Correio da Cidadania

Para controlarem o Egito, EUA exploram conflito menor entre militares e islâmicos

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Nos acontecimentos que se desenrolaram por estes dias na Tunísia e no Egito, o que vimos trata-se simplesmente de ‘revoltas populares’ ou significam a entrada de tais países em processos revolucionários?

 

Trata-se de revoltas sociais potencialmente portadoras da cristalização de alternativas que poderiam chegar a se inscrever no longo prazo em uma perspectiva socialista. Por isso, o sistema capitalista, o capital dos monopólios dominantes em escala mundial, não pode tolerar o desenvolvimento desses movimentos. Mobilizará todos os meios de desestabilização possíveis, pressões econômicas e financeiras, até a ameaça militar. Apoiará, segundo as circunstâncias, falsas ou fascistizantes alternativas, e a implantação de ditaduras militares.

 

Não se pode acreditar numa única palavra que diz Obama. Obama é Bush, com outra linguagem. Existe nele uma duplicidade permanente. No caso egípcio, de fato, os EUA sustentam o regime. Terminaram considerando mais útil o sacrifício de Hosni Mubarak, mas não renunciarão a salvar o essencial: o sistema militar e policialesco. Podem vislumbrar sua salvação em uma aliança com a Irmandade Muçulmana.

 

Na verdade, os dirigentes dos EUA têm em mente o modelo paquistanês, que não é um modelo democrático, mas uma combinação entre um poder que se diz islâmico e uma ditadura militar. Contudo, no caso do Egito, uma boa parte das forças populares mobilizadas é plenamente consciente de tudo isso.

 

O povo egípcio está muito politizado. A história do Egito é a de um país que tenta emergir desde o começo do século 19, que foi derrotado por suas próprias deficiências, mas, sobretudo, pelas agressões exteriores repetidamente sofridas.  

 

Estes levantes são, principalmente, coisa de jovens precarizados e trabalhadores em greve? Como você explica?

 

O Egito de Nasser dispunha de um sistema econômico e social certamente criticável, mas coerente. Nasser apostou na industrialização para sair da especialização internacional colonial, que confinava o país à tarefa de exportar algodão. Tal sistema conseguiu assegurar uma boa distribuição da arrecadação em favor das classes médias, mas sem empobrecer as classes populares. Essa página da história egípcia foi conseqüência das agressões militares de 1956 e 1967, que mobilizaram Israel.

 

Anwar El Sadat e mais ainda Mubarak trabalharam para o desmantelamento do sistema produtivo egípcio, substituindo-o por um sistema incoerente, de todos os pontos de vista, fundado exclusivamente na busca pelo lucro. As taxas de crescimento egípcias, supostamente altas e invariavelmente celebradas há 30 anos pelo Banco Mundial, carecem totalmente de significado.

 

É poeira nos olhos. O crescimento egípcio é muito vulnerável, dependente do mercado exterior e do fluxo de capitais petroleiros procedentes dos países rentistas do Golfo. Com a crise do sistema mundial, essa vulnerabilidade se manifestou com um brutal estancamento. Aquele crescimento veio acompanhado de um incrível aumento das desigualdades e um desemprego espantoso que castiga a maioria dos jovens. Uma situação verdadeiramente explosiva, e que acabou eclodindo.

 

O que a partir de agora - mais além das reivindicações iniciais pelo fim do regime e instauração de liberdades públicas - vai significar uma batalha política.

 

Por que a Irmandade Muçulmana busca agora se apresentar como "moderada"?

 

Por que esse é jogo que se pede a eles agora. A Irmandade Muçulmana nunca foi moderada. Não se trata de um movimento religioso, mas de um movimento político que se serve da religião. Desde sua fundação, em 1920, pelos britânicos e pela monarquia, tal movimento desempenhou um papel ativo de agente anticomunista, anti-progressista e antidemocrático.

 

É a razão de ser da Irmandade, e reivindicam-na. Declaram abertamente: se ganham eleições, serão as últimas, porque o regime eleitoral seria um regime ocidental importado, contrário à natureza islâmica. Nesse aspecto, não mudou nada. Na verdade, o Islã político sempre foi sustentado pelos EUA.

 

Durante a guerra contra a União Soviética, os EUA apresentaram os talibãs afegãos como heróis da liberdade. Quando os talibãs fecharam as escolas para meninas que tinham criado comunistas afegãos não faltaram nos EUA movimentos feministas que explicavam que havia de se respeitar as tradições do país!

 

Isso revela um jogo duplo: por um lado, o apoio, por outro, a instrumentalização dos excessos característicos dos fundamentalistas para alimentar a rejeição dos imigrados e justificar agressões militares. Concebido sob tal estratégia, o regime de Mubarak jamais lutou contra o Islã político. Pelo contrário: o que fez foi integrá-lo ao sistema político.

 

Poderia ser dito que Mubarak terceirizou a sociedade egípcia à Irmandade Muçulmana?

 

Com toda a certeza! A ditadura lhe confiou três instituições fundamentais: a justiça, a educação e a televisão. Porém, um regime militar quer conservar para si mesmo a direção, reivindicada igualmente pela Irmandade. Os EUA utilizam esse conflito menor no seio da aliança entre os militares e os islâmicos para assegurar-se a docilidade tanto de uns como de outros. O essencial é que todos aceitam o capitalismo tal como ele é.

 

A Irmandade Muçulmana jamais pensou seriamente em mudar as coisas. Tanto que durante as grandes greves de trabalhadores em 2007 e 2008 seus parlamentares votaram com o governo, contra os grevistas. Nas lutas dos camponeses expulsos de suas terras pelos grandes proprietários rentistas, a Irmandade se posicionou contra o movimento camponês. Para eles, a propriedade privada, a liberdade de empresa e o lucro são coisas sagradas.

 

E que perspectivas existem para o conjunto do Oriente Médio?

 

Negativas. A Irmandade Muçulmana, assim como os militares, aceita a hegemonia dos EUA na região e a paz com Israel nos termos atuais. Uns e outros nutrem essa complacência que permite a Israel prosseguir a colonização do que resta da Palestina.

 

Tradução de Casiopea Altisench para o http://www.sinpermiso.info/ e de Gabriel Brito para o Correio da Cidadania.

Fonte: http://humanite.fr/06_02_2011-pour-l%C3%A9conomiste-samir-amin-%C2%AB-moubarak-int%C3%A9gr%C3%A9-l%E2%80%99islam-politique-dans-son-syst%C3%A8me-%C2%BB-46452

 

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Comentários   

0 #3 Diego 22-02-2011 06:03
A questão é que o nosso maior problema atual chamasse Sionismo.Os movimentos muçulmanos que tomaram o Irã não ameaçam nem mesmo 1/10000 do que o Lobby de Israel e EUA ameaçam a integrigade das pessoas do mundo inteiro. O que for contra o domínio desse eixo tem meu apoio.
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0 #2 Samir AminDemetrio Cherobini 20-02-2011 11:49
Muito bom. Trata-se de uma entrevista com Samir Amin, certo? Considero-o um dos mais lúcidos intelectuais da esquerda contemporânea. Muito boa a iniciativa do Correio em dar espaço para inteletuais desse gabarito.

Um abraço.


P.S.: Penso que o nome do intelectual marxista deveria constar abaixo do título.
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0 #1 EntrevistaMarisa Choguill 20-02-2011 03:33
Faltou dizer que o entrevistado, Samir Amin, é um renomado economista materialista-dialético egípcio, ativista e professor, e um dos principais membros do seleto grupo de estudiosos que desenvolveu a teoria do sistema mundial, entre os quais se distinguem Immanuel Wallerstein (o fundador da escola), André Gunder Frank, Giovanni Arrighi e Theotonio dos Santos. Essa teoria envolve análises do sistema-mundo, incluindo a desigualdade hierárquica de distribuição baseada na concentração de certos tipos de produção onde se distinguem centro, periferia e semiperiferia, e trata a economia dos países centrais como a economia hegemônica que articula o conjunto do sistema.
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