O "assassinato" de Osama Bin Laden, primeiras impressões

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Raphael Tsavkko
11/05/2011

 

São várias as análises que podem ser feitas sobre o anúncio dos EUA de que teriam assassinado Bin Laden.

 

Mas, antes de mais nada, fica a incredulidade, especialmente em se considerando o timing, com o momento escolhido por Obama para realizar a operação e, claro, o local onde Bin Laden foi supostamente morto.

 

Em primeiro lugar, é interessante que a morte de Bin Laden tenha vindo exatamente no momento em que os EUA estão sendo bombardeados por críticas internacionais (e mesmo internas) contra a ação desastrosa na Líbia. Enquanto a França pressiona por uma invasão por terra, a Rússia ameaça agir contra a intervenção na ONU e os EUA se complicam ao assassinar o filho e três netos de Kadafi, que nem de longe são alvos militares ou mesmo legítimos.

 

Desde o início desta intervenção venho atentando para o fato de que a Resolução 1973 permitia ações para garantir uma no-fly zone, mas de forma alguma davam cartão verde para que se caçasse Kadafi ou sua família.

 

Pois bem, enfiados até o pescoço na lama, os EUA encontraram uma forma de desviar a atenção mundial - com a sempre conivente mídia internacional - e criar um factóide para fazer com que tudo mais fosse esquecido.

 

De quebra, Obama conseguiu dar um boost em sua popularidade, gravemente abalada pela crise mundial.

 

Como li no Twitter, Bin Laden foi criado por Bush para ajudá-lo e morto por Obama com a mesma finalidade.

 

E algo que não surpreende é que ele supostamente se escondia em uma cidade há pouco mais de 50 km de Islamabad, capital do Paquistão. País que se posiciona como aliado dos EUA, mas é um dos - senão "o" - principais celeiros de "terroristas".

 

É compreensível tal situação em um país que é vizinho do que foi duramente castigado por intervenções estrangeiras ao ponto de ficar completamente destruído e sem rumo. O próprio Paquistão está longe de ser uma república democrática.

 

Enfim, a morte de Bin Laden serve a múltiplos propósitos. Reforça a idéia de que a "Guerra ao Terror", continuada por Obama, foi um sucesso (ou vem sendo um sucesso), ajuda o presidente dos EUA a melhorar sua imagem no momento em que mesmo sua reeleição se encontra ameaçada e alivia a pressão internacional sobre o país depois das ações na Líbia.

 

Sempre que os EUA sentem necessidade de legitimar suas ações, normalmente invasões a países do Oriente Médio ou mesmo ameaças a países "párias" ressuscitam o espectro de Osama Bin Laden ou da "insurgência islâmica" onipresente.

 

A morte de Osama Bin Laden serve, ainda, como forma de alienar o Paquistão, um aliado tradicional e importante, mas incômodo aos EUA, e garantir à Índia - candidato preferencial dos EUA - a chance de pleitear uma vaga permanente do Conselho de Segurança da ONU, sem que haja substancial oposição paquistanesa ou, ao menos, sem que haja constrangimentos aos EUA pelo apoio.

 

Em condições normais os EUA encontrariam forte resistência paquistanesa a qualquer indicação de seu maior inimigo ao Conselho, mas, com o enfraquecimento de sua posição depois dos recentes episódios, a força para que o país se oponha à indicação diminui.

 

Porém, obviamente, se existem os prós, também existem os contras para os EUA e aliados.

 

O fato de Bin Laden ter sido pego em uma mansão no Paquistão - o que leva a questionar o porquê da continuidade das ações dos EUA nas montanhas da região - coloca em cheque o suposto aliado, ou ao menos seu serviço secreto, conhecido por seu jogo duplo. Potência nuclear, o Paquistão claramente demonstra não ser confiável.

 

O assassinato (suposto) de Bin Laden animou o Irã, que declarou à imprensa que os EUA não tinham mais razão em continuar a manter tropas na região, pois tinham conseguido seu objetivo. Isto ainda pode alimentar a insatisfação mesmo dos estadunidenses que, impregnados por propaganda anti-Bin Laden, como se este fosse o responsável por todo o mal, podem exigir o retorno das tropas agora que a missão está "cumprida".

 

Sobre o assassinato em si, incertezas. Quando Saddam foi preso e posteriormente morto, os EUA fizeram questão de gravar, fotografar e dar total publicidade ao fato. Vivemos na era do espetáculo, e nada melhor do que incitar as massas ao ódio quando a presa foi capturada.

 

É de se estranhar que da morte de Bin Laden não se tenha nenhum registro além das imagens de uma casa destruída e a certeza de uma operação aérea contra um alvo no Paquistão. A foto divulgada pela mídia do suposto corpo de Bin Laden morto provou-se uma farsa, uma montagem e, convenientemente, os EUA anunciaram que o corpo do famoso terrorista foi jogado no mar. 

 

Nenhuma foto, nenhum vídeo vazado, apenas a promessa dos EUA de que o DNA de Osama Bin Laden era compatível com o corpo que encontraram na casa destruída. É muito pouco.

 

Mas ao menos de imediato os propósitos de Obama forma alcançados. A população americana passou a noite comemorando pelas ruas, com gritos histéricos de "USA", sua "vitória" sobre o terror.

 

Com isto demonstram apenas sua ignorância quanto ao real terrorismo que invade países e mata civis inocentes para garantir a posse do máximo de petróleo que conseguir consumir e comprovam que não importa o que aconteça ou quanto tempo passe, mas os EUA não aprendem com as lições da história.

 

Foram duas guerras (Afeganistão e Iraque) em 10 anos, perto de 900 mil mortes (a maioria civis) e mais de 1,1 trilhão de dólares gastos para, enfim, matar Bin Laden?

 

Como cúmulo, a comemoração ensandecida pela morte de uma pessoa. A violência está no sangue e, infelizmente, parece ter contaminado o chanceler brasileiro Antônio Patriota que, pese o Itamaraty não ter se pronunciado oficialmente, resolveu demonstrar sua alegria pessoal ao assassinato, pois Osama Bin Laden "estigmatizava o mundo islâmico".

 

A posição de Patriota corrobora sua tentativa de aproximar o Brasil dos EUA, coroada pela visita de Obama ao país em meio a uma sucessão de trapalhadas políticas, que acabou até mesmo com a prisão de diversos ativistas apenas por protestarem contra o presidente estadunidense, e com a condenação do Irã - a pedido dos EUA - no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

 

Da posição crítica do país à "Guerra ao Terror" ao apoio - por enquanto em termos pessoais - do chanceler brasileiro ao assassinato sem julgamento de um inimigo da "América".

 

Raphael Tsavkko Garcia, jornalista e blogueiro, formado em Relações Internacionais (PUC-SP), é mestrando em Comunicação (Cásper Líbero).

Blog: http://tsavkko.blogspot.com/

 

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