As chagas do Pinheirinho

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Venâncio de Oliveira
07/02/2012

 

A barbárie ocorrida em São José dos Campos, no Pinheirinho, de despejo de 9.000 pessoas, está difícil de digerir. A violação em massa de direitos humanos, à luz do dia, até mesmo o impedimento de cobertura jornalística, são fatos que impressionam. A truculência, o cinismo e o desrespeito aos direitos sociais da constituição, em nome da defesa da propriedade – duvidosa – de um especulador, devem servir de ensinamento para a esquerda no porvir da luta social. Não apenas para garantir o direito destas famílias despejadas, mas como análise de possíveis cenários da luta de classes.

 

É necessário inserir o contexto econômico deste despejo para enquadrar seus possíveis determinantes. Aqui, os responsáveis pela barbárie vão se ampliando. O governo federal não é apenas omisso por não tomar uma atitude efetiva em apoio às famílias do Pinheirinho – diferente da tímida crítica pública que fizeram -, mas também responsável por criar um cenário econômico que piora o quadro de déficit habitacional.

 

O neodesenvolvimentismo urbano apenas encobre as contradições históricas brasileiras, sobre a capa de crescimento econômico de grandes obras. Mas, não resolve o eixo essencial de exclusão e desigualdade brasileira: o grande déficit habitacional, a especulação imobiliária, os monopólios territoriais e a apropriação do fundo público pelo capital para gerar rendas para a oligarquia urbana (especuladores, incorporadores imobiliários, empresários da construção civil e, em menor medida, classe média proprietária), às custas do trabalhador (morador e construtor).

 

O governo fez diversas obras com o discurso de geração de habitação com infra-estrutura para todos, desde o PAC até o plano Minha Casa Minha Vida. Também é propalado que a Copa do Mundo vai estimular investimentos, gerando desenvolvimento social e econômico para o país. Além de tudo isto, existe geração de emprego e renda na construção civil, que por sua vez estimula a economia, conjugada com os outros programas de assistência social e de ampliação de crédito.

 

Aqui, estaríamos no círculo virtuoso: o governo investe, as pessoas consomem e os empresários contratam e ofertam bens e serviços. Esta fórmula rendeu altas taxas de aprovação para o governo Lula e a eleição de Dilma. Enfim, estamos crescendo, coisa que se viu muito pouco na época anterior.

 

A grande questão são os termos deste crescimento, baseado no modelo anterior com uma política diferente. De fato, o governo foi mais atuante que o anterior, porém, não se comprometeu a combater as contra-reformas: liberalização de mercados de trabalho, financeiro e privatizações, e o velho monopólio da terra urbana conjugado com especulação imobiliária. Usufruiu deste mesmo modelo: todas as propostas de política contavam com o capital como parceiro principal.

 

Para a habitação, principalmente, o modus operandi foi: liberação de recursos para o capital imobiliário especular. Conseqüência, todas as obras que vêm sendo propaladas como estímulo de progresso estão piorando o quadro de precarização das condições de moradia da população. O plano Minha Casa Minha Vida ajudou a inflacionar o preço da casa e dos aluguéis, somado com o PAC e com as expectativas da Copa do Mundo.

 

Aqui, voltamos para o cenário que desmascara a propaganda, bem como aponta desenlaces possíveis: o Pinheirinho evidencia a crise social e política que se mira no horizonte do cenário nacional. Crescimento do mercado imobiliário implica acirramento das contradições urbanas e políticas, isto é, a guerra de classes rompendo com o pacto proposto pelo PT.

 

O Pinheirinho representava uma zona conquistada pela luta: ocupação de trabalhadores de um terreno (massa falida de um especulador) que deveria ser objeto de reforma urbana. Para o mercado aquilo era um objeto de valorização, portanto, uma invasão.

 

O despejo, ao mesmo tempo, que libera a área para ser valorizada, cria uma nova demanda social. Aqui, novo território se faz propriedade privada e potencial de lucro. Mas também estimula o governo a liberar fundo público para o capital se apropriar, qual seja, recursos para construção de moradia social.

 

Assim, a política econômica alimentou a voracidade do capital por mais propriedade para vender, gerar renda e lucro. Bem como fomenta a saída mais repressora e conservadora para uma questão social. Aqui o PSDB se renova, numa linha mais truculenta. As táticas e ações do governo Alckmin são um tubo de ensaio para uma resposta à direita a uma crise social futura.

 

Com sua política de conciliação, o PT abre espaço para o óbvio de uma luta de classes: não existe pacto que se sustente de um lado o capital que quer explorar todo espaço possível, e de outro a classe trabalhadora, que gera o lucro deste capital, necessita viver e morar.

 

Quem está com quem? No momento que o governo Dilma lava as mãos, abre espaço para o PSDB ditar as regras do capital, qual seja, tirania, morte, repressão e exclusão social. Aqui a direita ensaia uma radicalização de sua política de manter a ordem.

 

A esquerda tem tarefas gigantes pela frente. A união de toda a esquerda militante em torno do Pinheiro foi ímpar. Devemos ir além, conseguir uma plataforma de lutas e um programa que consiga resolver as contradições reais da classe trabalhadora. É necessário superar a dispersão de forças, conseguir criar espaços que rompam com o consenso de classes.

 

A maquiagem lulista é frágil e quando cair o cão raivoso que ela segurou vai aparecer com mais ódio, qual seja, a burguesia brasileira. A esquerda deve se reconstruir, romper com o caminho do meio, para barrar a barbárie que se esconde no final do túnel.

 

Venâncio Guerrero é economista e militante do Tribunal Popular da Terra.

Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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