Correio da Cidadania

O perigo de ser jornalista em Honduras

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Quando a Organização das Nações Unidas (ONU) cataloga Honduras como o segundo país mais perigoso para exercer o jornalismo, depois do México, a “indelével democracia” está esfarrapada.

Ambos países latino-americanos não padecem dos estragos de uma guerra civil, mas sua violência é comparada aos números de um conflito bélico. Ou seja, é como dizer que há uma guerra não declarada, cujas consequências pesam sobre seus habitantes.

O Comissionado Internacional dos Direitos Humanos em Honduras registrou em 2016 que 64 pessoas vinculadas com meios de comunicação foram assassinadas desde 2001.

Trabalhar como jornalista independente ou correspondente internacional em Honduras, assim como defensor de direitos humanos, é um trabalho que pode arrebatar a vida ou a liberdade do jornalista ou comunicador social nesta nação centro-americana.

A debilidade das políticas públicas orientadas a facilitar a livre emissão do pensamento com garantias de segurança é a característica estatal que situa em perigo o jornalismo em Honduras.

Organizações não governamentais como a Associação para uma Cidadania Participativa (ACI PARTICIPA) e o Comitê pela Liberdade de Expressão (C-LIBRE) são organismos hondurenhos que observam com suma preocupação e evidenciam o desrespeito à vida para com jornalistas e defensores de direitos humanos.

Um estudo publicado pelo C-LIBRE em 2015 descreve que no período entre junho de 2009 a outubro de 2015 foram 49 os jornalistas e comunicadores assassinados. Um aumento considerável justamente após a deposição de Zelaya pelas forças armadas.

Ataque a botinadas

“Já no chão, só conseguia sentir as botas deles na cara e no corpo”, afirmou a jornalista Dunia Montoya, quando em primeiro de setembro de 2015 foi hospitalizada por causa de uma agressão feita por vários agentes da Polícia Nacional, que também destruíram seu trabalho e equipamento.

O estudo sobre a situação dos jornalistas e defensores de direitos humanos publicado pelo C-LIBRE e pela ACI PARTICIPA também descreve que a jornalista Montoya foi lançada ao chão e atacada a botinadas no rosto e no tórax, provocando uma grave luxação em seu ombro direito, forçado para trás.

Dunia Montoya é a diretora da organização Comunicação Comunitária e correspondente de uma série de veículos de comunicação internacionais.

No presente, duplicaram as agressões, ameaças e até mesmo o encarceramento contra jornalistas e defensores de direitos humanos.

Em 24 de agosto de 2017 o diretor do jornal El Libertador, Johnny Lagos foi vítima de um atentado junto de sua esposa, quando saía de sua jornada de trabalho na redação do El Libertador e ambos foram interceptados por supostos sicários.

Neste atentado a esposa do jornalista ficou ferida como resultado da fragmentação do impacto das armas de fogo. Contudo, ambos se encontram estáveis em matéria de quadro clínico.

Esse atentado contra a vida do jornalista Johnny Lagos marcou novamente a preocupação de organismos internacionais como a representação do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU em Honduras, a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, entre outros.

Em 8 de setembro de 2017, no contexto da crise da Universidade Nacional Autônoma de Honduras (UNAH), quatro defensores de direitos humanos – entre eles a jornalista Maria Tomasa Morales – foram vítimas de maus tratos, desumanos e degradantes.

Tanto a jornalista como os defensores foram tirados abruptamente de um ônibus pertencente ao Alto Comissionado Nacional de Direitos Humanos. O uso da força, segundo descreveram organismos internacionais de direitos humanos, foi improcedente.

Pulverizados com gás tóxico diretamente nos olhos, o defensor de direitos humanos do Observatório Ecumênico Internacional de Honduras, Carlos El Cid, tem grandes chances de perder o olho esquerdo.

Todo este cenário de violência estatal se efetuou nos prédios da UNAH, cuja crise em 2017 deixou aproximadamente 60 estudantes criminalizados, assim como um estranho assassinato de duas pessoas vinculadas diretamente com a crise universitária.

Detidos por serem jornalistas e defensores da vida

Por sua vez, o jornalista autor deste artigo e correspondente internacional, Ronnie Huete Salgado, também foi submetido aos tribunais de justiça em 25 de maio de 2017, após realizar uma cobertura jornalística para meios de comunicação internacionais (entre eles, o Correio da Cidadania) de um protesto pacífico que faziam os estudantes da UNAH. Este caso também foi alertado por organismos internacionais de direitos humanos, assim como a governos que pertencem a um acordo de cooperação internacional com Honduras.

Desta forma, o exercício do jornalismo foi criminalizado, contudo, depois de três meses de processo judicial acabou comprovada a inocência do profissional. Huete agora é objeto de calúnias e difamações, além de perseguido por pessoas e veículos suspeitos na capital de Honduras, Tegucigalpa.

Ronnie ainda foi vítima de maus tratos e espancamento dentro do edifício administrativo da UNAH, durante a gestão da reitora Julieta Castellanos Ruiz.

Da mesma forma, os outros defensores de direitos humanos supracitados, assim como a jornalista Maria Tomasa Morales, foram submetidos aos tribunais de justiça, de forma a criminalizar o trabalho que fazem em prol da defesa da vida, contudo, depois de meses de processo, também comprovaram sua inocência.

Todos estes eventos violentos que ameaçaram a vida ou a liberdade de seres humanos, sob a lógica de um país civilizado e democrático, foram invisibilizados por alguns meios de comunicação corporativos destas bandas.

Os donos deste tipo de imprensa instrumentalizam a comunicação a serviço do poder corporativo de Honduras, com o objetivo de articular uma realidade ficcional e irreal diante dos olhos dos receptores e apegada a interesses políticos e econômicos do oligopólio financeiro que governa o país.

Malfeitorias

É possível notar que em muitos trabalhos publicados por esta imprensa corporativa há um fortalecimento da apologia ao ódio e às difamações, um apreço por calúnias, entre outras injúrias, contra quem o minúsculo grupo de poder corporativo considere um estorvo aos seus interesses.

Isto descreve um enfraquecimento das possibilidades de exercer um jornalismo de interesse público e compromisso com a verdade, posto que alguns repórteres já o reduziram a meras relações públicas, conforme a informação que acabou vendida através de pautas .

Com um alto grau de anti-intelectualidade, este jornalismo também é vítima do opróbio de alguns donos de meios de comunicação, posto que sem saber acabam instrumentalizados pelo discurso do poder desta elite financeira, que os converte em mercenários da informação.

O perigo do jornalista em Honduras está no pensar, em ser crítico com o contexto de injustiça que vive o país e desrespeita a dignidade humana, assim como o jornalista que denuncia os crimes, a corrupção, as negociatas e as violações de direitos humanos, também está na mira. Em Honduras, é perigoso pensar.


Ronnie Huete Salgado, hondurenho, é jornalista e defensor dos direitos humanos. É correspondente internacional do Correio da Cidadania e de outros veículos brasileiros, argentinos, espanhóis e mexicanos.
Traduzido por Raphael Sanz, para o Correio da Cidadania.

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