Cracolândia: internação. E depois?

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Anna Trotta Yarid
29/01/2013

 

Após anos do mais absoluto descaso e de muitas ações inúteis, assistimos esperançosos à decisão do governo do estado pela internação à força das pessoas viciadas no abuso de drogas e que vivem na rua – gente, na grande maioria, paupérrima e sem defesa, usuária de crack.

 

Não é difícil compreender a perda, por parte desses usuários, do poder de decisão e de autodeterminação, afinal, quem opta por abandonar tudo para viver nas ruas, em situação de absoluta indignidade humana, certamente perdeu o controle de sua vida. A questão que se impõe, porém, e no dizer dos especialistas, é que nem todos os usuários de crack ou de qualquer outra droga necessitam de internação.

 

Ora, se não precisam de internação, certamente precisam de tratamento ou acompanhamento ambulatorial, o que será necessário até mesmo àqueles internos, depois da internação. Então, onde estava a Secretaria Municipal da Saúde na assinatura desse termo de cooperação para garantir a assistência integral?

 

Para aqueles que não sabem, a internação psiquiátrica – medida de privação da liberdade – foi regulamentada pela Lei 10261/2001, que prevê a internação como medida excepcional e individualizada. Assim, nem de longe pode ser considerada uma política pública.

 

Somada a isso, o mais rotineiro dos fracassos oficiais, que é a falta de vagas e de psiquiatras: como pretende o governo do estado construir um ambiente apropriado para a recuperação dos dependentes químicos? E como ficam a repressão ao tráfico e a prevenção ao consumo?

 

Até mesmo questões rotineiras de como obter o laudo médico de internação para essas pessoas que se recusam a qualquer tipo de tratamento, e de como e quem deve levá-las para internação, essenciais para garantir a acessibilidade do serviço, ainda pendem de respostas.

 

Para enfrentarmos problema tão complexo, resultado de anos de omissão do Estado, precisamos de uma política pública eficiente, caso contrário restarão dúvidas sobre ser essa medida de internação uma ação que visa efetivamente ajudar os incomodados com a própria miséria humana ou apenas uma medida isolada para agradar os que são incomodados com a miséria alheia.

 

Não estamos defendendo, em hipótese alguma, que nada deve ser feito. Mas, quando é imperioso que se faça alguma coisa, não podemos nos contentar que se faça qualquer coisa.

 

Olhar para Cracolândia sem sombra de dúvidas assusta e dói muito, porque reflete em situação extrema nossa sociedade doente, mas ‘varrer as pessoas para debaixo do tapete’ seria o mesmo que andar para trás.

Anna Trotta Yaryd é promotora de Justiça do Estado de São Paulo e Integrante do Movimento do Ministério Público Democrático.

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