Falsos “condomínios” se alastram por todo o País, violando os direitos de propriedade e de cidadania

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Associação de Vítimas de Loteamentos
13/05/2011

 

Sob o pretexto de oferecer segurança a cidadãos da classe média e até mesmo das classes C e D, organizações aparentemente legais, com endereços conhecidos e até registro no Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas (CNPJ), vêm sistematicamente cometendo vários crimes, entre outros, os tipificados como de extorsão e estelionato. As vítimas preferenciais dessas organizações são proprietários de imóveis em bairros "nobres" e da periferia das grandes cidades de São Paulo e de muitos municípios do interior do estado, assim como de todo o país. A denúncia é da Associação das Vítimas de Loteamentos e Residenciais do Estado de São Paulo (AVILESP), que tem por objetivo unir e fazer com que os cidadãos defendam e exerçam seus direitos.

 

Como evolução natural desse processo criminoso, surgiram recentemente no Rio de Janeiro as chamadas milícias, organizações paramilitares que prometem oferecer "segurança" aos moradores dos morros cariocas e eliminar quadrilhas de traficantes, tudo mediante o pagamento de "contribuições" de todos os moradores.

 

Constituídas por empresas de administração de falsos condomínios, por um verdadeiro exército paralelo de empresas de segurança privada e por associações de moradores de bairros, essas organizações são usadas para legitimar a criminosa violência a que se vêem submetidos os cidadãos e o Estado, conforme afirma o presidente da AVILESP, Nicodemo Sposato Neto*, acrescentando como funciona e se mantém o golpe milionário praticado em nome de "associações".

 

Trata-se de um Estado paralelo criado e mantido com apoio de câmaras municipais, prefeituras e, em alguns casos, legitimado por juízes e Tribunais de Justiça que agem, segundo destaca Sposato, "no mínimo de forma incompetente", dando ganho de causa a essas organizações e, com isso, "jogando no lixo da Justiça direitos constitucionais federais e estaduais e leis ordinárias como as de uso e ocupação do solo (6.766/79) e o Código de Defesa do Consumidor".

 

"O esquema em nada se diferencia do largamente utilizado pela Máfia nos Estados Unidos em meados do século 20, com a venda de proteção forçada. E, tal como lá, envolve a arrecadação de bilhões e bilhões de reais por ano", afirma a AVILESP.

 

Do ponto de vista do cidadão brasileiro comum, "as maiores vítimas desse perverso e nefasto Estado paralelo", diz Sposato, "são os direitos de propriedade, o de ir e vir, o de não se associar e o de cidadania". Isso ocorre porque o Estado, constituído pelos três poderes da República, "abdicou do direito de garantir a segurança dos cidadãos, de realizar a gestão de áreas públicas e de fazer justiça de acordo com as leis vigentes".

 

"Esse esquema criminoso envida agora, em vários municípios e em alguns estados, todos os esforços para se legitimar", diz Sposato. Segundo a Avilesp, é nessa direção que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 3057/2000, de autoria de ninguém menos que o bispo Wanderval Santos, que recentemente renunciou ao mandato para evitar ser cassado por envolvimento nos escândalos do mensalão e dos sanguessugas, conforme está registrado em depoimentos de testemunhas em inquéritos policiais e em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs).

 

"Caso esse projeto, verdadeira ameaça aos direitos de propriedade, de livremente contratar e de dispor de seus bens, venha a ser aprovado, o que  constituiria numa verdadeira insanidade dos representantes do povo (os deputados federais), os falsos condomínios, daí por diante, seriam legitimados e as associações de moradores passariam a ser sócias das propriedades dos cidadãos, com direito à penhora e à desapropriação desses bens, ainda que as únicas propriedades de seus donos", explica Nicodemo Sposato Neto.

 

Como tudo começou

 

As associações de moradores de bairros começaram a surgir na periferia das grandes cidades nas décadas de 1950 e 1960, como legítima mobilização de cidadãos para reivindicar melhorias para a região junto a órgãos públicos. Elas tinham uma atuação eminentemente política, de elo entre as comunidades e as autoridades, principalmente municipais, e políticos em geral.

 

Funcionavam como órgãos de pressão para conquistar melhorias nos bairros: passar uma motoniveladora em ruas de terra, conseguir asfalto para as principais vias, iluminação pública, água encanada, serviços de correio e outros benefícios. Vários dos presidentes dessas associações tinham interesses políticos próprios ou partidários e eram usados eleitoralmente por vereadores e deputados para angariar votos da comunidade. Isso fazia parte do jogo político normal.

 

A partir da década de 70, relata Sposato, com o aumento da violência nas grandes cidades, alguns empreendedores imobiliários lançaram loteamentos que, ilegalmente, passaram a denominar de "fechados", uma vez que dotados de muros e portarias. Apesar de regidos pela Lei 6.766/79 (Dos loteamentos) e não pela Lei dos Condomínios (Lei 4561, de 16 de dezembro de 1964), passaram enganosamente a chamar esses empreendimentos de "condomínios horizontais" ou simplesmente "residenciais", como estratégia de marketing para atrair a classe média que, graças à veiculação de notícias sensacionalistas sobre violência, se sentia e ainda se sente desprotegida diante da falta de segurança.

 

A partir daí, proliferaram empresas particulares de segurança, em geral formadas por ex-militares ou militares da ativa, tanto das Forças Armadas como das Polícias Civil e Militar, que viram nessa atividade um nicho de negócio. Era uma extensão dos pioneiros serviços de transportes de valores bancários, criados a partir do crescimento dos assaltos a bancos na década de 60. Atualmente, em conjunto, essas empresas constituem verdadeira "força de segurança" paralela, com milhares de agentes e um arsenal considerável de armamento leve e também pesado.

 

Administradoras em ação

 

A esse grupo de empreendedores e firmas de segurança juntaram-se empresas de administração de "condomínios horizontais", que assumiram o controle do esquema, fazendo a ligação dos moradores desses falsos condomínios com os serviços de vigilância, diz Sposato. Com a proliferação desses loteamentos fechados, as administradoras passaram a manipular verdadeiras fortunas em dinheiro, atualmente calculadas em bilhões de reais por ano em todo o país, o que lhes dá cacife suficiente para "influenciar" prefeitos, vereadores, deputados estaduais, federais e senadores.

 

Para ampliar suas atividades, restritas até então aos erroneamente denominados "loteamentos fechados", as administradoras descobriram nas associações de moradores de bairros uma ótima oportunidade de negócio, oferecendo serviços de modo a profissionalizar essas entidades de vizinhança, já tradicionais nas cidades, mas com atuação eminentemente reivindicatória e que eram administradas pelos próprios moradores, com recursos provenientes de contribuições espontâneas dos vizinhos.

 

Por influência das administradoras, e para dar aos moradores desses bairros maior sensação de segurança, as associações, com assessoria das administradoras de "condomínios", passaram a reivindicar às prefeituras locais a criação de bolsões residenciais, em que o perímetro da área seria protegido com cercas, portões, muros, a construção de guaritas ou portarias, dotadas de cancelas ou outros meios de criar obstáculos à passagem e a circulação de pedestres e veículos "indesejados" pelas ruas do bairro. Com isso, as associações se apropriaram de espaços públicos, como ruas, praças e áreas verdes e institucionais (que são do povo, patrimônio da cidade), para uso exclusivo de uns poucos moradores do local. "É a privatização do espaço público", diz Sposato.

 

O golpe dos "condomínios" 

 

Paralelamente à atuação junto às associações de moradores, as administradoras não só influenciaram prefeitos e secretários, mas também os vereadores de várias cidades para aprovar leis de bolsões residenciais enviadas pelos prefeitos, que transferiam aos "diretores-laranjas" dessas entidades, segundo Sposato, o direito de fechar o bairro e assumir a manutenção de áreas públicas, além de oferecer serviços de vigilância e segurança aos moradores. "Trata-se de doação de espaços públicos a particulares, em que o poder público municipal abre mão de seus direitos (e os dos cidadãos) e das obrigações de prestar serviços públicos, para os quais cobra impostos, "onerando duplamente os moradores, com os impostos e mensalidades, rateios e taxas cobradas pelas administradoras", afirma Sposato.

 

Exemplo claro dessa situação é a área da Fazendinha, em Carapicuíba (SP), onde atua a Sociedade Amigos da Fazendinha. Essa área é formada por 17 bairros, correspondendo a cerca de 13% do município de Carapicuíba. O bolsão foi criado em 1998, pelo então prefeito Jorge Ikeda, por meio do Decreto Municipal 2652/98, que transferiu – ilegalmente – toda a área para um grupo particular, afirma o presidente da AVILESP.

 

Essas leis de bolsões, além dos prejuízos que causam aos moradores dos bairros, são inconstitucionais, porque lei municipal não pode legislar sobre uso e ocupação do solo e a Constituição do Estado de São Paulo, em seu artigo 180, inciso VII, estabelece que "as áreas definidas em projeto de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos alterados".

 

O marketing do terror

 

"O argumento central usado pelas administradoras para convencer as diretorias dessas associações e, por extensão, os moradores dos bairros, é o clamor público por segurança, diante do aumento da violência que se verifica", afirma Sposato. Para isso é usada uma estratégia eficiente de marketing do terror. As diretorias das associações, influenciadas pelas administradoras, passam a distribuir aos moradores boletins com relatos de ocorrências policiais registradas nas vizinhanças, como estupros, furtos, roubos, violência, seqüestros-relâmpagos, mortes violentas, atentados ao pudor, venda de drogas e desova de cadáveres.

 

A maioria desses registros, entretanto, não envolve os moradores e são casos esporádicos, envolvendo vítimas alheias ao bairro. Mas esse é o argumento para que os diretores das associações "vendam" aos moradores os serviços de segurança oferecidos pela administradora. "Em vez de exigir das autoridades públicas mais segurança para o bairro, a associação recorre a um serviço particular que não oferece garantias de eficiência e eficácia. É a privatização do poder de polícia, uma atividade inerente ao Estado", diz Sposato.

 

Os esquemas de vigilância oferecidos pelas administradoras e empresas de segurança, entretanto, funcionam mais como alívio psicológico para os moradores da área, que passam a se sentir mais seguros, com eventuais rondas de vigilantes fardados, a pé ou motorizados, equipados com sistemas de radiocomunicação. "Na verdade, esses esquemas não funcionam, porque as áreas desses falsos condomínios são extensas e não há condições de manter vigilância 24 horas por dia para cada residência. Além disso, o noticiário dos jornais mostra que, quando se trata de quadrilhas organizadas, esses esquemas de segurança não funcionam", diz Sposato. Servem apenas para aumentar despesas e engordar o lucro das administradoras.

 

Na área das chácaras Santo Antonio e De La Rocca, na Granja Viana, município de Carapicuíba (SP), um morador foi alvo de seqüestro-relâmpago quando chegava em casa e isso sob o olhar complacente de um vigilante, que nada pôde fazer. Nessa mesma área, a empresa encarregada da vigilância há mais de dez anos relata: "(...) em apenas dois dias (madrugadas) ocorreram um assalto em residência, com matança de cachorros através de carne com veneno, e mais duas ocorrências de envenenamento de cães em duas residências diferentes".

 

Como sempre, nesses casos, o apelo é no sentido de que é preciso reforçar a segurança, contratar mais vigilantes e usar mais motocicletas e veículos para as rondas. Ou seja, mais despesas para os moradores e, claro, mais lucros para as administradoras.

 

E quem não paga está sujeito a situações constrangedoras. Um morador da Chácara Santo Antonio relatou seu drama no boletim de ocorrência 930/2006, registrado no 1º Distrito Policial de Carapicuíba: "A segurança local foi acionada, mas recusou-se a atender (enquanto estava ocorrendo o assalto à residência), por orientação da diretoria (da Associação), que alega que não deveria se envolver porque a casa assaltada não pertencia ao quadro de colaboradores".

 

Estelionato quase perfeito

 

Para conseguir seus objetivos, as administradoras de condomínio, a pretexto de adaptar os estatutos das associações dos amigos de bairros ao novo Código Civil, impuseram modificações nesses regulamentos, de modo a vincular permanentemente a propriedade dos moradores, um bem real, à associação e à prestação de serviços que essa entidade supostamente presta. "Trata-se de um estelionato quase perfeito, em que essas associações, de uma hora para outra, se tornam sócios privilegiados das propriedades dos moradores, numa afronta ao direito de propriedade garantido pela Constituição", afirma Nicodemo Sposato Neto.

 

As mudanças começam pela alteração do nome. Em vez de associação de amigos de bairro, a entidade passa a se denominar associação dos proprietários do bairro. O que era para ser uma entidade constituída por moradores que livremente se associavam a ela, passa a ser constituída "por todos os moradores e proprietários dos lotes" situados nos limites definidos unilateralmente e aleatoriamente pela associação.

 

Além disso, o novo estatuto estabelece: "(...) todos os sócios deverão participar financeiramente e mensalmente para a melhoria e serviços prestados pela Associação com ou sem adesão, bem como com as verbas que forem aprovadas em Assembléias Extraordinárias para melhoria interna e segurança do bairro".

 

Essa imposição viola dois itens do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil: o XVII diz que "é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar"; e o XX diz que "ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado".

 

"Esse absurdo se torna mais evidente pelo fato de a associação compulsória do morador estar vinculada não a uma eventual obrigação pessoal de pagar uma mensalidade, mas ao direito real de sua propriedade", afirma Sposato. Isso fica claro quando o estatuto estabelece que "a perda de qualidade de associado será determinada pela Diretoria, cabendo sempre recurso à Assembléia Geral, sendo que a obrigação dos encargos sociais permanecerá até que seja feita transferência da titularidade do imóvel junto ao Registro de Imóveis". Ou seja, o proprietário só poderá deixar a condição de associado, ou melhor, de pagante, caso venda o imóvel, e ainda assim se estiver quite com a associação. Caso contrário será acionado na Justiça.

 

Indústria de ações na justiça

 

Essa situação deu origem a uma verdadeira indústria de ações de cobrança na Justiça, movidas por administradoras de condomínio em conjunto com escritórios de advocacia que dão andamento a processos em série, atravancando os fóruns e levando insegurança aos proprietários de imóveis, ameaçados de perder suas casas.

 

Esse recurso ao judiciário, em vez de configurar a cobrança de um direito, é a última etapa do processo de extorsão que as associações e administradoras movem contra os moradores supostamente inadimplentes, segundo Nicodemo Sposato Neto. Tudo começa com o envio de boletos bancários de cobrança. Depois, começam a ser enviados comunicados informando que o morador está inadimplente com a associação e, portanto, sujeito a ação judicial. Posteriormente é expedida uma carta convidando o proprietário do imóvel a comparecer na administradora para saldar sua dívida. Em seguida, é enviada uma notificação extrajudicial ameaçando o morador, caso não pague o que supostamente deve, com a iminência de um a ação judicial, que, enfim, é movida no fórum local, com pedido de rito sumário, por "falta de pagamento de condomínio" (sic). 

 

Só na Comarca de Cotia, segundo levantamento da AVILESP, há cerca de mil ações de cobrança por supostas dívidas a esses falsos condomínios. "É verdadeiramente incrível, que juízes, deixando de observar a Constituição Federal, baseados no ‘eu acho’, continuem condenando os cidadãos ao pagamento de serviços que não contrataram, não querem e não desejam. A ilegalidade é flagrante", afirma Sposato.

 

Um dos casos mais graves é o do aposentado italiano Leopoldo Piacci, que vendeu um imóvel na Itália e comprou cinco terrenos no loteamento San Diego Park, em Cotia (SP), onde construiu sua casa. Posteriormente, foi criada a associação de moradores, que decidiu fechar o loteamento e cobrar taxa de manutenção dos moradores. Piacci se recusou a pagar e, processado, teve um dos lotes penhorados, onde estão uma fonte, uma sauna e metade da piscina – a outra metade faz parte de outro lote ainda não penhorado.

 

Sem base legal

 

Nessas ações de cobrança, os advogados das administradoras e das associações lançam mão de pelo menos quatro argumentos. O primeiro é de que por analogia à Lei dos Condomínios, esses loteamentos, que na origem eram abertos e posteriormente foram fechados pelas associações ("com a conivência das autoridades públicas do município", diz Sposato) são na verdade condomínios, regidos por seus estatutos e pelas decisões das assembléias de associados, que, eles imaginam, têm poder de lei. O segundo é o de que, embora ninguém, por força de dispositivo constitucional, esteja obrigado a se associar, a propriedade está indissoluvelmente vinculada à respectiva associação, portanto sujeita a suas normas e decisões. O terceiro é o de que as propriedades situadas dentro dos limites da área definida pela entidade devem pagar o rateio das despesas efetuadas. E, finalmente, o quarto é o de que se alguém não paga está se enriquecendo ilicitamente, a custa dos demais moradores.

 

Esses argumentos não se sustentam, na opinião de Nicodemo Sposato Neto. A lei que rege os loteamentos é a Lei do Parcelamento do Solo (Lei 6766/1979), uma vez que a Lei dos Condomínios só se aplica a condomínios verticais e a conjuntos de casas, em casos muito específicos. Nos falsos condomínios, segundo o presidente da Avilesp, não há convenção de condomínio, as ruas, praças e áreas verdes são de propriedade do município, e os proprietários de imóveis não possuem frações ideais de terreno, como ocorre nos verdadeiros condomínios verticais.

 

A não-obrigatoriedade de associação, uma garantia constitucional, está escamoteada, segundo Sposato, pelo fato de essas associações vincularem as propriedades, e não seus donos, aos direitos e obrigações estatutários, a ponto de um "associado" só poder se desligar quando fizer a transferência do imóvel, no cartório de Registro de Imóveis da respectiva comarca, para o novo proprietário, que por sua vez estará sujeito a todas as obrigações impostas pela associação, ainda que não queira se associar. "É um novo regime. E a Justiça – isso que é de pasmar – vem engolindo esses artifícios", diz Sposato.

 

Pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078, de 11 de setembro de 1990), ninguém é obrigado a pagar serviços que não tenha contratado, diz o presidente da Avilesp, citando o artigo 39: "É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: III - Enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto ou fornecer qualquer serviço; IV - Executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes".

 

O último argumento, o do enriquecimento ilícito, não se aplica ao caso, segundo Sposato, porque nessas associações uma minoria, encastelada na diretoria, às vezes por décadas, decide os gastos e, para não ter de arcar sozinha com os custos, "na verdade se enriquece indiretamente, ao não ter de desembolsar sozinha os valores, pois transfere os ônus de seus interesses de grupo para a grande maioria dos moradores. O que há, portanto, é um enriquecimento ilícito dessa minoria e das empresas de administração de condomínio, mediante a socialização dos prejuízos". completa.

 

Além disso, afirma o presidente da AVILESP, uma entidade sem fins lucrativos – "como aparentemente são as associações de moradores" –, não pode pleitear o enriquecimento sem causa dos não-pagantes porque não pode alegar que alguém se enriqueceu a custa dela. "Ademais, no ordenamento jurídico brasileiro, um dos requisitos básicos para uma ação de enriquecimento sem causa é o da existência de pessoa que tenha sofrido o correspondente empobrecimento, ou seja, o autor da ação, o que não é o caso das associações. E, mesmo que fosse, a pessoa prejudicada teria de provar que sofreu o respectivo e equivalente empobrecimento". E o artigo 886 do novo Código Civil Brasileiro, explica Sposato, define que "não caberá a restituição por enriquecimento se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido".

 

As associações, além de não serem pessoas físicas, "têm outros meios de se ressarcir, como define o Código Civil, rateando entre os verdadeiros associados os eventuais valores de serviços", completa Sposato.

 

Reviravolta no STJ

 

Apesar de juízes de primeira instância e Tribunais de Justiça, "por razões inexplicáveis, estarem afrontando a melhor doutrina e a jurisprudência", segundo Sposato, ao dar ganho de causa a associações, a situação está mudando nos tribunais superiores do país.

 

Em 26 de outubro de 2005, ao julgar embargos de divergências, a segunda seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que "as taxas de manutenção criadas por associações de moradores não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado nem aderiu ao ato que constituiu o encargo".

 

No dia 7 de maio deste ano, ao julgar recurso especial, a terceira turma do STJ decidiu por unanimidade dar ganho de causa a moradora do loteamento Vale do Eldorado, no Rio, contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado, ao decidir que associação de moradores não pode ser considerada condomínio legalmente constituído, que os compradores de lotes não podem ser obrigados a se associar à entidade e que os moradores também não são obrigados a pagar taxas de condomínio ou manutenção.

 

Nicodemo Sposato Neto era advogado e jornalista. Presidente da Associação das Vítimas de Loteamentos e Residenciais do Estado de São Paulo (Avilesp), no ano passado morreu de infarto fulminante, resultante das pressões, angústias e sofrimento diante das injustiças cometidas contra moradores de loteamentos, das quais também era vítima.

 

Texto publicado sem indicação de autoria no site da AVILESP- Associação de Vítimas de Loteamentos e Residenciais dos Estado de São Paulo.

 

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