Estado a serviço do patrimônio

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D. Demétrio Valentini
06/09/2012

 

 

Vai para quase vinte anos o Grito dos Excluídos. Lançado pela primeira vez em 1995, daí por diante compareceu, anualmente, por ocasião da Semana da Pátria, no seu dia mais emblemático, o Sete de Setembro.

 

Neste ano não podia ser diferente. E com um apelo bem claro e consistente: “Queremos um Estado a serviço da Nação, que garanta direitos a toda a população”.

 

O Grito tem endereço certo e proposta operativa. Trata-se do Estado e de sua verdadeira finalidade.

 

Diante de afirmação contundente e propositiva, convém de imediato uma explicação conceitual. Pois ao se falar de “Estado” podemos estar supondo coisas diferentes, embora parecidas.

 

A palavra “Estado” pode ter uso exclusivo no singular, ou uso diverso no plural. No plural, por exemplo, nos referimos aos estados brasileiros, que na prática já são vinte e sete, cada um com seu nome.

 

Quando falamos de “Estado”, no singular, queremos nos reportar ao “aparato organizativo”, que é montado para servir de instrumento para regular os serviços públicos da sociedade onde vivemos. Referimo-nos, então, à maneira como é montado este aparato, que assume destinação política, se reveste de corporação jurídica, se estrutura para agir em favor de quem ele se coloca a serviço.

 

Vai daí que então o Estado se molda de acordo com aquilo que fazemos dele. E ele vai ficando do jeito como é conduzido, ou até do jeito como não é conduzido, mas deixado para que aja até contra os interesses de quem deveria mantê-lo dentro de suas finalidades verdadeiras.

 

Estas breves observações nos motivam a conferir como anda o “Estado brasileiro”, como ele foi pensado, como ele foi estruturado, a serviço de quem ele está atuando.

 

O questionamento sobre o Estado brasileiro é lançado pelo Grito dos Excluídos, mas também é feito no âmbito mais vasto de uma nova “Semana Social” que a CNBB está incentivando. A proposta desafiadora é conferir “que Estado nós temos”, para ver “que Estado nós queremos”.

 

O Grito não perde tempo, e vai direto à sua postulação. Mas isto não deixa de exigir que se faça uma reflexão com mais tempo e profundidade sobre este assunto que se mostra mais do que atual, pois é urgente.

 

Para ir provocando a reflexão, daria para traçar o perfil aproximado do Estado brasileiro. Suas pinceladas não são nada animadoras. Tanto mais nos sentimos provocados a construir “O Estado que queremos”.

 

Em primeiro lugar, olhando “O Estado que temos”, constatamos uma marca registrada persistente e arraigada. É um Estado “patrimonialista”. A palavra logo acena para o “patrimônio”, nos ajudando a perceber que o Estado privilegia o patrimônio como o valor maior que ele tem a promover e a defender. Mas aplicada esta palavra ao “Estado que nós temos” faz também pensar numa das distorções mais freqüentes que acontece com o Estado, quando manobrado a favorecer o patrimônio de quem ocupa as suas funções!

 

O nosso Estado pode também ser chamado de “clientelista”, na medida em que ele se coloca a serviço não de toda a população, mas de uma classe privilegiada.

 

E quando olhamos a maneira como os poderes de que se reveste um Estado para bem servir, se em vez de servir começa a ameaçar aqueles a quem deveria se destinar, o Estado assume o caráter autoritário. Quando tal atitude equivocada assume ares absolutistas, o Estado vira suporte da ditadura.

 

Se é legítimo colocar o Estado a serviço do verdadeiro desenvolvimento, se ele o promove em detrimento da justiça social e ignorando os cuidados para a sua sustentabilidade, o Estado pode ser apelidado de “desenvolvimentista”.

 

Partindo destas breves constatações, nos damos conta como precisamos, sempre de novo, conferir como deveríamos controlar o Estado, para que esteja de fato a serviço de toda a população.

 

D. Demetrio Valentini é bispo da diocese de Jales-SP.

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