Rio+20 e a matriz energética – Parte III

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Telma Monteiro
20/06/2012

 

Alguém sabe o que é Modicidade Tarifária? O que realmente pagamos numa conta de luz residencial?

 

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Modicidade Tarifária é definida como "o fator essencial para o atendimento da função social da energia e que concorre para a melhoria da competitividade da economia”. O Novo Modelo do Setor Elétrico criado pelas Leis 10.847 e 10.848, de 2004, tem entre seus objetivos principais garantir a segurança do suprimento de energia elétrica, promover a modicidade tarifária, promover a inserção social no Setor Elétrico Brasileiro pela universalização de atendimento.

 

Para ilustrar como a Modicidade Tarifária é uma balela, nada melhor que usar o exemplo de uma conta de luz residencial no valor de R$ 400,00: R$ 180,00 (45%) são encargos e impostos; R$ 104,00 (26%) são os custos de geração; R$ 94,00 (23,5%) são os custos da distribuição (redes locais); R$ 22,00 (5,5%) são os custos da transmissão.

 

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Os 45% são compostos por 23 impostos e 13 encargos. "O Governo Federal fica com 13,91% dos tributos, o estadual com 20,8%, o municipal com 0,02% e os encargos setoriais são de 8,78%. O percentual restante, de 1,56%, é destinado aos encargos trabalhistas (1). “O efeito acumulado da multiplicidade de tributos embutidos na conta de luz representa dez pontos percentuais a mais da economia nacional, que é de 35% do PIB”, pontua o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales."

 

O Brasil apresenta uma das maiores incidências de carga tributária do mundo sobre a tarifa final na conta de luz. O que a torna muito cara, mesmo sem acrescentar os custos sócio-ambientais relacionados à construção de hidrelétricas. Então, como engolir esse argumento das autoridades do setor elétrico sobre a nossa incrível matriz elétrica limpa e barata?

 

O que existe é a consolidação da capacidade de geração de energia por fontes sujas, caras e insustentáveis quando comparada à capacidade instalada de fontes alternativas genuinamente limpas. O resto do mundo já começou a agir, como a Dinamarca, que aprovou o plano ambicioso de gerar 50% de toda a eletricidade consumida no país a partir de energia eólica já em 2020 (2). Será que a Dinamarca consegue "estocar" vento e o Brasil não?

 

A evolução da nossa matriz "limpa e barata" está demonstrada no Balanço Energético Nacional. A participação da hidroeletricidade na matriz elétrica até diminui no período de 2009 a 2030, de 84% para 72%, mas há um aumento da participação das termelétricas de 7% para 13%, um aumento da participação energia nuclear de 3% para 4%, e um aumento "impressionante" de eólica de 0% para 1% (multiplicar zero é difícil!). Isso está demonstrado no gráfico abaixo.

 

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O Atlas do Potencial Eólico Brasileiro reavaliou o potencial eólico que aumentou de 143,5 GW (2001) para 300 GW (2010) de energia disponíveis para serem explorados (3). Foi previsto um aumento de 32 GW de hidroeletricidade entre 2010 e 2020. Bastaria, portanto, utilizar pouco mais de 10% do potencial eólico como complemento para evitar a construção das hidrelétricas planejadas na Amazônia. Se ainda for levado em conta o potencial de energia solar fotovoltaica, o Brasil ficaria num patamar de sustentabilidade energética de fazer inveja: sem precisar construir as novas hidrelétricas e explorando aquilo que temos em abundância: horas de sol.

 

Mas para o governo brasileiro, a geração eólica se situa no mesmo "bolo" junto com as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e a biomassa, sem que seja possível aferir quantos pontos percentuais será o aumento de cada fonte até o horizonte de 2020 (gráfico abaixo).

 

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Energia solar fotovoltaica nem é mencionada no planejamento de expansão do governo, pois faltam políticas públicas que incentivem o uso dessa fonte alternativa. As concessionárias de eletrificação rural e urbana não têm interesse em investir no desenvolvimento de mecanismos de inovação tecnológica em energia solar fotovoltaica. O sistema de distribuição já é deficiente como comprovam apagões locais em diversas regiões do Brasil.

 

O maior entrave ao desenvolvimento da energia solar fotovoltaica está mesmo na ausência de incentivos ao mercado para atrair investidores. Não há lacunas técnicas ou falta de interesse da sociedade, mas é nítida a sensação de que enquanto houver um único MW a ser explorado com hidrelétrica na Amazônia, a opção pela solar fotovoltaica não receberá a atenção do governo ou das fontes de recursos públicos.

 

Em 2011, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) divulgou o III Relatório Especial sobre Fontes Renováveis ​​de Energia e Mudanças Climáticas (SRREN), que mostra que as fontes renováveis (limpas) de energia suprirão 80% da energia em 2050. Para isso é preciso adotar políticas públicas que incentivem o uso dessas fontes mais limpas de energia. E o Brasil? O que tem feito nos últimos 20 anos em termos de políticas públicas para incremento de programas de eficiência energética e fontes alternativas às hidrelétricas?

 

Existe esforço concentrado do governo, grandes empresas e bancos para levar o país à liderança entre as nações ricas. Sem sustentabilidade. A exploração do petróleo do pré-sal, que ainda não tem nem uma tecnologia segura, é um sintoma dessa obsessão. E os biocombustíveis, o chamado combustível "verde" baseado na produção de monoculturas em terras férteis, muitas vezes utilizando trabalho análogo ao escravo, favorece o uso individual do automóvel em detrimento do investimento em transporte de massa.

 

A Rio+20 pretende reinventar a economia. Ela deverá ser "verde" daqui para frente, por exigência dos poderosos de plantão. A proposta é que a era da "economia verde" seja pouco intensiva em carbono, eficiente no uso de recursos naturais e socialmente inclusiva.

 

Qual será a nova definição de uso eficiente dos recursos naturais? Que se saiba, desde a Eco 92 temos perseguido o desenvolvimento sustentável com o objetivo de utilizar de forma eficiente os recursos naturais para que as gerações futuras tenham alguma chance de sobrevivência. Pelo menos na teoria. Então, o novo conceito é mais do mesmo, com outra roupagem? Estão criando novas estratégias de gestão e práticas pseudo-sustentáveis de dominação da natureza que, segundo as propostas, prevêem a erradicação da pobreza e a diminuição do abismo da desigualdade social.

 

Lógico que o Brasil pretende elucubrar a sua própria "economia verde” pós Rio+20 e, ao que tudo indica, no que tange a energia elétrica, deverá ser escorada em hidrelétricas, combustíveis fósseis, exploração do pré-sal, em metas pífias de conservação e eficiência energética. É melhor então esquecer a Rio+20 e começar a pensar na reconstrução da vida em algum ponto da galáxia, nos próximos vinte anos.

 

Só tem um caminho: despertar a opinião pública para uma sociedade menos perdulária, uma sociedade sustentável. Nada de aceitar a pauta “goela abaixo” de um crescimento imponderável.

 

Leia os outros artigos da série:

 

Rio+20 e a matriz energética brasileira – Parte I

 

Rio+20 e a matriz energética brasileira - Parte II


Notas:

 

1) 45% da conta é para pagar tributos, por Juliana Sampaio, FolhaPe, disponível em
http://www.folhape.com.br/cms/opencms/folhape/pt/edicaoimpressa/arquivos/
2012/Abril/29_04_2012/0034.html

 

2) Disponível em http://www.greensavers.pt/2012/03/28/dinamarca-tera-50-
de-toda-a-electricidade-a-partir-de-energia-eolica-em-2020/

 

3) Perspectivas da geração eólica na expansão da oferta de energia elétrica no Brasil - Amilcar Guerreiro

Diretor de Estudos Econômico-Energéticos e Ambientais da EPE, 2011.

 

Telma Monteiro é ativista sócio-ambiental, pesquisadora, editora do blog http://www.telmadmonteiro.blogspot.com.br, especializado em projetos infra-estruturais na Amazônia. É também pedagoga e publica há anos artigos críticos ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil.

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