Correio da Cidadania

Paz, democracia e eleições em 2018: a hora decisiva da Colômbia

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Democracia ampla e profunda, como se deve e se quer, é algo que a Colômbia ainda não conhece. A estrutura de uma sociedade fundada na apropriação da terra utilizando-se para tanto as formas mais elevadas de violência, ao lado de um regime político construído por uma classe dominante para propositalmente reduzir ao máximo a participação e a deliberação popular, constituem as características históricas do país.   

Sem embargo, nos tempos atuais, tempos de pós-acordo com as FARC, a tradução do conteúdo desses pactos e a luta pela sua implementação, depois de décadas de guerra, implicam uma exigência muito maior: a sociedade colombiana (e o mundo, diga-se enfaticamente também) não pode tolerar nem as vacilações dos governos, nem as posturas entorpecedoras do legislativo, nem muito menos as provocações e chamados ao retrocesso da guerra e da manutenção de privilégios para poucos, em detrimento da imensa quantidade de colombianos que precisam de atendimento imediato a suas demandas.  

No próximo 11 de março serão realizadas as eleições para o Congresso da Colômbia. Simultaneamente a consulta interpartidária para definir um pré-candidato presidencial das forças democráticas, progressistas e da esquerda no país, para que no dia 27 de maio – quando realizadas as presidenciais - tenham uma alternativa contra os que não têm proposta para o país, porém teimam em não entender que estamos em um novo momento. O processo deve criar uma opção de poder em benefício das maiorias sociais.

Chame-se a atenção novamente para o fato de que se trata das primeiras eleições em tempos do pós-acordo com as FARC, hoje um partido político – Força Revolucionária do Comum – e num espectro ainda de inércia de Santos para tomar decisões em prol dos acordos e prosseguir no diálogo com o Exército de Libertação Nacional – ELN.

Democracia não é apenas um discurso nem uma teoria, mas um modo de vida da comunidade política. Na Colômbia, o regime de escolha aos organismos de governo e ação legislativa continua contaminado pela ausência de garantias para os candidatos emanados dos movimentos políticos, sociais e populares que encampam as bandeiras transformadoras da paz e das reformas e mudanças do modelo econômico. Por outro lado a corrupção, a fraude e a troca e compra de votos continuam sendo determinantes e favorecendo aos setores que há décadas transitam pelo labirinto estatal com se fosse uma parcela da sua fazenda, sem noção de conceitos tão elementares como interesse público ou satisfação de necessidades públicas.  
 
A reforma política, que permitiria oxigenar a democracia, foi afundada pela direita mais atrasada que negou um sistema eleitoral que contasse com as circunscrições especiais de paz em favor das organizações das vítimas do conflito (que eram um ponto forte do acordo de paz). Hoje, o Centro Democrático, partido do ex-presidente Uribe, grade sabotador dos acordos, faz campanha contra os candidatos populares acusando-os de promotores do castro-chavismo, uma invenção já conhecida para tentar justificar os chamados à guerra e à manutenção dos privilégios da classe dominante.

As manifestações estimuladas de ódio contra a esquerda, a linguagem grotesca e o desprezo pela paz e o futuro digno, se acompanha pela desqualificação diária das candidaturas da esquerda, dos setores democráticos e populares e do novo partido das FARC, organização que, a verdade seja dita, não somente têm uma plataforma eleitoral condizente com os acordos que subscreveram, como continuam cumprindo-os, participando de atos e eventos de vítimas do conflito e mostrando sua vontade de reconciliação.  

Mais grave ainda é que paralelamente continua um processo acentuado de violência contra as lideranças populares. Com efeito, mais de 70 lideranças sociais foram assassinadas em 12 meses. O governo nega que se trate de algo sistemático. Entretanto, como muito bem aponta a organização Plataforma Pacifista, 40% das vítimas eram membros de comunidades indígenas ou camponesas, 20% pertencentes a movimentos sociais como Marcha Patriótica e o Congresso dos Povos e o restante pessoas que dedicavam sua vida a exigir pontos do acordo como a substituição de cultivos ilícitos ou exigiam a devolução de terras das quais foram despejados.

O pior: os crimes foram cometidos nas zonas mais afetadas pelo conflito de modo que a razão está ao lado dessa organização quando afirma não ser um problema aleatório, senão um tema de vozes e causas e uma responsabilidade do Estado colombiano. Não se trata de mortes ao acaso, por problemas de infidelidade conjugal ou brigas de rua, como afirmou o Ministro da Defesa.

Nesse difícil contexto, a União Patriótica, organização que vem reerguendo-se no cenário colombiano, depois do reconhecimento de seu caráter de entidade política eleitoral, apresenta ao Senado a candidatura de Aida Avella, uma mulher de coragem que teve que partir em 1996 ao exílio forçado depois de um atentado dos paramilitares de extrema-direita apoiados pelas máfias e setores do empresariado mais reacionário do país.

A lista eleitoral encabeçada por Aida, batizada de Lista dos Decentes, tem como candidato presidencial Gustavo Petro, que carismaticamente e com propostas claras em defesa da paz e das transformações sociais vem se afirmando como uma alternativa popular de poder, capaz de derrotar o projeto dos setores que prosseguem fomentando a guerra e o autoritarismo, e dos indecisos que aguardam o desenrolar dos acontecimentos para pescar no rio das contradições eleitorais e vender sua alma no momento justo à melhor oferta.

São precisamente os indecisos os que ainda não entendem que a hora da Colômbia é agora, e por isso é decisiva. O resultado das eleições determinará muito do que acontecerá no futuro no país. De se afirmar um Congresso “decente” e um governo democrático e popular, abrem-se as possibilidades de avançar consolidando, talvez pela primeira vez na história, um projeto diferente de vida para a comunidade colombiana amparado no respeito pela soberania nacional e numa gestão pública eficiente e dirigida a resolver as necessidades mais urgentes da população.

Dentre os pontos principais da Lista dos Decentes há questões a destacar, como a defesa do meio ambiente e em especial da água e da segurança alimentar ameaçadas pelos projetos das transnacionais dedicadas à predadora exploração mineira; a aposentadoria dos camponeses (não há no país um camponês que tenha conquistado o direito à aposentadoria) a paz com distribuição da terra, a garantia de direitos sociais como a saúde e a educação e a exigência do respeito às liberdades democráticas. Finalmente, há que destacar a ênfase feita ao fim da violência e o respeito à verdade, justiça e reparação como fórmulas de não repetição do conflito social e armado.

Trata-se, assim de uma campanha de muita persistência, sem garantias democráticas e sem democracia (nem no discurso e nem na prática por parte dos partidos de direita), extremamente importantes para continuar no caminho da paz duradoura. Um Congresso renovado e uma vitória de Gustavo Petro não somente teriam um impacto positivo na Colômbia, mas em toda a América, pois seria uma virada positiva, contribuindo a uma modificação de forças nos planos interno e continental.

A Colômbia passa por uma hora de decisões. A comunidade internacional deve olhar com bastante preocupação os fatos que entorpecem o país em sua travessia rumo a um caminho da paz, a partir de uma reconstrução da sua economia e da sua frágil democracia. São as primeiras eleições no tempo do pós-acordo e se abre uma possibilidade real de mudança.  

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Pietro Alarcón é professor doutor pela PUC/SP e assessor de organizações políticas e sociais para a paz na Colômbia.

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