Correio da Cidadania

Primárias na Argentina: não apostaríamos em Milei

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Milei gana la primera vuelta de las presidenciales en Argentina -NIUS
Getty Images

O resultado das eleições primárias na Argentina, realizadas no dia 13 de agosto, abalou o mundo político do país platino. A razão principal foi o fato de o candidato da extrema-direita, Javier Milei, superar os votos da chapa governista (Frente de Todos) e a de centro-direita, Juntos por el Cambio. Há poucos dias das primárias, as incertezas quanto aos resultados seguiam dominando o noticiário. As dúvidas se referiam às possibilidades de Sergio Massa superar os efeitos da crise econômica, ao resultado da disputa na chapa Juntos por el Cambio, entre Patricia Bullrich e Horacio Rodriguez Larreta, e sobre a efetiva votação de Javier Milei, que, após liderar as sondagens, havia declinado na preferência dos eleitores segundo as principais pesquisas.

A votação de Sergio Massa ficou abaixo do esperado (21,4%), enquanto a do segundo candidato da chapa governista, Juan Grabois (5,9%), ficou acima das expectativas. A maior surpresa foi a "vitória" de Milei (La Liberta Avanza), com 30,1%, acima inclusive das candidaturas de Bullrich e Rodríguez Larreta juntas, que alcançaram 27,6% dos votos. A vitória de Bullrich sobre Larreta não foi nenhuma surpresa, embora a diferença de votos, de mais 5 pontos percentuais, não fosse a mais esperada. Mesmo antes de se ter os números finais, já era possível avaliar a dimensão do impacto desses resultados.

O desempenho da candidatura do ministro da Economia confirmou que a avaliação do atual governo é péssima, como indicava o fato de o presidente Alberto Fernández ter declinado de sua candidatura. Ainda no campo peronista, o posicionamento ambivalente de Cristina Kirchner em relação a Massa explica em parte a votação obtida por Grabois, cujos votos devem migrar em sua quase totalidade para Massa.

Patricia Bullrich, candidata apoiada por Maurício Macri e pelos herdeiros do radicalismo, deverá receber a maioria dos votos de Rodríguez Larreta, embora não se descarte que alguns de seus eleitores se incline para a candidatura de Massa. Já no caso do “vencedor” das primárias, o maior desafio, passada a euforia inicial, será angariar novos apoios junto à extrema e à centro-direita e, quiçá, entre peronistas e esquerdistas desiludidos.

Será Milei o candidato favorito às eleições de 22 de outubro ou teria ele atingido seu teto? É difícil fazer qualquer prognóstico em relação a esta questão, embora a comparação com a eleição de Jair Bolsonaro possa ser útil. Se existem semelhanças entre os dois políticos de extrema-direita, como o discurso em favor de uma política econômica de corte fortemente neoliberal, a crítica implacável às esquerdas e a intenção de estreitar os laços com os republicanos norte-americanos, as diferenças podem indicar um destino diferente do que teve o político brasileiro.

Jair Bolsonaro manteve ao longo de sua carreira relações próximas com as Forças Armadas, em especial com o Exército, contou com o apoio da maior parte das lideranças políticas neopentecostais e, durante a campanha, recebeu progressivo respaldo de candidatos do PSDB, como foi o caso de João Dória em São Paulo (posteriormente seu adversário) e de Eduardo Leite no Rio Grande do Sul.

Em comparativo com as eleições anteriores do recente período democrático, nas quais PT e PSDB rivalizaram em primeiro ou em segundo turno, em 2018 os votos que se deslocaram do candidato tucano, Geraldo Alkmim, para Bolsonaro já no primeiro turno foram decisivos em sua eleição. Além destes aspectos, é importante lembrar que, no segundo turno, pesaram a seu favor a demora do PT na indicação de um nome alternativo ao de Lula, o polêmico atentado a faca a Jair Bolsonaro, que possibilitou sua ausência nos debates com Fernando Haddad, e a curta duração da campanha.

O caso argentino é distinto. Javier Milei não tem grande penetração nas forças armadas do país, que, aliás, desempenham na política um papel menos relevante que o que têm mostrado os militares brasileiros. Da mesma forma, o neopentecostalismo, embora influente na Argentina, não conta com presença equivalente à que políticos evangélicos construíram no Brasil.

No caso das eleições de 2018, não havia nenhum candidato com o perfil de Patricia Bullrich, ou seja, posicionado entre a centro-direita e a extrema-direita, não raras vezes flertando com esta segunda força, e com apoio partidário consistente. Bullrich disputará com Milei o voto de eleitores do campo conservador, em uma campanha mais longa que a brasileira, ou seja, com tempo para eventual desgaste de sua candidatura.

Historiadores não costumam fazer prognósticos e, menos ainda, acertar quando o fazem; mas não apostaríamos em Milei.

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Carlos Eduardo Vidigal é doutor em relações internacionais e professor de história da UnB. Autor de Relações Brasil-Argentina: a construção do entendimento (1958-1986).

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