Correio da Cidadania

Por um Equador unido, integrado e soberano “na luta contra o império”

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Ricardo Ulcuango Farinango, parlamentar, ex-diplomata e ex-vice da Conaie (LWS)

Em entrevista exclusiva, Ricardo Ulcuango Farinango, reeleito à Assembleia Nacional e ex-presidente da poderosa Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), defendeu que o país vá às urnas no próximo domingo “na luta contra o império”, com a consciência de que “é necessário fortalecer a independência, avançando a industrialização para gerar novas fontes de emprego e com maior valor agregado”.

Na tentativa de impedir a chegada ao poder de líderes nacionalistas, o parlamentar denuncia “que o império persegue política e judicialmente os líderes progressistas, mesmo sem nenhuma prova, como aconteceu com Lula e Rafael Correa”, alerta para as manipulações midiáticas, fala da derrota da oligarquia e conclama a todos a se manterem vigilantes para impedir uma fraude no próximo domingo (15).

Confira a entrevista.


Qual a importância dos povos indígenas no processo de desenvolvimento do Equador?

O movimento liderado pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) tem levantado desde o seu nascimento, em 1980, a necessidade de uma Assembleia Nacional Constituinte para o estabelecimento de um Estado plurinacional. Esta foi a nossa luta permanente, enquanto os governos de plantão aprofundavam cada vez mais o neoliberalismo. Isso permitiu que o movimento assumisse a luta não só em defesa dos povos indígenas, mas também em defesa dos setores mais excluídos, do conjunto da população.

No final da década de 1990, vivemos em nosso país uma crise política e de governabilidade, justamente porque o neoliberalismo nunca deu uma resposta ao povo. Foi no decurso desta crise, com o povo equatoriano sedento de um líder, que surgiu Correa. Mesmo sem parlamentares, ganhou imediatamente as eleições e decidiu convocar a Assembleia Nacional Constituinte.

A Conaie tinha o seu projeto político de Estado Plurinacional e na Constituição de 2008 conseguiu introduzir quase 95% dele, que foi muito mais além e incluiu direitos das mulheres, dos jovens, das crianças e da natureza. A água como um direito humano e um Estado Plurinacional estão declarados na Constituição. 

Obviamente, houve uma falta de compreensão das lideranças indígenas, principalmente depois da sua aprovação, para implementá-lo. Talvez o Estado Plurinacional não tenha sido aprofundado porque houve aproximações e afastamentos entre governo e lideranças.

Quando o presidente Correa começou a fazer as transformações no país e, mesmo a nível regional, não só as lideranças indígenas, como as sindicais e demais, agiram como se não estivessem preparadas para viver esse processo de mudança, que estava sendo implementado na Venezuela, no Uruguai, no Brasil e na Bolívia.

Assim, a liderança indígena ficou na outra margem, e foi conflituoso, às vezes não sendo tão bem-sucedida. Rafael Correa conseguiu o reconhecimento que buscávamos na Constituição, mas não chegou a um entendimento entre a liderança indígena e o governo, o que gerou uma divisão. A direita aproveitou-se muito bem disso. Os líderes indígenas foram aplaudidos pela direita na época, porque isso beneficiou a oligarquia.

Mas no final, o movimento indígena conseguiu mais de 21 direitos na Constituição, que foram implementados, como o Estado Plurinacional.

Além do Estado Plurinacional, quais as conquistas que consideras mais significativas para os povos indígenas?

A administração da Justiça Indígena, o direito à educação, à saúde, o reconhecimento à biodiversidade, o direito à consulta prévia sobre medidas legislativas ou administrativas que afetem diretamente os seus direitos coletivos, a sua existência física, identidade cultural, qualidade de vida ou desenvolvimento, entre outros.

Acima de tudo, as comunidades indígenas se tornam o ator político mais importante do país. Às vezes isso não foi entendido pelas lideranças ou pela sociedade. E a direita, a oligarquia, sempre se mantiveram apostando num confronto entre o governo de Rafael Correa e a liderança indígena. Claro que isso não se deu tanto a nível de comunidades ou bases, que têm se somado ao projeto político de Correa e da Revolução Cidadã.

Às vezes também não conseguimos entender a dimensão política, econômica e a situação geopolítica que os governos de esquerda estão enfrentando. Mas o atual líder da Conaie, por exemplo, está sempre firme a defender as comunidades do neoliberalismo, os direitos do povo e da natureza.

Qual a porcentagem da população indígena existente no Equador?

Somos 7% de acordo com o censo, mas consideramos que somos mais, se considerarmos que a população indígena está assentada não só nas zonas rurais, mas também nas principais cidades, como Guayaquil, Quito e Cuenca, além dos que estão nas comunidades.

Quais pontos de conflito houve entre o movimento indígena e o governo Correa?

A questão do extrativismo é uma questão muito complexa. Mineração e exploração de petróleo são as questões mais contraditórias. O governo e o Tribunal Constitucional promoveram recentemente uma consulta popular sobre a não exploração de uma área localizada no Parque Nacional de Yasuní. Isso obviamente tem suas consequências, vantagens e desvantagens. Sou um antigo líder do movimento indígena. Fui presidente e quatro vezes vice-presidente da Conaie. Mas o caso é que o Equador precisa de recursos para que o país se desenvolva. Se não pudermos explorar o petróleo, não temos outros recursos.

Lembram-se quando o presidente Correa lançou ao mundo a proposta de deixar o petróleo no subsolo, desde que os países ricos, que o exploraram e se desenvolveram com graves prejuízos ao meio-ambiente, bancassem a iniciativa para o desenvolvimento do Equador? Embora aplaudido pelos ambientalistas, os recursos não apareceram. A consulta está feita [um plebiscito junto com o primeiro turno em que o povo disse não à exploração de petróleo em Yasuní], mas o país precisa de educação, saúde, obras de infraestrutura. Necessita de recursos para se desenvolver. Portanto, estas são questões que os próximos governos têm de enfrentar.

Estivemos aqui quando o presidente Correa estava governando. E houve uma luta com a oligarquia, nomeadamente com os monopólios de mídia, para a democratização da comunicação. Como avalia isso?

Com a chegada de Moreno (2017-2021), a legislação que regula o direito à comunicação, aprovada no período de Correa, foi mudada e o novo governo colocou a lei a favor da oligarquia e das grandes corporações que dirigem os meios. Assim, eles continuaram a ditar as regras e adulterar a informação. Não houve uma democratização das frequências para os povos indígenas, para o povo. Os mesmos grupos empresariais continuam a gerir os principais meios de comunicação. Desta forma, permanecem nas mãos da oligarquia que mente e continua a manipular a redistribuição das frequências. Por isso a luta pela democratização da comunicação é uma luta permanente.

Há expectativa de mudanças com o governo de Luisa González, que terá uma gestão de somente um ano e meio. Será possível avançar com a composição da Assembleia Nacional eleita?

Se ganharmos a presidência da República teremos maioria, sem dúvida, porque vamos dialogar no parlamento. Chegaremos a acordos, sobretudo em relação a questões programáticas e legislativas. Nesta questão não vejo grandes problemas na Assembleia Nacional, porque embora não tenhamos a maioria necessária para aprovar leis, somos um bloco majoritário. Dos 137 legisladores, somos 52. Precisamos de mais 20 legisladores para ter a maioria necessária. Certamente vamos ter esse apoio. Ganhando a presidência, o que é bastante provável, conseguiremos a maioria.

Luísa tem destacado a necessidade de investir em ciência, tecnologia e educação pública para abrir caminho à industrialização. Como enfrentar este desafio?

Luisa González e nós, como Revolução Cidadã, temos em mente a necessidade de avançar o processo de industrialização. Nesta questão, é óbvio, há inúmeros problemas. A ampliação da Refinaria de Esmeraldas, por exemplo, está trancada – o que torna o país dependente da importação de petróleo – e são necessários investimentos. Temos obviamente um tempo muito curto, mas consideramos que deveremos lançar as bases para o próximo governo avançar.

Precisamos agir para garantir, rapidamente, a geração de fontes de emprego e de produtos com maior valor agregado – num país que atualmente se sustenta pela exportação de camarão, banana, enlatados de pescado, cacau e elaborados e frutas naturais. Necessitamos de novas indústrias.

Para este processo de ruptura com a dependência, qual a relevância da integração latino-americana?

A integração é fundamental e avançou muito, mas precisamos mais. É muito importante a integração política e econômica, e tem a ver, por exemplo, com a União das Nações Sul-Americanas (Unasul). [que reúne os doze países da América do Sul: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela].

Assim que ganharmos e assumirmos o governo, temos de nos reintegrar imediatamente à Unasul.A sede da Unasul foi fechada em Quito pelo governo de Moreno e a estátua de Nestor Kirchner foi retirada

Vale recordar que o governo de Moreno chegou ao cúmulo de fechar sua sede em Quito e de retirar a estátua do presidente argentino, Néstor Kirchner, primeiro secretário-geral da Unasul, o que foi um absurdo. Portanto, temos de reabrir as portas do edifício da sede aqui no meio do mundo para que o secretariado da Unasul possa voltar.

Devemos dar todo apoio para que o parlamento da Unasul, cuja sede está sendo construída em Cochabamba, na Bolívia, comece a funcionar. Não podemos perder tempo. Na presidência, imediatamente, teremos de avançar no processo de integração da Unasul.

Outra questão que precisaremos implementar é o combate ao tráfico de drogas. Temos de enfrentar imediatamente este problema, para o qual devemos retomar o Conselho de Ministros de Defesa da região, porque ele já existia. Temos de implementar os Conselhos de Ministros da Defesa, de Ministros da Saúde, de Ministros da Educação, todos esses conselhos que colocam nossos países e povos em sintonia.

Temos de avançar, porque não podemos continuar a fazer as coisas isoladamente. O contrário só convém ao Norte. Por isso tenho de saudar a iniciativa do presidente Lula, que também começou mais firmemente a atuar pela retomada da Unasul.

E quanto ao Mercado Comum do Sul (Mercosul) e à Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac)?

O Mercosul e a Celac são processos que vêm ocorrendo, assim como a Comunidade Andina de Nações – bloco econômico formado por Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Chile e Venezuela. Assim, nós temos organizações internacionais desse tipo, que seriam perfeitamente viáveis, como o fortalecimento do processo da Unasul.

Qual é o aspecto mais importante? Que somos todos os países da América do Sul, e isso também nos permitirá fortalecer a Celac, investindo na cooperação econômica e científica entre nós.

Não vamos ficar de fora da nova ordem mundial, mas, agora, de forma mais independente, com o multilateralismo. Isso permitirá que acordos com outras regiões, seja com a União Europeia, com o Oriente Médio ou até com a própria América do Norte, se deem em melhores condições.

No mesmo ano de 1981, “acidentes” aéreos mataram três fortes opositores ao imperialismo, entre eles o presidente equatoriano Jaime Roldós. Qual o significado desta liderança?

Acho importante destacar o que representou Jaime Roldós não só como líder do povo equatoriano, mas da região. Um homem com quem podíamos lutar para que o nosso país fosse muito mais soberano, muito mais nacionalista. Obviamente, o império busca impedir que os processos de independência avancem. Apesar de não contarmos mais com Roldós, é como se ele estivesse ao nosso lado agora.

Recordamos que houve ditaduras na Bolívia, no Peru, no Paraguai, na Argentina, no Brasil e no Equador, para tomar as nossas riquezas, os nossos recursos naturais, e enviá-los para Washington. Eram militares formados no entreguismo da Escola das Américas. Nós tivemos militares nacionalistas, que defendiam a soberania, e por isso são sempre vistos com bons olhos.

A América do Norte está cada vez mais presente aqui, porque depois da ditadura, começaram a introduzir e formar líderes. Mas nos últimos dez anos, com o Comandante Chávez, o progressismo voltou a deslanchar. Com Lula, com Pepe Mujica, com o próprio Rafael Correa, com Cristina Kirchner. É por isso que se conseguiu criar a Unasul e também a Celac. E o Império não gosta disso, se utiliza das mais variadas ferramentas para perseguir política e judicialmente os líderes progressistas, mesmo sem nenhuma prova. É o que aconteceu com Lula e com Rafael.

O fato é que a oligarquia não está disposta a ceder o poder. Usaram todos os truques para impedir que o progressismo, neste caso a Revolução Cidadã, chegasse ao governo no Equador. No primeiro turno, chegaram até a assassinar um dos candidatos presidenciais, Fernando Villavicencio. Agora, a oito dias da eleição, executam os sete supostos assassinos nas prisões e começam a acusar diretamente o governo do presidente Correa pelo crime.

Acusam o “governo Correa” que está fora do poder desde 2017, há seis anos.

Eles estão desesperados porque o candidato deles [Daniel Noboa] está em baixa e nós estamos em alta. Portanto, é claro, utilizam toda essa falácia de acusar que o assassinato de Villavicencio foi realizado pelo “governo de Rafael Correa”, o que negamos veementemente. E apelamos à comunidade internacional para que esteja muito vigilante, porque está em curso uma tentativa de ataque à democracia no Equador.

Estamos seguros de que vamos ganhar, mas há o risco de fraude ou outra tentativa da oligarquia, que não quer deixar o poder. Eles estão ligados ao tráfico de drogas, ligados às máfias e não se importam com o povo. Por isso acreditamos que no próximo domingo o povo vai ganhar. A vitória virá, mas é preciso estar vigilantes.

Reitero os meus agradecimentos à Agência ComunicaSul por estar aqui, envolvendo esse conjunto de meios alternativos do Brasil, e espero que continuem acompanhando todo este processo. Mais uma vez, apelo às organizações sociais, às lideranças e aos principais movimentos políticos de esquerda do mundo. Que estejam muito atentos. A solidariedade deve se fortalecer neste momento para que a verdade prevaleça.

Caio Teixeira e Leonardo Wexell Severo são jornalistas do coletivo ComunicaSul.

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