Correio da Cidadania

Zona do Euro em polvorosa

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A profunda crise econômica que solapa o mundo, a despeito das manifestações midiáticas tentando aliviar o cenário, segue fazendo estragos e reacendendo antigos problemas, especialmente na Europa.

 

Os impactos da crise vêm se manifestando intensamente nos países da periferia européia, a exemplo do caso da Grécia (cujo peso econômico na União Européia é pequeno) e do relevante caso da Espanha, que experimentou uma bolha imobiliária mais intensa que a dos EUA e que agora passa por uma profunda recessão. Os níveis de endividamento público alcançados por estes países (aos quais se juntam Portugal e Irlanda) extrapolam o permitido pela Zona do Euro, levando o mercado financeiro internacional não só a ameaçar uma fuga de capitais, mas principalmente levar à frente um movimento de especulação contra a moeda que é adotada por 16 países europeus.

 

Mesmo países do núcleo central da União Européia, como Alemanha, França e Inglaterra, têm dificuldades para retornar aos parâmetros de déficit público definidos no Tratado de Maastricht. Assinado em 1992, na cidade holandesa de mesmo nome, o Tratado foi um marco significativo no processo de unificação européia, levado a cabo sob hegemonia da Alemanha. À integração econômica até então existente entre diversos países europeus, somou-se a unificação política, prevendo regras para a convergência macroeconômica, com a fixação de alguns indicadores. No momento da crise, ao menos duas dessas regras têm sido amplamente violadas entre os países da União Européia: a que fixa a relação entre o déficit público e o Produto Interno Bruto (PIB) em até 3% e a que estabelece o teto de 60% para a relação entre a dívida pública e o PIB.

 

O vice-primeiro-ministro grego, Theodoros Pangalos, declarou recentemente a um jornal lusitano que a rigidez da Alemanha em relação à Grécia é baseada em uma "abordagem moral e racial" e na idéia de que os gregos não trabalham o suficiente. E vaticinou: "a próxima vítima provável será Portugal".

 

Os problemas financeiros da Grécia são realmente muito graves. A dívida pública equivale a 113% do PIB, podendo chegar a 135% até 2012, e o déficit orçamentário é de 12,7% do PIB. Recentemente, o governo grego anunciou o congelamento dos salários do setor público e uma reforma no sistema previdenciário, aumentando a idade mínima para aposentadoria, entre outras medidas. O país, no entanto, segue sendo alvo de fortes movimentos especulativos.

 

Há um temor generalizado de que também Espanha e Portugal não consigam honrar seus títulos de dívidas. Os déficits públicos destes dois países também são muito elevados e suas economias, periféricas em relação ao centro dinâmico da União Européia, constantemente perdem competitividade em relação aos demais países da zona do Euro.

 

A situação mundial é muito complexa porque os problemas que atingem os países europeus cujas economias são mais dependentes da União Européia, de alguma forma, estão presentes em todos os países centrais do capitalismo, especialmente nos EUA, Alemanha e Japão. Recentemente, o governo Obama divulgou a previsão de um déficit orçamentário de US$ 1,5 trilhão para 2010, equivalente a 10,6% do PIB do país, o que representa a proporção mais elevada da relação dívida/PIB desde a Segunda Guerra Mundial. E o endividamento público destes países está diretamente relacionado ao socorro dado ao setor privado ao longo de 2008, momento mais grave da crise bancária.

 

O grave é que a maioria dos problemas que conduziram à crise de 2008 permanece. Uma parte significativa dos bancos, nos EUA, França e Alemanha, não conseguem ofertar crédito suficiente para impulsionar o setor produtivo. Mundialmente, o lucro dos bancos chegou a US$ 60 bilhões em 2009, praticamente o mesmo montante das perdas do ano anterior.

 

Nesta conjuntura, as incertezas se aprofundam. As aplicações em ouro têm crescido como um mecanismo preventivo diante das possibilidades de movimentos bruscos nos valores dos títulos públicos de diversos países, aí incluídos os EUA.

 

Em março, França e Alemanha se acertaram e os países da União Européia fizeram um acordo para socorrer a Grécia. O acordo prevê que, no caso de dificuldades muito graves, França e Alemanha vão coordenar a concessão de empréstimos bilaterais, advindos dos países que compõem a zona do Euro, realizados com taxas subsidiadas.

 

Este acordo está longe de resolver os principais problemas estruturais da União Européia, cujos países viram suas economias perder dinamismo nas últimas décadas. Se a economia européia demorar muito a se recuperar, também mais lenta e difícil será a retomada da economia global.

 

As dificuldades existentes entre os países da União Européia são muito importantes. A França tem criticado com freqüência a Alemanha por esta não gerar demanda para os produtos dos outros países do bloco. A Alemanha, por sua vez, afirma que está sendo criticada por ter apostado na eficiência e sugere à França e aos países do Sul da Europa que se esforcem para tornar as suas economias mais competitivas. Um dos problemas centrais na definição do acerto para socorrer a Grécia é a questão orçamentária. O acordo demorou, dentre outras razões, porque a Alemanha queria introduzir nos tratados da União Européia penalidades mais duras para os casos de déficits elevados, inclusive condicionando a ajuda a essa definição.

 

Em resumo, os problemas vividos hoje na União Européia apontam para quatro importantes conseqüências. Primeiro, um agravamento da situação da Alemanha e França ao defenderem o Euro, por meio de ajuda aos países com problemas, o que elevará suas próprias dívidas públicas; segundo, os ataques especulativos contra o Euro contribuem para piorar o já fraco movimento de retomada do crescimento europeu; terceiro, os trabalhadores portugueses, irlandeses, espanhóis e gregos terão um duro cenário de ajustes neoliberais pela frente, inclusive com cortes brutais de salários, direitos e políticas sociais; quarto, a própria viabilidade da União Monetária Européia entrará em xeque com uma intensificação dos ataques especulativos, fazendo com que os ganhos de grandes especuladores internacionais acarretem novos problemas financeiros para o conjunto da economia mundial.

 

Thomaz Ferreira Jensen, José Juliano de Carvalho Filho e Andrea Paes Alberico, do Grupo de São Paulo - um grupo de pessoas que se revezam na redação e revisão coletiva dos artigos de análise de Contexto Internacional do Boletim Rede, editado pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, de Petrópolis, RJ.

 

Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

Artigo publicado na edição de abril de 2010 do Boletim Rede.

 

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