Correio da Cidadania

A Batalha de Gênova (final): balanço e perspectivas

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O Correio da Cidadania republica a partir desta semana uma série análises de Gregório Maestri sobre a violenta repressão da polícia italiana aos protestos antiglobalização em Gênova (Itália), no encontro do G-8 realizado na cidade há 15 anos – entre 19 e 22 de julho de 2001 (e publicado à época dos acontecimentos). O autor elaborou suas análises, à época, a partir de uma incursão na história do país.

 

Os acontecimentos de Gênova motivam ainda hoje forte debate. Sobretudo na Itália, os fatos são aproximados a um ensaio virtual de golpe de Estado. Agora, sabe-se que, durante o cobre-fogo de 48 horas, Gênova foi "comandada" pelo fascista Gianfranco Fini, da Aliança Nacional, desde a célula operativa da polícia, onde se permite apenas o acesso de membros regulamentares do Estado, e não do governo.

 

Discute-se também sobre a responsabilidade dos dirigentes do GSF (Genoa Social Forum) na proposta da estratégia de "assalto ao poder", que teria levado os manifestantes às "armadilhas" de Gênova. Critica-se a não preparação dos manifestantes, em boa parte inexperientes, para a repressão, em parte previsível, em nome de um "pacifismo" romantizado.

 

Propõe-se que seria eventualmente preferível promover manifestações através da Itália e do mundo, criando dinâmicas políticas, sociais e territoriais mais vastas e permanentes. Defende-se que essa estratégia, menos midiatizável, globalizaria a luta e dificultaria a repressão.

 

Critica-se a ação da direção do GSF que, ao deparar-se com um morto e milhares de feridos, procurou elidir suas responsabilidades na orientação da manifestação, criminalizando acriticamente grupos radicalizados, como se esses velhos conhecidos da luta antiglobalização se apresentassem, em Gênova, pela primeira vez.

 

Mocinhos e bandidos


Denuncia-se o comportamento contraditório da direção do GSF que acusou os Blocos Negros de terem estragado a festa sem reconhecer o sentido estatal da infiltração policial. Lembra-se que ela propôs manifestação "pacífica" pelo direito de expressão e circulação e exigiu da polícia que os jovens radicalizados fossem reprimidos, presos e afastados.

 

Ressalta-se que a direção do GSF explica o extremismo juvenil como resultado da infiltração policial, sem compreender que essas ações, estúpidas e manipuladas, nascem de ódio anticapitalista profundo que se expressa no ataque a valores e símbolos da ditadura do capital – bancos, marcas, lojas etc.. Sentimento que deve ser valorizado e canalizado politicamente.

 

Lembra-se que não há sentido em criticar a resistência e transformar Carlo em mártir de Gênova. Mesmo não pertencendo às milícias negras, ele foi assassinado ao atacar unidade móvel da Polícia. Não era anarquista, comunista ou pacifista. Era apenas um jovem em ruptura com o mundo capitalista em que vivia, que respondeu violentamente à violência do Estado.

 

Critica-se duramente a ordem para que os manifestantes se entregassem à fúria policial, ajoelhados e de mãos levantadas. Forças sindicais e velhos combatentes comunistas e antifascistas lembram que essa orientação rompe com a tradição de luta operária e popular, oposta ao vandalismo, à provocação e às posturas martirizantes diante do opressor.

 

Paz entre nós, guerra aos patrões!

 

Aponta-se esse pacifismo como negação ontológica do direito de resistência. Lembra-se que foi a violência das massas que destruiu o absolutismo feudal, em 1789; a sociedade de classes czarista, em 1917; o nazi-fascismo na Europa, em 1940-45; a ditadura cubana em 1959-61 etc.

 

Denuncia-se o maniqueísmo da direção do GSF ao dividir a antiglobalização em "malvados" e "bonzinhos", amalgamando provocadores e anarquistas anticapitalistas, gentis militantes ambientalistas e combativos "macacões brancos" defensores da desobediência civil e da resistência à violência policial.

 

Ainda recentemente, os militantes "bonzinhos" dos centros sociais transformaram Milão em campo de batalha, no exercício do direito democrático de impedir reunião internacional de neofascistas em cidade que se destacou pela resistência durante a Segunda Guerra. A reação organizada desses grupos impediu que o massacre de Gênova tivesse sido maior.

 

Denuncia-se também a crítica oportunista da direção do GSF à falta de apoio da socialdemocracia ao anti-G8 e seu silêncio sobre os desastres políticos, sociais e econômicos causados pelos senhores da Terceira Via. Lembra-se que é demagogia atacar Berlusconi, mas nada dizer sobre as guerras "humanitárias" da socialdemocracia; sobre as repressões ‘socialistas’ da antiglobalização de Goteborg, Nice, Nápoles etc.; sobre a organização do esquema repressivo de Gênova pela coalizão de Oliveira.

 

Palanque mundial


Propõe-se que a vontade de "diálogo" de setores do movimento constitui estratégia de legitimação de direções antiglobalização diante dos líderes imperialistas e de utilização do movimento como meio de pressão nas disputas travadas no interior da Internacional Socialista.

 

Denuncia-se que a organização de diálogo excelente – as famosas teleconferências – entre "porta-vozes" da globalização e da antiglobalização apenas aumenta a visibilidade das tendências ‘integracionistas’ em detrimento das ‘autonomistas’, facilitando a proposta demagógica de uma globalização com rosto humano e aberta ao diálogo, avançadas em Gênova.

 

Assinala-se que os sucessivos anti-fóruns produziram cenário político onde "porta-vozes" da antiglobalização propõem ações e programas que não expressam as bases do movimento, mas forças e tendências superestruturais. Uma realidade facilitada pela prática dos anti-fóruns de não votarem programas conclusivos discutidos democraticamente.

 

Atualmente, as grandes estrelas da antiglobalização são Agnoletto, do GSF; Casarini, dos centros sociais; Ramonet, no Le Monde Diplomatique; o grupo ATTAC, defensor de propostas neokeynesianas – Taxa Tobin etc. Ironiza-se o empurra-empurra entre políticos europeus e sul-americanos para conquistarem um lugar na estreita boleia da antiglobalização e, consequentemente, na mídia nacional e mundial.

 

Que luta lutar


A grande polêmica prossegue sendo os objetivos de um movimento que reúne tendências que compreendem o neoliberalismo e a globalização como face reformável do capital e outras que os vêm como a essência da produção capitalista em sua fase senil. Discute-se sobretudo se a luta é pela humanização do capitalismo ou pela construção de uma sociedade apoiada no humanismo anticapitalista.

 

Assustado com a resistência de Gênova, Berlusconi propôs transferir o próximo encontro da FAO, de Roma, sua sede há mais de 50 anos, para Nairóbi (Quênia), mesmo não possuindo autoridade sobre a organização. Ao mesmo tempo, organiza com entusiasmo a reunião da OTAN sobre o Escudo Espacial, em Nápoles. Em resposta, o movimento antiglobalização já mandou seu recado para o chefe máximo da direita italiana: "nos veremos em Roma".

 

Desde o fim dos confrontos, centenas de italianos reúnem-se diariamente na Praça Allimonta, onde fotos, flores, pensamento e poesias assinalam o local onde caiu, para sempre, Carlo Giuliani. Noite e dia, jovens de rostos tristes e duros vigiam para que não se destrua, com jatos d’água, o miserável sacrário urbano levantado em honra à memória do jovem assassinado e de todos que, com ele, levantaram o punho contra os poderosos durante a batalha de Gênova.

 

 

Leia também:


A Batalha de Gênova (6): a síndrome de Gênova

 

A Batalha de Gênova (5): Escola Diaz, a repressão a frio

 

A Batalha de Gênova (4): 20 de julho – a sexta-feira negra

 

A Batalha de Gênova (3): A antiglobalização em branco, vermelho e negro

 

A Batalha de Gênova (2): Os senhores da guerra e o povo antiglobalização

 

A Batalha de Gênova (1): uma cidade-símbolo da globalização

 

Gregório Maestri, arquiteto, é belga, italiano e brasileiro.

Leia a publicação original em nossa edição 264.

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