Correio da Cidadania

Uma nova era, uma velha guerra: a retirada do Iraque

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Talvez você não tenha reparado, mas o Futuro começou ontem. Os jornais noticiam que os Estados Unidos estão retirando suas tropas do Iraque. Lá ficarão apenas 35.000 militares, como consultores.

 

Trata-se do cumprimento de uma promessa eleitoral do então candidato Barack Obama. O fato está provocando discussões na imprensa de lá e de cá.

 

Vários políticos mais conservadores, mesmo do Partido Democrata, posicionam-se contrários à medida. A guerra transformou-se numa rotina profissional para militares a soldo, que não se preocupam com as finalidades ou conseqüências do que fazem.

 

Há dúvidas sobre a capacidade dos frágeis governos do Iraque e do Afeganistão de manterem um mínimo de ordem, pelo menos nas áreas urbanas. Não se trata mais de estimular a democracia, é apenas uma questão de evitar um desabamento espetacular do quadro delirante pintado por Bush, quando enfiou os Estados Unidos nessa enrascada.

 

Mas sou da opinião de que esses temores são em grande parte infundados. Existe uma realidade, que vem sendo construída há mais de um par de anos e que foi incrementada nos últimos meses, de cuja importância e implicações a opinião pública não está tomando conhecimento.

 

A guerra está sendo robotizada. Aviões não-tripulados de vários portes (inclusive alguns semelhantes a aeromodelos) são capazes de procurar, achar e atacar alvos precisos em qualquer parte da Terra.

 

Tartarugas artificiais procuram e desarmam minas, além de encontrar brechas e buracos onde soldados inimigos podem se ocultar e daí entrar e lançar granadas.

 

Patrulhas de reconhecimento são executadas por robôs. E há uma nova geração de robôs de infantaria, verdadeiras maravilhas da tecnologia, que substituem soldados de carne e osso.

 

As novas tecnologias de redes neurais permitem mesmo programar robôs que "aprendem" no local a melhor estratégia para executar uma missão e adaptar sua programação original.

 

Existem, de modo geral, duas classes desses armamentos: os totalmente independentes e os monitorados ou monitoráveis.

 

Os totalmente independentes são programados para serem soltos em campo inimigo e atuarem de modo autônomo.

 

Os monitorados trazem câmeras e outros mecanismos de exploração do terreno ao seu redor, de modo que militares distantes, na segurança de seus acampamentos, possam acompanhar o que acontece em campo e dirigir a ação do robô.

 

O que eu chamo de "monitoráveis" são autônomos, capazes de aprender, mas monitorados à distância por seres humanos, que podem a qualquer momento assumir o seu controle, se julgarem necessário.

 

O controle dessa operação é cada vez mais efetuado à distância. De início, pensava-se em lançar uma tartaruga suicida sobre uma linha inimiga, sem que o soldado precisasse se expor saindo da trincheira. Depois esse controle passou cada vez mais às mãos de especialistas em centros militares estratégicos regionais.

 

Hoje a coisa adquiriu uma proporção bem maior. A multiplicidade e a quantidade de robôs em ação requerem uma coordenação central, cada vez mais especializada. O comando todo é integrado via Internet.

 

O sistema consiste em uma rede dentro da rede (a Nuvem). Cada peça em cada canto do mundo e cada canto do mundo são monitorados via satélites de observação e de transmissão de dados. Os satélites estão conectados ao comando central em Washington. Os países aliados dependerão cada vez mais das autoridades militares americanas para sua própria segurança contra inimigos internos, externos e terroristas.

 

Um especialista em Washington, tomando seu café numa saleta confortável do Pentágono com ar condicionado, pode ver, em tempo real, uma paisagem no Afeganistão, a aproximação do campo inimigo, identificar pessoas, focar num indivíduo, a ponto de conseguir interpretar sua expressão facial e emoções, e apertar um botão num comando parecido com o de um videogame para liquidar aquele indivíduo determinado.

 

Ou fazer chover projéteis explosivos sobre o acampamento e acabar com todos. Terminado o expediente, ele pegará seu carro no estacionamento e irá para casa, para um reconfortante jantar com a família.

 

Todos esses tipos de robô têm versões aéreas, aquáticas, terrestres e anfíbias, e são fabricados para a Marinha, para o Exército e para a Força  Aérea dos Estados Unidos. A fabricação de robôs foi iniciada há tempo e testada ainda na era Bush, mas recentemente a sua produção foi acelerada e as Forças Armadas americanas estão-nos comprando aos lotes, formando o equivalente a batalhões e regimentos de robôs – porém, com um poder de fogo ainda maior do que seu equivalente humano.

 

É esse equivalente humano que está sendo retirado da região. Mas os Estados Unidos não abandonaram seus planos estratégicos e nem seus objetivos de controle da região.

 

Isso já uma realidade – incipiente, mas crescendo rapidamente. Está sendo inaugurada uma nova etapa na história das guerras. Uma mudança mais radical do que a pólvora ou as armas atômicas. É uma era na qual a predominância dos Estados Unidos deverá acentuar-se cada vez mais. Pois se trata de uma tecnologia eficiente, letal – e caríssima!

 

Robôs descartáveis que valem milhões e que podem ser destruídos aos milhares, sendo automaticamente substituídos, sem perda de vidas humanas, sem envio de tropas, sem luto na família americana, sem movimentos pacifistas de estudantes, ou talvez mesmo sem que a opinião pública se interesse em saber (afinal, é tudo "lá", não me diz respeito). E cuja fabricação gera lucros crescentes à indústria bélica, empregos e evolução tecnológica acelerada. Que outra nação pode se dar esse luxo?

 

Os futuros tanques serão quadrúpedes, parecidos com os veículos terrestres de George Lucas, em "Guerra nas Estrelas". Veja, por exemplo, o robô BigDog, ora em fabricação nos Estados Unidos:

 

 

A vantagem do BigDog sobre os tanques convencionais é que, além de ‘correr’ em velocidades compatíveis com as de um tanque convencional, ele anda sobre pântanos, areia movediça, alagados, pedras soltas e ainda escala barrancos.

Um brigadeiro de três estrelas da Força Aérea Americana, citado por P.W. Singer (Scientific American, julho de 2010), afirmou que "o próximo conflito maior dos Estados Unidos envolverá não os milhares de robôs que hoje já estão operando, mas ‘dezenas de milhares’".

 

Os Estados Unidos estão retirando o grosso de suas tropas do Iraque, mas não estão se retirando nem do Iraque, nem da região.

 

As imagens acima foram escaneadas: "Tartaruga" de The Futurist Nov/Dec 2009; "Tanque Quadrúpede" do Scientific American julho de 2010. 

 

Pergentino Mendes de Almeida é diretor da AnEx – Analytical Expertise & Scenarios.

E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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