Correio da Cidadania

Grécia: compromisso, sem comprometimento

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Abre-se a batalha de interpretações sobre o acordo feito entre o governo Syriza e a Comissão Europeia. Eu fico com a interpretação da manchete do l'Humanité, jornal do PC francês. Porque seria utópico, irrealizável, imaginar que o governo grego pudesse sentar à mesa de negociações e impor todas as suas exigências para que fosse mantido o fluxo de aportes financeiros compromissados com as cláusulas perversas assinadas pelo governo anterior.


Em termos metafóricos, recorro a uma mesa de pôquer em que um jogador, com uma ficha restante de cem, pudesse enfrentar e vencer os cinco profissionais sentados à sua frente, munidos, cada um, de várias fichas de mil, e ganhá-las todas. Nem em novela com happy end. E é o que se pode deduzir do resultado final.


O Globo, no seu Editorial de hoje (25/02), não deixa de revelar a fraqueza dos que pretendem utilizar as concessões iniciais do Syriza como fator desmobilizador das esquerdas, onde ela pretenda levantar a cabeça contra a hegemonia crescente do neoliberalismo predador. Obriga-se a reconhecer que tanto o governo alemão quanto o Banco Central Europeu e o FMI guardam imensas preocupações com os termos da carta de intenções do Syriza.


E por que eles revelam tal vulnerabilidade? Porque os termos de concessão do Syriza penalizam principalmente os maganos do grande capital, que não haviam sido minimamente incomodados pela submissão do governo Samaras (Nova Democracia-Pasok) aos ditames de Berlim. Ditames que, garantindo privilégios do topo da pirâmide social, levaram a dívida pública de 120%, em 2009, a quase 180% do PIB nos dias atuais. Para além, é claro, da imensa tragédia social resultante da transferência de responsabilidade fiscal para as costas do povo assalariado.


Privatizações anteriores não serão revistas, e agenda de futuras se mantêm? É verdade, mas sob critérios de controle e garantia de ganhos reais para o Estado grego em todas as negociações. Aumento de salário mínimo, em mais de 200 euros, não se dá imediatamente? É verdade, mas está garantido para os dois próximos anos.


No contraponto, a Comunidade Europeia se compromete a contribuir para a luta atroz que se implementará contra a sonegação tributária e evasão de divisas, para além do contrabando anárquico que nunca foi combatido pelo governo de direita, e sempre acatado pela Troika. E vai fazer isso para que se garanta não haver fuga de capitais com a taxação que se passará a exercer sobre o grande capital privado, como garantia da fonte de recursos para a manutenção de todas as demais medidas de caráter social prometidas em campanha – proibição de despejos por inadimplência com os bancos privados; garantia de energia elétrica e água em todos os lares (e esse é hoje problema gravíssimo na Grécia), investimentos nas áreas estratégicas sociais, como saúde e educação.


Medidas, portanto, que vão no sentido oposto às que hoje se aplicam no Brasil, a despeito das condições absolutamente mais favoráveis que nosso país enfrenta, e onde a austeridade que se pretende aplicar só alcança os segmentos populares, sem arranhar um mínimo do espaço de privilégios dos maganos do "livre mercado", nem os lucros, isentos de tributos, dos grandes bancos. Ou seja, fazendo o que foi feito pelo governo Samaras.


Tenham calma, portanto, os que pretendam se pautar nas divergências minoritárias internas do Syriza, que apostavam no tudo ou nada, para falar em rendição. Para um partido de tendências, que vai de ex-membros do PC grego a trotskistas e anarquistas, conviver com essas divergências é natural.

 

O fundamental é: compreender que no jogo da grande política quem sai de cara fechada não é o governo Syriza, que conseguiu o inimaginável, isto é, dobrar a lógica implacável da Troika e ganhar um fôlego fundamental para começar a governar.


Luta que segue! Portanto, com a necessidade da solidariedade internacional crescente ao povo grego.

 

 

Milton Temer é jornalista e ex-deputado federal pelo PT.

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