Sob a vigilância atenta da NSA e do FBI

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Amy Goodman
03/08/2013

 

 

Estamos a poucas semanas do quinquagésimo aniversário da Marcha Sobre Washington pelo Trabalho e a Liberdade, de 1963, data em que se comemora a passeata histórica na qual Martin Luther King Jr. pronunciou o famoso discurso intitulado de ‘Eu Tenho um Sonho’ (I have a dream). Enquanto essa data se aproxima, é importante recordar até que ponto King estava na mira do aparelho de espionagem interno do governo. A operação do FBI contra ele constitui um dos episódios mais vergonhosos da longa história de perseguição a dissidentes do governo dos Estados Unidos.

 

Cinquenta anos depois daquela marcha, Edward Snowden decidiu correr um grande risco ao expor o alcance mundial dos programas de espionagem do presidente Barack Obama. As revelações seguem provocando indignação e críticas aos Estados Unidos em quase todos os lugares do mundo.

 

Em um memorando classificado do FBI, emitido em 4 de janeiro de 1956 – pouco mais de um mês depois que Rosa Parks foi presa por negar-se a ceder seu acento no ônibus a um passageiro branco – o escritório do FBI de Mobile, Alabama, afirmou que um agente “havia sido designado para averiguar tudo o que pudesse sobre o Reverendo Martin Luther King, ministro de cor de Montgomery e líder dos boicotes aos ônibus, para revelar toda a informação negativa que fosse possível a respeito de King”.

 

Naquele momento, o FBI era dirigido pelo seu diretor fundador, J. Edgar Hoover, que fazia uso dos vastos recursos que controlava contra todo aquele que considerava crítico dos Estados Unidos. A operação clandestina de espionagem, infiltração e deterioração de amplo alcance que levou a cabo Hoover recebeu o nome de “COINTELPRO”, sigla que provém do termo “programa de contra-inteligência”.

 

As atividades do programa COINTELPRO do FBI, assim como operações ilegais realizadas por agências como a CIA, foram investigadas com profundidade em 1975 pelo Comitê Church, presidido pelo senador democrata de Idaho, Frank Church. O comitê informou que o FBI “levou a cabo sofisticadas operações de vigilância com o objetivo de impedir de maneira direta o exercício dos direitos de liberdade de expressão e associação estabelecidos pela primeira emenda da Constituição”. Entre as mal intencionadas atividades do COINTELPRO, houve a tentativa do FBI de amedrontar Martin Luther King Jr, com a ameaça de expor publicamente um romance extraconjugal em que o reverendo se envolveu, tentativa que incluiu a sugestão do FBI para King de que ele evitasse a vergonha pública tirando a própria vida.

 

Depois do informe do Comitê Church, o Congresso Americano impôs severas limitações ao FBI e a outros organismos de inteligência, aos quais foram restringidas espionagens de nível nacional. Entre essas mudanças, figura a aprovação da Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira (FISA, sigla em inglês). A Lei FISA obrigou o FBI e outras estruturas do governo a recorrerem a um tribunal secreto, o Tribunal de Vigilância de Inteligência Estrangeira, para intervirem em linhas telefônicas dentro do território nacional.

 

Isso após acontecerem os ataques de 11 de setembro de 2001 e a aprovação da Lei Patriota, que outorgou amplos poderes de espionagem às agências de inteligência, entre elas o FBI. O artigo 215 desta lei foi muito criticado, em primeiro lugar, por permitir ao FBI obter registros dos livros que as pessoas emprestavam nas bibliotecas. Porém, atualmente, depois de mais de 10 anos da aprovação da lei e graças à informação filtrada por Snowden, podemos observar que o governo utilizou a Lei Patriota para operações de intervenção de todas as comunicações eletrônicas, entre elas os “metadados” telefônicos que podem ser analisados de forma que revelem dados íntimos de nossas vidas. Sem dúvidas, estamos diante da legalização de um sistema de vigilância total verdadeiramente orwelliano.

 

No que foi considerada prova de fogo para a possibilidade de reduzir os programas de espionagem interna do governo Obama, uma coalizão bipartidária de republicanos libertários e democratas progressistas apresentou proposta de emenda ao mais recente projeto de lei de autorização de defesa. Justin Amash, republicano, e John Conyers, democrata, ambos de Michigan, impulsionaram conjuntamente a emenda, que havia impedido que a NSA obtivesse financiamento para recompilar os registros telefônicos e dados de pessoas que não estão sob investigação.

 

A Casa Branca levou a sério a possibilidade de que sua faculdade de espiar pudesse ser limitada pelo Congresso. Na véspera do debate sobre a emenda Amash/Conyers, o diretor geral da NSA, Keith B. Alexander, o diretor nacional de inteligência, James Clapper, e membros da linha dura dos comitês de inteligência do Congresso exerceram pressão sobre membros da Câmara de Representantes.

 

Finalmente, a emenda foi derrotada por uma estreita margem. Um projeto de lei que, de maneira similar à emenda Amash/Conyers, deixaria sem efeito o programa da NSA, se encontra atualmente em tratamento nas comissões.

 

Graças a Edward Snowden e aos jornalistas que redigem notícias baseadas nas suas denúncias, sabemos hoje que o governo Obama coleta grandes quantidades de informações nossas. Martin Luther King jr foi um dissidente, um líder social e crítico das guerras dos Estados Unidos, além da pobreza e do racismo do seu próprio país. Foi espionado e sua missão prejudicada pelo governo federal.

 

O quinquagésimo aniversário da Marcha Sobre Washington será no próximo dia 28 de agosto. Profundamente chocado com a repressão da dissidência que se realiza sob a administração Obama, o acadêmico Cornel West, professor de Filosofia e Estudos da Religião em Nova York, pergunta: "Você sabe que haverá uma marcha em agosto, ou não? Ironicamente, o irmão Martin (Luther King) não é convidado para a marcha em sua honra, porque falaria dos drones teledirigidos, falaria dos criminosos que mandam em Wall Street, falaria da classe trabalhadora sendo marginalizada enquanto os lucros da classe dirigente vão parar nos bolsos dos executivos das grandes empresas. Falaria do legado da supremacia branca. Por acaso, você acha que os que vão nessa marcha falarão dos drones? Ou do presidente teledirigido? Pensa que os que vão na marcha falarão dos vínculos com Wall Street? Nos permitam dizer a verdade, sair do presépio montado por Obama e dizer: ‘Sabem o quê?’ Nós enfrentamos a delinquência lá de cima e também a daqui de baixo. Basta de hipocrisia! Deixemos descoberta a desonestidade e sejamos leais ao legado do irmão King”.

 

Amy Goodman é editora do Democracy Now!, um noticiário que é emitido diariamente em mais de 750 emissoras de radio e televisão em inglês e em mais de 400 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra os sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos,” editado pelo Le Monde Diplomatique Cone Sul e traduzido para o português.


Tradução: Raphael Sanz, para o Correio da Cidadania.

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