Incidente na USP, com porrete tucano

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Otto Filgueiras
17/11/2011

 

 

O alvoroço provocado pela truculência da Polícia Militar foi tão grande que até os mortos pareciam escutar, ameaçavam voltar à vida e há quem diga que muitos já caminhavam com seus corpos apodrecidos pelo campus da Universidade de São Paulo (USP), na região oeste da capital paulista.

 

Numa cena imaginária e semelhante à que acontece em Incidente em Antares, magnífico livro do escritor Érico Veríssimo, clássico da literatura brasileira, os mortos chegam ao pátio das Faculdades de História e Geografia, onde uma assembléia de três mil estudantes decidiu, na noite de 8 de novembro passado, decretar greve dos alunos na universidade, em protesto contra a violenta repressão policial que na madrugada daquele mesmo dia desalojou e prendeu 73 colegas que ocupavam o prédio da reitoria há uma semana.

 

No romance Incidente em Antares, sete personagens da ficção – a matriarca da cidade Quitéria Campolargo, o sapateiro anarquista Barcelona, o advogado Cícero Branco, o jovem pacifista João da Paz, o alcoólatra Pudim de Cachaça, o pianista Menandro Olinda e a prostituta Erotildes de Tal -, que morreram no mesmo dia, são impedidos de serem enterrados por causa da greve dos coveiros e vão para o centro da cidade exigir o enterro, mas enquanto isso não ocorre contam todos os podres do lugar.

 

Os mortos do mundo real brasileiro são operários, estudantes e professores, todos presos políticos, torturados e assassinados nos tempos da ditadura militar. Muitos são mortos sem sepultura porque seus corpos nunca foram entregues pelos militares às suas famílias e amigos para enterrá-los, a exemplo de Honestino Guimarães, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), dos vice-diretores da entidade Helenira Resende, Umberto Câmara Neto, Gildo Macedo Lacerda e quase duas centenas de outros presos políticos “desaparecidos” e assassinados.

 

Na final da madrugada de 8 de novembro passado, como ocorria nos tempos em que a UNE enfrentava o regime militar, a ação policial para desalojar o grupo de estudantes que ocupava o prédio da administração da reitoria da USP começou às cinco horas da manhã, quando os jovens rebelados ainda dormiam. A operação de guerra para reintegração de posse do prédio, determinada pela Justiça, foi montada na calada da noite pelo comando da Polícia Militar paulista, pelo reitor João Grandino Rodas e pelo governador Geraldo Alckmin. Incluiu 400 homens da Tropa de Choque armados com bombas de gás, escopetas e até submetralhadoras, soldados da cavalaria, helicópteros, 50 viaturas e muita truculência. A ação recebeu também apoio de donos e prepostos bem pagos da grande mídia empresarial.

 

Os estudantes que ocupavam a reitoria havia seis dias acreditavam na negociação e imaginavam ingenuamente que não haveria repressão policial, mas foram surpreendidos, presos e acusados de depredarem o patrimônio público. Eles garantem não terem danificado o prédio e dizem que a destruição foi feita pelos próprios policiais, durante a invasão para a reintegração de posse da reitoria. A ocupação dos alunos teria ficado restrita ao térreo e “os demais ambientes do prédio permaneceram fechados durante todo o tempo, juntamente com todos os documentos da reitoria", dizia à imprensa Pedro dos Santos, estudante de Geografia preso na ocupação.

 

Mas os alunos quebraram um dos portões do prédio, por onde entraram na noite em que ocuparam a reitoria, câmeras de segurança do andar térreo para não serem filmados, e fizeram pichações com mensagens sobre os objetivos da rebeldia. "Além de terem arrebentado portas e janelas ao entrarem no local, os policiais quebraram tudo. Até mesmo no momento em que todos os estudantes estavam sentados de cabeça baixa e encostados a uma parede, por ordem dos próprios policias, só se escutava barulho de estilhaços de coisas", dizia Pedro dos Santos.

 

Os estudantes também negaram a existência de coquetéis molotov, que os policiais dizem ter encontrado durante a revista do local. "Com certeza esses possíveis coquetéis foram ‘plantados’, até porque não houve nenhuma decisão coletiva para uso desses ou de qualquer outro explosivo", dizia João Denardi Machado, estudante de História preso na ocupação, confirmando apenas a existência de fogos de artifício que seriam usados para a comunicação com os colegas do campus, caso houvesse a ação policial.

 

Mas não houve tempo para nada e até o CRUSP, a residência universitária da USP, foi atacado pela polícia, que jogou bombas de gás lacrimogêneo, conforme demonstra vídeo feito pelos estudantes que moram no local. Nas imagens do vídeo aparecem as bombas atiradas pela PM e uma nuvem de fumaça após as explosões, além de se ouvir uma aluna berrando que estava sendo agredida: “Eu sou uma mulher e estou sendo violentada pela polícia”.

 

A partir desse momento, o campus da USP foi finalmente ocupado militarmente como se fosse um latifúndio grilado e confirmava as previsões feitas dias antes pelo grupo Universidade em Movimento sobre a ocupação da reitoria pelos estudantes:A USP é a universidade mais antidemocrática do Brasil. Se os estudantes tivessem voz no Conselho Universitário, se essa instância fosse paritária, se o reitor fosse eleito pelo voto direto da comunidade universitária, certamente não haveria ocupações, greves, paralisações, protestos. Errando ou acertando, o fato é que os estudantes lutam porque as decisões na USP são tomadas por um pequeno círculo de poder que se comporta como se fosse proprietário da USP”.

 

Entre os 100 integrantes do Conselho Universitário, 63 são dirigentes das instituições nomeados pelo reitor e há apenas um professor doutor, disse em entrevista à Rádio CBN Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP e coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade.

 

A indicação dos três nomes para o cargo de reitor da USP é feita por eleição indireta num colegiado reduzido de algumas centenas de pessoas, enquanto a comunidade universitária da USP soma mais de 100 mil estudantes, professores e funcionários. Mesmo sendo o segundo nome da lista tríplice de uma eleição indireta, o conservador e autoritário João Grandino Rodas foi o preferido do então governador José Serra.

 

A revolta

 

Poucas horas depois da investida truculenta da PM, a diretoria da Associação dos Docentes da USP (ADUSP) divulgou nota condenando a ação policial e o Diretório Central dos Estudantes convocou os colegas para “fazer um grande ato em frente à reitoria a partir das 12 horas de hoje”. Mas a manifestação na frente da reitoria, que continuava sob a guarda de soldados armados da Polícia Militar, só começou às 15 horas, foi dirigida por diretores do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP) e juntou apenas 500 estudantes, que assistiram a uma aula ao ar livre sobre democracia, proferida pelo professor Paulo Arantes, contrário à repressão policial, à presença de tropas da polícia na universidade e ao convênio assinado pelo reitor João Grandino Rodas com a PM.

 

Enquanto isso, um grupo de alunos protestava em frente à 91ª Delegacia de Polícia de São Paulo para onde os 73 colegas presos foram levados. Mas as moças e rapazes presos se recusaram a sair do ônibus da PM, a prestar declarações na delegacia e bateram pé firme que só falariam em juízo. Paralelamente, a advogada da Conlutas (Coordenação Nacional de Lutas), Eliana Lúcia Ferreira, providenciava o pagamento da fiança de R$ 545 de cada um dos alunos presos, num total de R$ 39.240, arrecadado por filiados da entidade em todo o Brasil.

 

O reduzido número de estudantes presentes ao ato das 15 horas na frente da reitoria parecia indicar apatia frente à repressão policial e mesmo certa passividade da maioria dos estudantes da USP em relação à presença da PM no campus. Mas algumas horas depois, quando já passava das oito da noite, três mil alunos se reuniram em assembléia no pátio das Faculdades de História e Geografia e decidiram fazer greve geral do corpo discente, em protesto contra a invasão da USP pela Polícia Militar, a prisão de colegas ocorrida no início da manhã, exigindo a saída dos soldados do campus, a readmissão de funcionários demitidos em 2009 e o afastamento do reitor João Grandino Rodas.

 

Tudo começou porque a Reitoria da USP, depois da morte do aluno Felipe Ramos de Paiva, de 24 anos, durante tentativa de assalto ocorrida em maio passado no estacionamento da Faculdade de Economia e Administração (FEA), aproveitou o episódio para assinar convênio com a Secretaria de Segurança Pública para que a Polícia Militar reforçasse o patrulhamento no campus. Mas o principal objetivo de João Grandino Rodas era vigiar as atividades estudantis, sindicais e, ao invés de fazer o patrulhamento preventivo contra assaltos, os policiais passaram a revistar, constranger e ofender alunos e professores da mesma forma como fazem com a população mais pobre de São Paulo.

 

A rebelião estudantil começou em 27 de outubro passado, depois que soldados da Polícia Militar prenderam três alunos que supostamente fumavam maconha no estacionamento das Faculdades de História e Geografia. Enquanto os policiais levavam os rapazes para um carro de polícia, um grupo de estudantes começou a protestar e impediu que os colegas presos fossem conduzidos à delegacia.

 

O protesto cresceu com a participação de mais alunos, os policiais chamaram reforços e, depois de muita discussão entre a polícia, estudantes e professores, a PM iniciou a pancadaria. Os estudantes gritavam palavras de ordem contra a presença policial e exibiam livros como forma de protesto, até que uma viatura da PM avançou sobre os manifestantes e um aluno arremessou um cavalete em direção aos policiais. Com truculência, os soldados atacaram os estudantes que estavam perto dos carros de polícia com cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e davam tiros com balas de borracha, ferindo alunos e professores.

 

A partir daquele dia a grande mídia empresarial, televisionada e escrita, deu destaque nos seus noticiários ao incidente, que resultou primeiro na ocupação do prédio da administração da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) por um grupo de estudantes naquela mesma noite. Dois dias depois, os estudantes saíram do local e ocuparam o andar térreo do prédio da reitoria. Com raras exceções, a grande mídia empresarial dizia nos seus noticiários que as moças e rapazes rebeldes eram “maconheiros” e “filhinhos de papai ricos”, que defendiam o consumo e tráfico de drogas na USP, além de serem “esquerdistas” e “baderneiros”.

 

Passeata contra a PM

Mas que vergonha, achar que a greve é por causa da maconha”, berravam em coro cerca de quatro mil estudantes que participavam de uma passeata pelo centro da cidade de São Paulo, na tarde do dia 10 de novembro passado. Trajando roupas brancas e com rostos pálidos por conta da maquiagem, moças e rapazes da ECA, Escola de Comunicação e Artes da USP, seguiam na frente da manifestação e, em várias esquinas por onde o cortejo passava, eles deitavam-se no chão como se estivessem mortos e, na frente dos “cadáveres”, havia uma tampa de caixão funerário com a inscrição “os mortos pela PM”.

 

A tradição truculenta da Polícia Militar paulista contra os movimentos sociais e contra a população pobre e negra da cidade é uma das razões da revolta estudantil. O Estudo Global sobre Homicídios – 2011, realizado pelo Departamento de Drogas e Crimes da ONU (Organização das Nações Unidas) - diz que, entre 1998 e 2008, mais de 520 mil pessoas foram assassinadas no Brasil, com uma média de 47.360 homicídios por ano. Segundo o levantamento da ONU, dentre as 207 nações pesquisadas, o Brasil apresenta o maior número absoluto de homicídios anuais: 43.909, em 2009.

 

Com apenas a quinta maior população do mundo, o Brasil lidera o número de homicídios mundial, seguido da Índia, com 40.752 mortes em 2009. Mas a população total indiana é quase seis vezes maior que a brasileira, e a China, país mais populoso do planeta, com sete vezes mais o número de habitantes do Brasil, teve três vezes menos assassinatos: 14.811 homicídios em 2008.

 

Já o “Mapa da Violência 2011”, estudo publicado em fevereiro passado pelo Ministério da Justiça do Brasil, com base numa pesquisa realizada em todo território brasileiro e coordenada pelo professor Julio Jacobo Waiselfisz, diz que, em cada três assassinatos ocorridos entre 1998 e 2008, dois foram de pessoas negras, sendo a esmagadora maioria de jovens pobres do sexo masculino, entre 15 e 24 anos. Em 2008 morreram 103% mais negros que brancos, afirma o mesmo estudo, enquanto, dez anos antes, em 1998, essa diferença já existia, mas era de 20%. Os números também mostram que, enquanto os assassinatos de brancos vêm caindo, os de negros continuam a subir. De 2005 para 2008 houve uma queda de 22,7% nos homicídios de pessoas brancas; mas, entre os negros, as taxas subiram 12,1%.

 

Uma reportagem do Portal R7 comprovou que a Polícia Militar paulista matou mais que todas as polícias americanas entre 2005 e 2009: “Com uma população quase oito vezes menor do que a dos Estados Unidos, o estado de São Paulo registrou 6,3% mais mortes cometidas por policiais militares do que todo os EUA em cinco anos, levando em conta todas as forças policiais daquele país. Dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública, e analisados pela Ouvidoria da Polícia, revelam que 2.045 pessoas foram mortas no estado de São Paulo pela Polícia Militar em confronto – casos registrados como resistência seguida de morte - entre 2005 e 2009”.

 

A matéria diz que “o último relatório divulgado pelo FBI (polícia federal americana) aponta que todas as forças policiais dos EUA mataram em confronto 1.915 pessoas em todo o país no mesmo período”. As mortes são classificadas como justifiable homicide (homicídio justificável) e definidas pelo “assassinato de um criminoso por um policial no cumprimento do dever”.

 

Especialista em polícia do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo afirma na matéria que existe uma diferença na própria história da Polícia Militar brasileira, que foi consolidada no período da ditadura e criada com o objetivo de defender o Estado de seus inimigos. Essa “lógica de guerra”, segundo Carolina, se mantém. “Até hoje, a Polícia Militar é força auxiliar do Exército. Ou seja, se tiver uma guerra, a PM pode ser acionada. Ao mesmo tempo, ela tem que estar na rua e 99% do que ela faz não é combater o crime, mas lidar com conflitos cotidianos, coisas banais”.

A rebeldia dos estudantes tem também outra explicação objetiva e bem diferente do que tem dito a grande mídia empresarial: uma parte considerável dos alunos da USP é formada por pessoas mais simples, não tem carro próprio, trabalha para custear seu sustento e depende do transporte coletivo para se locomover e assistir às aulas na Universidade. Portanto, são estudantes empobrecidos, conforme demonstra levantamento feito pela Fuvest: entre os 146.885 jovens inscritos para o exame vestibular de 2012,  pelo menos 46.104 deles, ou 31,4% do total, se inscreveram também no programa de inclusão social da USP.

 

O economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), costuma classificar como “heróis” os brasileiros de famílias pobres capazes de conciliar o trabalho com o estudo: “No Brasil, dificilmente um filho de rico começa a trabalhar antes de terminar a graduação ou, em alguns casos, até mesmo a pós-graduação”. De acordo com ele, “os brasileiros pobres que estudam e trabalham submetem-se a uma jornada de até 16 horas diárias, oito de trabalho, quatro de estudo e outras quatro de deslocamento. Isso é mais do que a jornada dos operários no século XIX”.

 

Acostumados a caminhar muito, e na empreitada dura pela sobrevivência, os estudantes em passeata voltam triunfantes ao Largo de São Francisco, de onde saíram duas horas antes espionados por olhos atentos do governo e ainda assim conseguiram demonstrar que a Polícia Militar é usada contra a população e não para protegê-la. Mas é difícil prever se a greve dos alunos vai crescer por toda a universidade e mesmo se será mantida.

 

Algumas assembléias referendaram já no dia 9 de novembro a decisão de paralisação na Escola de Comunicação e Artes (ECA), na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), em todos os cursos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas e nas Faculdades de História e Geografia (FFLCH). Os alunos do curso de Física do Instituto de Matemática (IME) paralisaram as aulas para acompanhar a passeata da quinta-feira passada e, na Faculdade de Economia e Administração (FEA), apenas os estudantes do curso de Relações Internacionais aderiram e marcaram nova assembléia para logo depois do feriado, quando decidem se continuam ou não com a paralisação.

 

É que, além do feriado de 15 de novembro e das provas do final do ano, os estudantes da USP estão divididos em relação às formas de protestos contra a presença da PM no campus. A assembléia que deliberou a desocupação da administração da FFLCH, e que foi seguida pela ocupação da reitoria, é um retrato disso, diz a nota do grupo Universidade em Movimento. “A cisão é fruto de um vazio político deixado, sobretudo pelas entidades estudantis, que precisam fazer uma autocrítica e voltar a cumprir o papel de organizadoras do movimento, ao invés de se tornar instrumento de autoconstrução e propaganda dos grupos que as dirigem. O movimento estudantil precisa voltar a perseguir o APOIO DA MAIORIA dos estudantes para as causas pelas quais luta e ao mesmo tempo precisa com urgência sair da lógica fratricida do denuncismo e da beligerância – o que não significa deixar de fazer a crítica e a autocrítica quando estas devem ser feitas -, e voltar a ter coesão e unidade. Mas para isso muitos grupos que atuam no movimento estudantil precisam deixar a vaidade em casa”.

 

Os ativistas com idéias de esquerda estão mesmo divididos e lançaram cinco chapas diferentes para concorrer à eleição da nova diretoria do DCE Livre da USP, enquanto alunos de direita vinculados à juventude do PP (Partido Progressista), de Paulo Maluf, organizaram uma chapa com o pessoal do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), de Geraldo Alckmin.

 

Enquanto isso, na passeata e em todo o campus da USP, não se vê uma faixa da UNE, que se transformou numa entidade de “carteirinha”, e bem diferente dos tempos em que milhares de estudantes brasileiros enfrentavam a ditadura militar junto com Luiz Travassos, Honestino Guimarães, Humberto Câmara, Gildo Macedo Lacerda e Helenira Resende, mulher bonita também na valentia e que ensinava aos homens quando era preciso ser homem. Uns e outra tombaram com honra, vermelha, e berrando em praça pública:

 

A UNE Somos Nós. Nossa Luta e Nossa Voz”


Se ainda estivessem no mundo real, e mesmo diante de muitas dificuldades, as lideranças estudantis do passado, mortos sem sepultura, com certeza não perderiam o humor. E diriam sarcasticamente que o namorador José Serra, que foi presidente da UNE numa época em que ainda tinha sonhos libertários, e o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, principal liderança do PSDB, que admitiu ter fumado “baseado” na juventude e que defende abertamente a descriminalização da maconha, não são exatamente como o devasso Vadinho, primeiro marido de dona Flor.

 

Mas o reitor João Grandino Rodas e o governador Geraldo Alckmin bem que lembram a figura sisuda e conservadora de Teodoro, o segundo marido de dona Flor, diria com ironia Gildo Macedo Lacerda, que apreciava mulher gostosa, independente e por isso se apaixonou por “Seu Mariluce”, que lhe presenteou a filha Tessa Moura Lacerda, a qual ele nunca conheceu e hoje é professora de Filosofia na USP.

 

No livro Dona Flor e seus Dois Maridos, Jorge Amado conta que Teodoro só comparecia às quartas e aos sábados, com direto a bis no sábado, e mesmo assim sempre de pijama, nunca despido, e deitava rapidamente sobre a fogosa dona Flor, interpretada no cinema pela atriz Sônia Braga. Resultado: no romance e no filme, o homem vira corno de morto.

 

Otto Filgueiras é jornalista, repórter de olhar vermelho, contador de histórias operárias, populares e socialistas.

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