Correio da Cidadania

Quênia um ano atrás

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Um ano atrás estávamos no Quênia, sempre naquele ambiente dos Fóruns Sociais Mundiais, onde tudo nos parece possível. Naquele momento o sonho de “uma outra África possível”, “outro Quênia possível”, sempre tem uma força especial onde gente sonhadora, utópica, chame como quiser, expressa sua inconformidade com o mundo em que vivemos. Afinal, a situação é comprovadamente grave, mas não nos é permitido sermos conseqüentes com sua gravidade.

 

Nairóbi, a capital, é uma cidade que, à primeira vista, surpreende pela beleza e até pelo luxo. As multidões negras desfilam pelas ruas em sua elegância, seus carros importados, num trânsito caótico, mas de carros novos. Essa é a primeira impressão de quem ficar apenas pelas ruas principais da cidade.

 

Mas, bastou ir à favela do Kibera. Ali, numa missa da comunidade católica, pudemos conhecer o outro verso da moeda. Uma multidão de 400 mil pessoas vive confinada num espaço que nem os porcos sobreviveriam. À época fiz um artigo, dizendo que jamais tinha visto tanta miséria por metro quadrado. Algo semelhante só vira em Alagados, mas ainda na década de 80, antes da visita de João Paulo II.

 

Naqueles dias, o que conversávamos entre nós, visitantes, era a convivência aparentemente pacífica que tanto luxo ao lado de tanta miséria. Não nos surpreendia tanto, afinal o Brasil é assim. Mas a pergunta martelava a cabeça: e se um dia esse povo decidir ocupar o asfalto e os espaços de luxo?

 

Bastou um ano para a resposta nos vir claramente. Diante de eleições aparentemente fraudadas, as multidões foram para as ruas, mais de mil quenianos já foram mortos, numa revolta que agora parece solucionável apenas num acordo por cima, referendando por pessoas como Desmond Tutu, ele mesmo presente na abertura dos eventos religiosos do Fórum Social Mundial.

 

Fica a lição de sempre: só é possível um outro Quênia, uma outra África, um outro Brasil, se esses países, esses continentes, se aproximarem mais do que seja justiça social. Do contrário, ficamos apenas como brasas sob cinzas. Na hora oportuna a revolta emerge.

 

 

Roberto Malvezzi, o Gogó, é coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

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