia 7 de novembro (de 2012), em uma demonstração de força brutal que lembra a ditadura militar, Polícia Federal e Força Nacional de Segurança desceram com força total em cima da aldeia Teles Pires, no norte do estado de Mato Grosso. A operação envolveu um helicóptero e dezenas de homens, armados com metralhadoras e fuzis, vestindo coletes à prova de bala. Até o final do dia, várias pessoas ficaram feridas e um homem - Adenílson Munduruku - foi morto. A polícia negou a morte, mas testemunhas dizem que uma bomba explodiu na cena do crime para encobrir evidências. O corpo de Adenílson flutuou à superfície do rio no dia seguinte”.

 

Fazendo uma breve pesquisa na internet sobre a definição de guerra, encontramos a seguinte, dada pelo google: “luta armada entre nações, ou entre partidos de uma mesma nacionalidade ou de etnias diferentes, com o fim de impor supremacia ou salvaguardar interesses materiais ou ideológicos”.

 

Pois bem, o que acontece então nas terras indígenas da bacia do Tapajós, senão uma guerra? Um conflito armado (afinal, Adenilson Krixi Munduruku foi morto a tiros pelo Estado), que impõe a supremacia de um Estado sobre determinadas etnias, em busca de supostos interesses de desenvolvimento nacional, mas que, de fato, busca salvaguardar interesses econômicos representados pelos setores que empregam a construção das barragens e os que irão se beneficiar dele, como a mineração e o agronegócio.

 

A guerra extrativista do Tapajós e o avanço da mineração e do agronegócio na Amazônia brasileira

 

A ação do Estado que tirou a vida de Adenílson fez parte da “Operação Eldorado” - uma campanha contra garimpos ilegais de ouro ao longo do Tapajós e seus afluentes. Segundo o artigo do Latin American Bureau, assinado por Bruna Rocha, Raoni Valle e Claide Moraes, “a bacia do Tapajós é atualmente a região do Brasil com maior mineração de ouro, mais da metade dos 110.000 garimpeiros da região amazônica trabalham lá. O garimpo ilegal é tão difundido na região que parece estranho que a aldeia indígena fosse ser o alvo da operação, já que seu funcionamento é relativamente pequeno. Pode haver alguma outra razão?”, questiona o artigo. Os autores colocam, como uma possível resposta, que a Aldeia Teles Pires está “na vanguarda da resistência contra a construção de hidrelétricas - sete das quais são planejadas para a bacia do Tapajós”, e que por essa razão a aldeia fora atacada.

 

Para Nayana Fernandez, diretora do documentário, há fortes indícios de que o avanço do agronegócio, especialmente o sojeiro, seja um dos pivôs dos interesses econômicos que movem esta guerra. Um dos principais indícios disto seria o fato de que muitas queimadas ocorreram na região – só em janeiro de 2016 foram identificados 18 mil focos de incêndio – para “abrir caminho pra a entrada da soja”, segundo Nayana.

 

O Programa Bandeirantes em Chamas, de 25 de abril deste ano (4), veiculado na Rádio Cidadã FM (rádio comunitária da região do Butantã, em São Paulo) discutiu a questão à luz da então recente cassação da licença ambiental da barragem de São Luiz do Tapajós e falou ao telefone com Luana Kumaruara, mulher indígena que vive na Aldeia Solimões, também à beira do Tapajós.

 

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“Gostaria de falar sobre as queimadas aqui na região e o que temos presenciado e vivenciado. Passei três dias no meu território apagando fogo. Assim como ouvimos de outros parentes (“parente” é todo aquele que também é indígena, mesmo de outras aldeias e etnias) dizendo que tentaram apagar o fogo até desistirem, pois viam que não iriam fazer milagres. O fogo queimou nossas roçadas e agora estamos sem nosso sustento. Não vamos ter como colher nossa mandioca, nem fazer nossa farinha, nem nossa tapioca, ou tacacá. Tudo está escasso e não temos como comprar fora da aldeia. Já estava difícil antes, e ainda mais agora que não dá para extrair nada da natureza. Até as caças estão escassas. Encontramos bichos mortos queimados mata adentro, nem o canto dos passarinhos estamos mais ouvindo. Nunca tinha presenciado isso, me choca, mexe muito comigo e me preocupa. É um descaso do governo, não vimos a defesa civil, o Ibama e nem corpo de bombeiros tomando posição sobre essas queimadas. Nem sequer uma propaganda na televisão para pararem de queimar eles fizeram”, desabafou Luana Kumaruara.

 

No mesmo programa, falou Diego Arapiun, da aldeia Braço Grande e membro do Conselho Indígena Tapajós-Arapiun, que representa 13 povos distribuídos em três municípios. Ele relata uma série de fatores para explicar o que acontece. “Estamos em uma região de conflito. Há portos enormes a serem construídos em nossas terras, próximos a Santarém, e na nossa região também há várias unidades de conservação. Nelas, temos vários povos indígenas. Não há gestão compartilhada. Quem controla essas áreas tenta controlar seus recursos impedindo os indígenas e ribeirinhos de viverem lá dentro, por meio das suas culturas. Temos brigado muito mais com o Estado do que com madeireiros e sojeiros, porque é o Estado que autoriza a ação desses grupos sem consultar as populações que aqui vivem. Isso mexe com o modo de vida da nossa população. No planalto de Santarém onde vivemos os Arapiun, e também os Munduruku, temos encontrado muitos problemas em demarcar nossas terras, houve até um juiz que negou a existência de dois povos”, denunciou Diego Arapiun, a respeito dos conflitos que acontecem ao norte do Tapajós.

 

“Com o investimento que se coloca nessas grandes obras – tanto as do Tapajós, como em Belo Monte (PA), Rio Madeira (RO) e outras hidrelétricas planejadas pra Amazônia brasileira – se esse investimento fosse empregado para as pequenas e médias hidrelétricas que já existem, ampliaria o potencial energético do Brasil e talvez não fosse nem necessária a construção dessas obras faraônicas, pois não teria necessidade. Mas existem mapas de subsolo onde já estão colocados até mesmo o nome das mineradoras – majoritariamente canadenses e sul africanas – que têm seus locais destinados para a exploração do subsolo brasileiro nessa região”, avaliam e denunciam os membros do ComTapajós (5) – Comitê Paulista de Solidariedade à luta dos povos do Tapajós – grupo que estuda a questão.

 

Os militantes do ComTapajós explicam que a bacia do rio Tapajós é rica em minérios e nunca foi explorada oficialmente, sendo por isso um objetivo perseguido pelas grandes mineradoras. “Sabemos que a mineradoras são eletrointensivas, ou seja, demandam muita energia elétrica. Ninguém é ingênuo de pensar que essa energia abasteceria de fato a população brasileira, mesmo porque as outras regiões já têm suas histórias de outras hidrelétricas, cujas narrativas conhecemos e não são nada tranquilizadoras. Pelo contrário, só trazem atropelo e destruição ambiental, que no final não muda nada o panorama energético nacional” – e por falar em grandes mineradoras, é sempre bom lembrar que completamos um ano da tragédia de Mariana-MG na última sexta-feira, 5 de novembro.

 

O Comitê conclui dizendo que o principal interesse dessa energia está vinculado às mineradoras. “Pensemos que a energia fosse ser consumida pela população. Assim, teriam de transportar essa energia para o Sudeste. O processo faria perder uma quantidade enorme de energia na operação de transporte para outras regiões. É fato consumado que isso vai para a mineração. Na região, todos os estudiosos de tais áreas que estão acompanhando o caso o afirmam com muita confiança”.

 

Falência neodesenvolvimentista e alternativas

 

“Esse Complexo Hidrelétrico é um conjunto de cinco grandes hidrelétricas previstas para a bacia do rio Tapajós (rios Tapajós e Jamanxin). É a mais nova frente hidrelétrica do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) na Amazônia que se liga ao Plano IIRSA (6) (Iniciativa Interregional Sul-americana), que consiste na integração econômica da América do Sul, do Atlântico ao Pacífico com rodovias, hidrovias, ferrovias, eletricidade e telecomunicações para benefícios dos grandes grupos econômicos”, afirmou a ONG Terra de Direitos em 2014 (7).

 

O plano IIRSA foi formulado no ano 2000 por uma cúpula dos então presidentes sul-americanos. Busca em linhas gerais a interconexão do continente com portos, estradas, pontes, túneis, usinas e assim por diante. O grande objetivo é facilitar o desenvolvimento dos rincões do continente e em seu eixo Peru-Bolívia-Brasil se encontra a bacia do Tapajós. Apenas esqueceu-se de consultar as populações locais.

 

Resumo: há um plano de desenvolvimento para a região que busca construir portos, usinas hidrelétricas e estradas. A população local afirma que não precisa de tal infraestrutura para seguir a vida, afinal, já vive de acordo com suas tradições. São esses povos os maiores prejudicados pelos empreendimentos e pela violência empregada para que se concretizem. Logo, os principais beneficiários dessas obras de infraestrutura são o segundo grupo que tem interesse na região e estaria vinculado aos grandes grupos econômicos, especialmente agronegócio e mineração. Produtores de commodities têm carregado a economia do Brasil nas costas dentro do modelo de desenvolvimento econômico empregado já faz um bom tempo, especialmente durante os últimos 15 anos, quando tivemos um período de governos petistas no país.

 

“É uma frustração e uma tristeza para muitos movimentos de base. Gente que a vida inteira nessas regiões se mobilizou – ribeirinhos e pessoas dos centros urbanos no caso, pois os indígenas têm sua forma própria de se organizar – e sempre tiveram uma proximidade muito grande com movimentos que se aliavam ou ainda se aliam ao PT e ao que era seu governo. O progressismo que quando chegou ao poder deixou essas regiões e populações na mão. Os governos Lula e Dilma foram os que menos demarcações de terra indígenas fizeram, isso é tão sabido quanto chocante”, lamentou Nayana Fernandez.

 

“A partir do segundo mandato do governo Lula tivemos um retrocesso social e ambiental histórico. Grandes conquistas da Constituição de 1988 dependiam de leis que regulamentassem esses artigos. Não apenas não foram criadas e implementadas, como estamos vendo um enorme avanço dos ruralistas e do grande capital para tentar desconstituir os direitos ambientais, indígenas e comunitários garantidos”, explica o cientista social Maurício Torres para o documentário Tecendo a Resistência.

 

Também em outros países do continente há casos semelhantes, com equivalentes governos progressistas e grupos econômicos extrativistas. Em coluna publicada neste Correio (8), Eduardo Gudynas, analista do Centro Latino-Americano de Ecologia Social, descreveu situação semelhante que ocorre na Amazônia boliviana sob os narizes e com apoio do governo Evo Morales. Também o artigo intitulado Paraguai: terra de delinquentes ambientais (9) do jornalista uruguaio Raúl Zibechi, relata situação semelhante na região do Chaco, próxima da fronteira com o Brasil. Em todos os casos é possível notar que os interesses tidos menos importantes são os das comunidades, que sequer são ouvidas, e dos ambientalistas.

 

No caso boliviano uma megarrepresa está prevista para ser construída em um local de similar importância aos povos indígenas de lá, à da cachoeira Sete Quedas aqui. No Paraguai, nota-se a ação de empresários sojeiros brasileiros nas invasões de terras – e toda violência que dela decorre – destinadas pelo Estado paraguaio para a reforma agrária. Detalhe: com a anuência do próprio Estado em questão.

 

“Os progressismos governantes atualmente são regimes políticos distintos das esquerdas que lhes deram origem. Nessa diferenciação, a incapacidade de abordar a temática ambiental cumpriu alguns papeis-chaves. Assim, qualquer renovação da esquerda só é possível ao incorporar um olhar ecológico. Caso contrário, a esquerda voltará a cair em meros progressismos”, defende Eduardo Gudynas, em outro artigo publicado neste Correio (10), referindo-se a uma futura reorganização das esquerdas continentais após as crises e derrotas em variados países. Para Gudynas é impossível pensar em uma mudança social e política se o tema ambiental não aflorar. Em outras palavras, é preciso pensar um modelo de desenvolvimento que contraponha o atual extrativismo.

 

Em entrevista ao portal Enredando (11) publicada no último dia 25, Raúl Zibechi dialoga com Gudynas. Logo no título da entrevista: “a única alternativa ao extrativismo é criar algo novo”. Ele defende que o modelo extrativista está presente não apenas no âmbito da economia, mas também na sociedade e na política como um todo, a partir do que denomina como “recolonização das sociedades e vulnerabilização dos setores populares”.

 

“O panorama hoje é uma crescente violência e militarização das sociedades e situações nas quais a vulnerabilidade dos jovens é cada vez maior”, afirmou Zibechi. E ao passo em que cresce o discurso de que este é um problema da ofensiva conservadora no continente, Zibechi questiona: “voltemos a dezembro de 2015 (quando Cristina Kirchner ainda presidia a Argentina), ou antes de cair a Dilma, o que tinham de alternativa? (...) Tenho uma posição sobre isso e entendo que não é a mais aceita no mundo, mas me parece que esse modelo é sistêmico, assim como outros. O narcotráfico é sistêmico, assim como os feminicídios e outras enormes mazelas. Portanto, se voltarmos aos governos anteriores, pode ser que sejam mais leves ou menos repressivos, mas boa parte do que acontece hoje já acontecia na época dos governos que tínhamos em dezembro de 2015”. Zibechi se referia neste caso à poluição do rio Paraná, na Argentina, mas como um estudioso continental expôs suas ideias de forma universal, aplicando-as a outras realidades.

 

Para ele não há alternativa ao extrativismo. É preciso criar algo novo. A respeito desse modelo extrativista e da forma como afeta diretamente no modo de vida dos povos indígenas, Nayana Fernandez levantou um ponto interessante: a “proletarização”.

 

“Vemos que mesmo a lógica de avanço e desenvolvimento é muito baseada na destruição do meio ambiente e dessas culturas. É uma base de desenvolvimento que segue a mesma lógica de toda a história do capitalismo, de se desenvolver a partir da destruição da natureza. E em um país como o Brasil que têm uma gama enorme de povos indígenas, ribeirinhos e seringueiros, além de quilombolas, garimpeiros tradicionais, caiçaras e outros – que vivem de maneira sustentável e infinitamente mais próxima da natureza – vemos essas populações tendo uma pressão do governo para se proletarizarem”, afirmou Nayana Fernandez. Em outras palavras, o que temos é um modelo de desenvolvimento que nega aos povos tradicionais sua condição e cultura, quer dizer, uma “forçação” de barra para o indígena abandonar a aldeia e receber um salário nas cidades. Qual sentido isso faria para ele? Alguém o perguntou?”

 

Por outro lado, aponta o ComTapajós, o interessante é que nota-se um crescimento muito grande na força de articulação dos povos indígenas de todo o Brasil. “É uma urgência que transforma a organização para luta contra um processo de industrialização e proletarização forçoso”.

 

“O processo de resistência dos povos da região do Tapajós é constante. Continuará com ou sem barragem. Recentemente houve mais uma luta muito forte dos povos do baixo Tapajós e o Poró Borari, um líder indígena Borari, foi preso de maneira totalmente ilegal (12), sem nenhum tipo de argumento válido, por terem uma feito ocupação pacífica da sede da SESAI (Secretaria de Saúde Indígena) do município de Santarém.

 

No último dia 24 de outubro, os Munduruku fizeram uma mobilização no km 30 da Transamazônica, que desce de Santarém para Itaituba. Pararam a balsa e a rodovia contra a PEC 241 (atual PEC55) e também pela insatisfação com o desmonte da saúde indígena que agora vem com a portaria 1907”, explicaram os militantes do ComTapajós.

 

Esta mobilização se juntou a uma grande mobilização indígena nacional, que contou com mais de 11 mil pessoas e que, com sucesso, conseguiu a revogação da portaria 1907 (13). “Os povos indígenas estão sempre se mobilizando e são muito inspiradores nesse sentido”, afirmou Nayana Fernandez.

 

 

Anexos:

 

 

(1) Documentário “Tecendo a Resistência”, de Nayana Fernandez. Assista ao documentário e saiba mais informações técnicas.

 

 

(2) Cartografia de ataques contra indígenas

 

 

(3) Dia de Terror no Mato Grosso

 

 

(4) Programa Bandeirantes em Chamas, 25 de abril de 2016

 

 

(5) Comitê Paulista de Solidariedade à Luta pelo Tapajós – ComTapajós

 

 

(6) IIRSA: é essa integração que queremos? e IIRSA: a infraestrutura da devastação

 

 

(7) Megaprojetos do Tapajós: ilusões por trás da promessa de desenvolvimento

 

 

(8) Bolívia: megarrepresa na Amazônia e os testemunhos de uma anunciada e futura morte

 

 

(9) Paraguai: a terra dos delinquentes ambientais

 

 

(10) Uma esquerda latino-americana sem ecologia cairá de novo na crise dos progressismos

 

(11) Raúl Zibechi: “A única alternativa ao extrativismo é criar algo novo”

 

(12) Poró Borari é preso arbitrariamente pela PF em ato pacífico pela defesa da Saúde dos indígenas do Baixo Tapajós

 

 

 

(13) Com 11 mil indígenas ocupando rodovias e DSEI´s, ministro da Saúde revoga portarias e autonomia da Sesai é retomada

 

 

 

 

 

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Raphael Sanz é jornalista do Correio da Cidadania

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