Correio da Cidadania

Jogo de xadrez geopolítico nos Bálcãs

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O recente conflito armado entre Rússia e Geórgia revelou um labiríntico jogo de xadrez geopolítico na região do Cáucaso, onde grandes potências mediram força e lutaram pelo poder estratégico na região. O objetivo do artigo, nesse sentido, é o de apontar como as peças do xadrez estão estrategicamente sendo mexidas pelos principais protagonistas, diretos ou indiretos, dessa emaranhada e histórica disputa de interesses.

 

Após a derrocada da União Soviética (URSS), estadunidenses e russos disputam o controle político e financeiro sobre os Bálcãs, sobretudo em relação ao acesso dos recursos petrolíferos do Mar Cáspio. A Geórgia, nessa rede de conflitos, tornou-se um peão fundamental a ser controlado pelos reis desse explosivo tabuleiro.

 

A rápida resposta bélica da Rússia à repressão do governo georgiano contra os separatistas da Ossétia do Sul parece ter revelado que o anseio russo de retomar o seu posto de grande potência mundial está de volta ou nunca deixou de existir. Esse jogo, na verdade, recomeçou a ser travado a partir de 1991, logo após o desmantelamento do império soviético. Nesse período, os Estados Unidos (EUA) e a União Européia (UE) trataram logo de ocupar o vácuo geopolítico deixado pelos soviéticos, alargando a fronteira da Organização dos Tratados do Atlântico Norte (OTAN), além de comandar o avanço imediato de forças militares.

 

O troco russo a tal estratégia neoliberal começou a ser dado com a vitória eleitoral de Vladimir Putin em 2000. No transcorrer de seus dois sucessivos governos, Putin fortaleceu o Estado e nacionalizou recursos energéticos - além de a Rússia nunca ter desativado seu arsenal nuclear e potencial militar.

 

O resultado de toda essa estratégia foi a retomada do crescimento de sua economia, sobretudo em função dos preços do petróleo e das commodities, além de um boom nos setores de consumo e de investimento interno. Significa dizer que, após a derrocada da URSS, o Estado russo venceu a moratória, reconquistou o seu poder econômico e voltou a ter voz ativa internacionalmente.

 

A república da Geórgia, enquanto isso, tornou-se um forte aliado da política dos EUA e da União Européia. Com a queda do então presidente Edouard Chevardnadze nos anos 90, entrou em cena uma tentativa de modernização neoliberal, na qual o novo governo passou a defender a privatização dos setores da educação e da saúde, além da flexibilização das leis trabalhistas, o que liberou a demissão sumária. Resultado: a economia cresceu em detrimento ao desemprego e à crescente desigualdade social.

 

Para que isso ocorresse, as autoridades de Tbilisi, capital da Geórgia, começaram a se preocupar em obter o poder absoluto sobre o seu território, o que aumentou as tensões separatistas nas Repúblicas da Ossétia do Sul e da Abkhazia. Na prática, as duas já conquistaram suas independências na década de 90. A luta agora é pelo reconhecimento internacional, o que atrapalharia os planos da Geórgia em sua empreitada para merecer a confiança das grandes potências neoliberais, romper politicamente com a Rússia e conquistar assim uma cadeira na OTAN.

 

Nesse cabo de guerra, os EUA pretendem, a longo prazo, estabelecer uma posição chave entre a Rússia e o Oriente Médio. Sob a justificativa de que a Geórgia pode ser um exemplo de democracia liberal e burguesa na Ásia Central, os EUA defenderam a política de unificação do governo local, inclusive com treinamento militar, remessas de armas e apoio financeiro.

 

Revelando que o onipotente delírio norte-americano de ser a única potência militar no planeta está em xeque, os EUA não têm a menor legitimidade para acusar a Rússia de separatismo, porque reconheceram unilateralmente a independência de Kosovo, a fim de desmembrar a Sérvia. Neste caso, nem isso aconteceu, porque tanto a Ossétia do Sul como a Abkházia nunca fizeram parte realmente da Geórgia. Já eram inclusive províncias no Império Czarista.

 

Nesse contexto, ao enviar tropas para fortalecer a luta separatista da Ossétia do Sul, a Rússia não só buscou a retomada do controle financeiro e do poder político estratégico na região, mas mostrou ao mundo que os EUA não são a única superpotência do planeta. As peças do xadrez geopolítico não se movem apenas de um lado e têm de ser taticamente jogadas.

 

Guga Dorea, Andrea Paes Alberico, Elisa Helena Rocha de Carvalho, José Juliano de Carvalho Filho, Luiz Eça, Marietta Sampaio, Marilena de Almeida Eça e Thomaz Ferreira Jensen.

 

Artigo publicado na edição de outubro de 2008 do Boletim Rede.

 

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