Grécia: "Não é gente que goste de combater"

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Mário Maestri, de Milão, Itália
04/02/2012

 

Por motivos sobretudo de prestígio, Benito Mussolini empreendeu a invasão da Grécia, em 28 de outubro de 1940, após ver rejeitada sua exigência de ocupação de territórios helênicos pelos italianos durante o período de guerra. Paradoxalmente, na chefia da Grécia encontrava-se ditador fascista que impusera aos gregos a saudação romana. Ao discutir a invasão, o futuro comandante da operação malograda respondeu à pergunta de Mussolini sobre o moral do soldado grego: “Non è gente che sia contenta di battersi”.

 

Mal preparadas e sem motivação, as tropas italianas enfrentaram-se com a enorme galhardia helênica na defesa de sua nação, sendo escorraçadas até o interior da Albânia, de onde haviam chegado. A Grécia seria submetida apenas com a intervenção maciça da Wehrmacht, em janeiro de 1941. Até a Libertação, os nazifascistas foram duramente combatidos por guerrilha grega, sobretudo comunista. A aventura italiana na Grécia permitiu a primeira vitória aos Aliados na II Guerra e pesou sobre a invasão da URSS pelas tropas hitleristas.

 

Sete décadas mais tarde, desta vez é o governo alemão que apresentou, na segunda-feira, 30 de janeiro, quase oficialmente, a proposta de uma Segunda Campanha da Grécia, na reunião dos chefes de governos da União Européia, convocada sob o pretexto de discutir o relançamento da economia e do emprego, mas voltada nos fatos para a administração das dívidas soberanas que assombram, em diversos graus, praticamente todas as nações européias, com destaque para Grécia, Portugal, Espanha e Itália.

 

O documento alemão propunha literalmente a submissão do governo grego, “preferencialmente através de uma mudança constitucional”, a um “comissárioeuropeu (leia-se alemão), com a autoridade plena sobre a administração grega, no relativo aos gastos públicos, a fim de que se dê “absoluta prioridade” ao pagamento da dívida externa. Ou seja, exigia-se o abandono literal da independência nacional do país, em favor de comissário estrangeiro.

 

Inicialmente através do governo de centro-esquerda e a seguir sob a direção de governo técnico pluri-partidário (socialista, direita, extrema-direita), a Grécia vem sendo submetida a exigências arrasadoras quanto à privatização dos bens estatais; cortes dos gastos e do emprego públicos; redução dos direitos trabalhistas; diminuição dos salários públicos e privados; extensão da jornada de trabalho e da idade de aposentadoria; aumento dos impostos etc.

 

Como resultado dessas medidas, meio milhão de gregos perderam o trabalho e difundiu-se a população sem-teto e incapaz – sobretudo velhos – de financiar a própria alimentação, antes fenômenos praticamente inexistentes no país. O alcoolismo, as drogas, a violência, o suicídio, a prostituição etc. alcançam agora níveis antes impensáveis para a Grécia.  Exigida pela Troika ­- Comissão Européia, Banco Central Europeu, FMI -, essas medidas são condições para que o país receba novos empréstimos para pagar os empréstimos vencidos, devidos sobretudo aos bancos alemães e, secundariamente, franceses.

 

A crise da dívida soberana grega estourou quando as “agências de classificação de risco”, sob o controle do grande capital anglo-estadunidense, desclassificaram a capacidade do país de pagar sua dívida, motivando aumentos insustentáveis nas taxas de juro dos empréstimos de curto, médio e longo prazo do país. A aplicação das exigências da Troika ensejou que o país mergulhasse em brutal recessão – superior a 5,5% −, expandindo relativamente o déficit público, com a queda dos impostos e taxas.

 

Em 2011, os ingressos públicos estatais retrocederam em quase novecentos milhões de euros, enquanto as despesas aumentaram neste período, devido à explosão do custo da vida no país! As medidas draconianas impostas à população grega procuram apenas ampliar a recuperação dos capitais emprestados pelo capital financeiro, antes que o país se encontre em impossibilidade de pagamento – default −, programada ou não.

 

A proposta alemã foi rejeitada peremptoriamente pela enorme maioria dos representantes dos estados presentes à reunião de 30 de janeiro, certamente pela sua pletórica inabilidade. O próprio presidente do Eurogrupo, o luxemburguês Jean-Claude Juncker, denunciou como inaceitável tal projeto, lembrando ser “fortemente contrário à idéia de impor um comissionamento completo apenas à Grécia”. Em verdade, um dos objetivos da reunião é a institucionalização de sanções automáticas para os Estados que não respeitem o equilíbrio orçamentário determinado pela governança européia, já instalada informalmente no continente, sob a hegemonia do capital financeiro alemão e internacional. Ou seja, a ocupação pelo grande capital financeiro é prevista para todo o continente! O que acontecerá muito logo, se o europeu se mostrar “Gente que não Gosta de Combater”!

 

Mário Maestri é historiador e professor do curso e do programa de pós-graduação em História da UPF, RS. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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