Washington e as revoltas árabes: sacrificar ditadores para salvar o Estado

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James Petras
16/02/2011

 

Antecedentes históricos

 

A política externa dos EUA tem um longo histórico de instalação, financiamento, armamento e apoio a regimes ditatoriais, os quais suportam suas políticas e interesses imperiais ao mesmo tempo em que mantêm controle sobre o seu povo.

 

No passado, presidentes republicanos e democratas trabalharam em estreito contato durante mais de 30 anos com a ditadura Trujillo na República Dominicana; instalaram o autocrático regime Diem no Vietnã pré-revolucionário na década de 1950; colaboraram com duas gerações da família Somoza em regimes de terror na Nicarágua; financiaram e promoveram os golpes militares de Cuba em 1953, no Brasil em 1964, no Chile em 1973 e na Argentina em 1976, além dos subseqüentes regimes repressivos. Quando levantes populares desafiaram estas ditaduras apoiadas pelos EUA e uma revolução social e política parecia de provável êxito, Washington respondeu com uma política de três caminhos: publicamente, criticando as violações de direitos humanos e advogando reformas democráticas; privadamente, assinalando a continuidade de apoio ao governante; e em terceiro lugar, procurando uma alternativa de elite que pudesse substituir o dirigente e preservar o aparelho de Estado, o sistema econômico e apoiar os interesses imperiais estratégicos dos EUA.

 

Para os EUA não há relacionamentos estratégicos, apenas interesses imperiais permanentes, a preservação do Estado-cliente. As ditaduras assumem que o seu relacionamento com Washington é estratégico: daí o choque e horror quando são sacrificadas para salvar o aparelho de Estado. Temendo a revolução, Washington tem tido clientes déspotas relutantes, pouco desejosos de se afastarem, assassinados (Trujillo e Diem). Para alguns são proporcionados santuários no exterior (Somoza, Batista), outros são pressionados à partilha de poder (Pinochet) ou nomeados acadêmicos visitantes em Harvard, Georgetown ou algum outro posto acadêmico "prestigioso".

 

O cálculo de Washington sobre quando rearranjar o regime baseia-se numa estimativa da capacidade do ditador para agüentar o levante político, a força e lealdade das forças armadas e a disponibilidade de uma substituição acomodatícia. O risco de esperar demasiado, de colagem ao ditador, é que radicaliza a sublevação: a mudança decorrente varre para longe tanto o regime como o aparelho de Estado, transformando um levante político numa revolução social.

 

Tal "erro de cálculo" verificou-se em 1959 no avanço da revolução cubana, quando Washington ficou ao lado de Batista e não foi capaz de apresentar uma alternativa de coligação pró-EUA viável e ligada ao velho aparelho de Estado. Um erro de cálculo semelhante verificou-se na Nicarágua, quando o presidente Carter, enquanto criticava Somoza, manteve o curso e permaneceu passivo quando o regime era derrubado e as forças revolucionárias destruíam as forças militares treinadas pelos EUA e Israel, a polícia secreta e o aparelho de inteligência, avançando na nacionalização de propriedades dos EUA e desenvolvendo uma política externa independente.

 

Washington movimentou-se com maior iniciativa na América Latina da década de 1980. Promoveu transições eleitorais negociadas que substituíram ditadores por políticos neoliberais flexíveis, os quais se comprometeram a preservar o aparelho de Estado existente, defender as elites privilegiadas externas e internas e apoiar políticas regionais e internacionais dos EUA.

 

Lições do passado e políticas do presente

 

Obama tem sido extremamente hesitante na remoção de Mubarak por várias razões, mesmo quando o movimento cresce em números e o sentimento anti-Washington aprofunda-se. A Casa Branca tem muitos clientes por toda a parte do mundo – incluindo Honduras, México, Indonésia, Jordânia e Argélia – que acreditam terem um relacionamento estratégico com Washington e perderiam confiança no seu futuro se Mubarak fosse jogado fora.

 

Em segundo lugar, as altamente influentes organizações pró-Israel nos EUA (AIPAC, os presidentes das principais organizações judias americanas) e o seu exército de escribas mobilizaram líderes do Congresso para pressionar a Casa Branca a continuar a apoiar Mubarak, pois Israel é o primeiro beneficiário de um ditador que está na garganta dos egípcios (e palestinos) e aos pés do Estado judeu.

 

Em conseqüência, o regime Obama tem se movido vagarosamente, sob o temor e a pressão do crescente movimento popular egípcio. Ele procura uma fórmula política alternativa que não apenas remova Mubarak, mas retenha e fortaleça o poder político do aparelho de Estado e incorpore uma alternativa eleitoral civil como meio de desmobilizar e ‘des-radicalizar’ o vasto movimento popular.

 

O principal obstáculo para remover Mubarak era um sector importante do aparelho de Estado, especialmente os 325 mil membros das Forças Centrais de Segurança e os 60 mil da Guarda Nacional, diretamente sob a alçada do Ministério do Interior e, antes, de Mubarak. Em segundo lugar, os generais de topo do Exército (468.500 membros) sustentaram Mubarak durante 30 anos e enriqueceram-se através do seu controle sobre muitas companhias lucrativas num vasto conjunto de setores. Eles não apoiarão qualquer "coligação" civil que ponha em causa seus privilégios econômicos e o seu poder de estabelecer os parâmetros políticos de qualquer sistema eleitoral. O comandante supremo dos militares egípcios é um antigo cliente dos EUA e um colaborador aquiescente de Israel.

 

Obama é resolutamente favorável a colaborar e a assegurar a preservação destes corpos repressivos. Mas também precisou convencê-los não só a substituir Mubarak, levando em conta um novo regime que possa neutralizar o movimento de massa que cada vez mais se opõe à hegemonia dos EUA e à subserviência a Israel. Obama fará todo o necessário para manter a coesão do Estado e esvaziar quaisquer aberturas que possam levar a um movimento de massa – alianças de soldados que poderiam converter o levante numa revolução.

 

Washington abriu conversas com os setores liberais e clericais mais conservadores do movimento anti-Mubarak. A princípio tentou convencê-los a negociar com Mubarak – uma posição beco sem saída que foi rejeitada por todos os setores da oposição, desde o topo até a base. Obama tentou então vender uma falsa "promessa" de Mubarak, a de que não concorreria às eleições, daqui a nove meses.

 

O movimento e seus líderes também rejeitaram aquela proposta. Assim, Obama levantou a retórica de "mudanças imediatas", mas sem quaisquer medidas substantivas que a apoiassem. Para convencer Obama da sua contínua base de poder, Mubarak enviou a sua formidável polícia secreta de gangster-lumpens para tomar violentamente as ruas. Um teste de força: o Exército ficou ao lado, o assalto elevou a aposta de uma guerra civil, com conseqüências radicais. Washington e a UE pressionaram o regime Mubarak a recuar – por agora. Mas a imagem de militares pró-democracia foi empanada, pois mortos e feridos multiplicaram-se aos milhares.

 

À medida que a pressão do movimento se intensificava, Obama pressionava em sentidos opostos. Por um lado pelo lobby Mubarak-Israel e os seus apoiadores no Congresso; por outro, por conselheiros com discernimento, a apelarem para seguir as práticas do passado e movimentar-se decisivamente, sacrificando o regime, a fim de salvar o Estado enquanto a opção liberal-clerical ainda está sobre a mesa.

 

Mas Obama hesita e, como um crustáceo cauteloso, move-se de lado e para trás, acreditando que a sua própria retórica grandiloqüente substitui a ação... Esperando que mais cedo ou mais tarde o levante acabe por cessar com um mubarakismo sem Mubarak - um regime capaz de desmobilizar os movimentos populares e desejoso de promover eleições que resultem em responsáveis eleitos, que sigam a linha geral do seu antecessor.

 

No entanto, há muitas incertezas num rearranjo político: uma cidadania democrática, 83% desfavorável a Washington, possuirá a experiência de luta e liberdade para clamar por um realinhamento da política, especialmente para cessar de ser uma polícia impondo o bloqueio israelense de Gaza e dando apoio a fantoches dos EUA na África do Norte, Líbano, Iêmen, Jordânia e Arábia Saudita.

 

Em segundo lugar, eleições livres abrirão o debate e aumentarão a pressão por maior despesa social, a expropriação dos 70 bilhões de dólares do império do clã Mubarak e dos capitalistas de compadrio que pilham a economia. As massas exigirão uma redistribuição da despesa pública do super-inchado aparelho repressivo para as áreas de emprego produtivo.

 

Uma abertura política limitada pode levar a um segundo round, no qual novos conflitos sociais e políticos dividirão as forças anti-Mubarak, um conflito entre os advogados da social-democracia e os apoiadores de elite ao eleitoralismo neoliberal. O momento anti-ditatorial é apenas a primeira fase de uma luta prolongada rumo à emancipação definitiva, não apenas do Egito, como de todos os países árabes. O resultado depende da medida em que as massas desenvolverão a sua própria organização e líderes independentes.

 

James Petras é sociólogo, nascido em Boston, e publicou mais de sessenta livros de economia política e, no terreno da ficção, quatro coleções de contos.

Retirado do Diário Liberdade.

 

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