As modernas tecnologias do campo são só capitalistas?

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Antonio Julio de Menezes Neto
17/04/2014

 

 

No combate ao agronegócio, os movimentos sociais e sindicais do campo passaram a questionar o uso de agrotóxicos pelo agronegócio e a defender a “agricultura orgânica” ou “agroecológica”, de tal maneira que estas técnicas de agricultura e cultivo têm se tornado, de certo modo, uma das políticas centrais nas lutas de diversos movimentos sociais campesinos.

 

É inegável que esta questão é fundamental, pois o uso abusivo de agrotóxicos, como no caso do Brasil, acarreta problemas de saúde para os consumidores e para os trabalhadores do campo, principalmente os trabalhadores do agronegócio, que aplicam estes pesticidas. Mas também afeta a toda a população e, por isso, deve-se cobrar uma rigorosa fiscalização dos serviços públicos de saúde, exigindo que as leis que regulam a aplicação dos agrotóxicos sejam cumpridas e tornadas mais severas.

 

A produção e a aplicação em larga escala, como é feita hoje, além dos malefícios que podem causar a saúde, também servem à concentração e reprodução do capital que investe no ramo dos agrotóxicos, transformando o alimento em mercadoria. Além do abuso do agrotóxico, temos a transgenia, que monopoliza as sementes em grandes grupos multinacionais. Política inaceitável, considerando a importância primeira do alimento na nossa vida.

 

A crítica à produção de sementes deve ser acoplada à denúncia das verdadeiras “fábricas de aves e suínos” e da fabricação de gado em grandes extensões de terras. Ou seja, o alimento, seja o vegetal ou o animal, está monopolizado e transformado em mercadoria. O agronegócio monopoliza a moderna tecnologia e a usa em seu favor. E este monopólio está relacionado à produção de “dinheiro e mercadoria” pelo agronegócio, mesmo que às custas de desemprego, danos ao meio ambiente e à saúde humana.

 

Porém, não podemos “fetichizar” a ciência e a tecnologia, colocando-a acima dos embates e das contradições sociais. Lembremos do movimento Ludista, na Inglaterra, no início da Revolução Industrial, em que os trabalhadores quebravam as máquinas considerando-as responsáveis por seus males. Mas depois compreenderam que o verdadeiro problema estava nas relações sociais de produção e reprodução que eram propiciadas pelo capital e começaram a se organizar, não contra as máquinas, mas contra o capitalismo.

 

A agricultura sempre foi motivo de inovações. A biotecnologia, por exemplo, é uma técnica muito antiga na história humana. Mas foi a modernidade que desenvolveu enormemente a ciência e as técnicas aplicadas ao processo produtivo. Como não poderia deixar de ser, o capitalista se apropriou destas tecnologias e passou a monopolizá-las. E como sabemos, abusou desta apropriação. E muitas vezes utilizando-as apenas na formação do lucro, abusou deste desenvolvimento. Mas este fato não pode afastar os trabalhadores do campo de usufruírem do desenvolvimento da moderna tecnologia, pois estas novas técnicas ajudam o trabalhador a ter um trabalho menos fatigante, além de poderem ser usadas no aumento da produtividade.

 

A industrialização e a informática têm sido importantes instrumentos para o desenvolvimento da agricultura e do domínio pelo trabalhador de seu processo produtivo. A meu ver, o mundo do trabalho deve disputar o moderno desenvolvimento científico e tecnológico, debatendo e sabendo discernir o que melhora a vida e humaniza o trabalho do uso indiscriminado e abusivo destas técnicas por parte do agronegócio.

 

A luta por um novo modelo de desenvolvimento e vida está vinculada, prioritariamente, à luta contra o capital, e não contra o desenvolvimento da moderna ciência e tecnologia. O trabalhador deve disputar o controle e a propriedade destas novas tecnologias, e não apenas censurá-las por estarem sendo mal usadas pelo capital.

 

Quando não se disputa a tecnologia e seu uso em sua totalidade social, corre-se o risco de aceitar o pragmatismo da pequena produção orgânica convivendo com a moderna produção capitalista. Deste modo, pequenas produções alternativas enfrentando a moderna tecnologia dificilmente conseguirão mudar a produção agrícola na sua totalidade. Além do mais, com isso, corre-se o risco de priorizar a produção orgânica e agroecológica em detrimento da luta política mais ampla contra a propriedade privada da terra pelo rentista ou a luta contra o moderno capitalista do campo

 

Porém, estes dois sistemas podem conviver concomitantemente, a agroecologia, por um lado, e o agronegócio, por outro. Mas esta convivência paralela é muito desigual e, permanecendo assim, ou se prossegue com o êxodo rural que os Censos demonstram, ou a agroecologia encontra um “nicho” no mercado e se satisfaz.

 

Saliente-se, ainda, que não existe contradição entre a produção orgânica e a reprodução do capital, pois a produção orgânica pode, se for de interesse das grandes empresas, ser adotada por estas.

 

Portanto, os movimentos sociais do campo não podem aceitar a “divisão social da agricultura” entre a agricultura de exportação e a agricultura orgânica e agroecológica, pois a luta deve ser mais ampla e a moderna tecnologia deve ser disputada socialmente.

 

 

Antonio Julio de Menezes Neto é sociólogo e professor na UFMG.

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