Propina nuclear

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Heitor Scalambrini Costa
18/08/2015

 

 

No inquérito sobre corrupção na Petrobrás (denominado Operação Lava Jato), surgiram suspeitas de fraudes sobre negócios do grupo Eletrobrás, composto de 15 empresas estatais responsáveis por mais de um terço da energia consumida no país, com patrimônio superior a R$ 60 bilhões.

 

Todo esse conjunto de empresas está sob investigação por iniciativas coordenadas entre o Ministério público (MP), Tribunal de Contas da União (TCU) e Polícia Federal (PF). Além de suas contas estarem sendo auditadas pela Hogan Lovells, escritório de advocacia norte-americano contratado pela Eletrobrás.

 

As suspeitas sobre negócios escusos foram reforçadas em depoimentos de executivos de empreiteiras, de ex-diretores da Petrobras e de agentes de distribuição de propinas. Foi nessa rede que caiu o diretor presidente da Eletronuclear, uma das menores subsidiárias do grupo Eletrobrás, o almirante da marinha brasileira Othon Luiz Pinheiro da Silva.

 

Nesta investigação envolvendo propinas na construção de Angra 3 também estão sob investigação acusados de receber subornos, o ex-ministro das Minas e Energia Edson Lobão, o ministro do TCU Raimundo Carreiro e o advogado Tiago Cedraz, filho do presidente do TCU.

 

O almirante Othon ficou conhecido por liderar, no auge da ditadura militar, a equipe que desenvolveu o Programa Nuclear Paralelo (entre 1979 e 1994), iniciativa militar no âmbito da antiga Coordenadoria de Projetos Especiais da Marinha, em que foram gastos, segundo revelado pelo próprio almirante, US$ 667,9 milhões. O objetivo era bélico com o desenvolvimento de tecnologia em enriquecimento de urânio, para assim produzir artefatos nucleares. Tudo à margem do projeto de construção das usinas nucleares.

 

No início do primeiro governo Lula, o almirante foi convidado a ser conselheiro presidencial e, em 2005, assumiu a presidência da Eletronuclear. Em 2009, se deu a retomada da construção de Angra 3, parada há 23 anos.

 

O ex-todo-poderoso Othon, agora encarcerado, é acusado de receber R$ 9,8 milhões de propina de empreiteiras contratadas para o projeto da terceira usina nuclear em Angra dos Reis (RJ), entre 2009 e 2014. Este dinheiro, segundo a investigação, saiu dos cofres de empreiteiras com obras em Angra 3 (Andrade Gutierrez, Engevix, Camargo Corrêa...), passou pelo caixa da Link Projetos e Participações e chegou na empresa familiar da qual o almirante era sócio, a Aratec Engenharia Consultoria & Representações. O “modus operandi” destas transações criminosas é semelhante ao ocorrido na Petrobrás, utilizando empresas de fachada para repasses de propinas.

 

Inicialmente detido em regime de prisão temporária, depois convertida em preventiva, na prática o ex-presidente da Eletronuclear (em 6 de agosto a Eletrobrás anunciou seu pedido de demissão) não tem prazo para ser solto. O juiz justificou sua decisão ao escrever no despacho que “são robustas as provas do pagamento de propina a Othon Luiz em decorrência do cargo exercido na Eletronuclear e mediante a simulação de contratos de consultoria fraudulentos”.

 

Este episódio envolvendo o executivo principal da Eletronuclear é gravíssimo e suficiente para a interrupção das atividades nucleares no país, em particular a construção de Angra 3, com o congelamento de novas instalações. Espera-se que todas as denúncias sejam investigadas e apuradas as responsabilidades.

 

Não se pode mais ignorar as objeções técnicas ao projeto de Angra 3, assim como as denúncias com relação à obsolescência dos equipamentos tecnologicamente defasados, que não atendem aos requisitos internacionais de segurança, comprometendo o seu funcionamento e aumentando o risco de um desastre nuclear. Assim, nem as seguradoras querem ter Angra 3 como cliente.

 

Há também os altos custos na construção da usina, estimados para mais de R$ 18 bilhões depois de pronta, de encontro ao próprio discurso oficial de oferecer energia elétrica a tarifas módicas ao consumidor final.

 

É inaceitável que a decisão de construir centrais nucleares no país tenha sido feita em um mero balcão de negócio, sem a necessária salvaguarda da vida das pessoas.

 

 

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Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco.

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