Saúde pública e universal é alvo silencioso de cortes e privatizações

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Gabriel Brito e Paulo Silva Junior, da Redação
24/04/2015

 

 

Emenda Constitucional 86, Lei 13019, PEC 451… Se não ouviram falar de tudo isso, saibam que são parte de um mesmo pacote. No caso, um pacotaço que atinge em cheio a área da saúde pública brasileira e, mais precisamente, o Sistema Único de Saúde (SUS), um dos mais respeitados projetos de universalização do atendimento médico em todo o mundo. É disso que conversamos com Paulo Spina, do Fórum Popular da Saúde de SP.

 

“Não existe saúde pública sem dinheiro de todas as esferas de governo, municipais, estaduais e federais. Pra financiar o SUS e oferecer saúde às pessoas, precisamos de investimento público. Não podemos atrelar demanda e verba de saúde a interesse parlamentar”, criticou, a respeito de uma das facetas do pacotaço.

 

Na conversa, Spina explica como tais medidas convergem no desmonte do SUS e na mercantilização total do acesso à saúde. Como não poderia deixar de ser, o grande comandante do avanço privatista é Eduardo Cunha, atual eminência política do país, responsável também pelo engavetamento da CPI dos planos de saúde privados.

 

“O Eduardo Cunha é a personalidade do retrocesso brasileiro no atual momento. Tem feito absurdos em várias áreas. O que ele devia fazer é encaminhar a CPI dos planos de saúde. Pra mudar a realidade da saúde, como um todo, temos de defendê-la como um direito, portanto, defender o SUS. E criticar esses processos, tanto de seccionamento quanto de privatização”, completou.

 

A entrevista completa, gravada nos estúdios da webrádio Central3, pode ser lida a seguir.

 

Correio da Cidadania: Estamos em um ano de cortes nos investimentos sociais e a saúde não escapará do facão. Dentro de tal contexto, o que é a Emenda Constitucional (EC) 86 em sua essência e quais suas consequências em termos de sub-financiamento à saúde?

 

Paulo Spina: Os cortes e ajustes têm se voltado, sempre, aos direitos sociais, trabalhistas, ao andar de baixo, e na saúde não é diferente das outras áreas. A EC 86, de fato, é um ataque ao SUS e principalmente ao seu financiamento. Não existe saúde pública sem dinheiro de todas as esferas de governo, municipais, estaduais e federais. Pra financiar o SUS e oferecer saúde às pessoas, precisamos de investimento público.

 

Há duas questões na EC 86: ela diminui o valor que chega na “ponta”, isto é, nos hospitais e serviços de saúde. E a outra questão, existe o chamado orçamento impositivo, que atrela os gastos de saúde às demandas dos deputados, o que é um absurdo. Não podemos atrelar demanda e verba de saúde a interesse parlamentar.

 

Correio da Cidadania: E o que pensa da recente aprovação da Lei 13019, que permite ao capital estrangeiro realizar investimentos na assistência à saúde?

 

Paulo Spina: Precisamos entender que a entrada do capital estrangeiro na saúde é um ataque muito grande à forma de organização do sistema de saúde brasileiro. Nós, do Fórum da Saúde, acreditamos que a população vai ter saúde de verdade se tiver um serviço público de qualidade, universal, que atenda às diversas demandas de saúde.

 

Os diferentes governos atacam o SUS no sentido de mercantilizar a saúde, em vez de torná-la um direito, fazem dela uma mercadoria, que precisa ser comprada. Mas estamos falando da vida das pessoas, é diferente o valor aqui.

 

O capital internacional só vem pra saúde, seja privada ou pública, nas Organizações Sociais (OS) e outras formas de gestão, interessado em lucrar. Não vem investir por ser humanitário, por ter boas intenções. Vem lucrar com nossa saúde e nossas doenças. É um absurdo.

 

Vários momentos e entidades têm se colocado contra a lei 13019 que, assim como a EC 86, é outro ataque à saúde pública brasileira e à saúde como um todo.

 

Correio da Cidadania: Ainda dentro dessa maré, o que significa a PEC 451, que obriga todos os empregadores, de trabalhadores urbanos e rurais, a fornecerem planos privados de saúde, elaborada por ninguém menos que Eduardo Cunha, praticamente a grande eminência política nacional neste ano?

 

Paulo Spina: O Eduardo Cunha é a personalidade do retrocesso brasileiro no atual momento. Tem feito absurdos em várias áreas. O que ele devia fazer é encaminhar a CPI dos planos de saúde, que engavetou. Essa, sim, poderia investigar a participação dos planos de saúde em contextos duvidosos, realmente melhorar o contexto da saúde pública brasileira. Mas, em vez disso, cria a PEC 451, que obriga as empresas a fornecerem planos privados de saúde a seus funcionários.

 

As pessoas podem achar bom que o trabalhador terá plano de saúde. Mas trata-se de um retrocesso de mais de 20 anos, anterior ao SUS, quando só tinha direito à saúde quem possuía carteira assinada.

 

A PEC 451 não financia a saúde pública universal, de qualidade, como direito. Ela joga dinheiro em sua mercantilização. Já vivemos essa disputa, pois há pouco investimento no SUS e muito nos planos privados. E as pessoas que pagam convênio sabem que existem os planos tipo A, B, mas terão acesso aos tipos C, D, E, que não dão acesso a uma verdadeira saúde.

 

Como exemplo, temos o caso do Movimento Chega de Descaso, cuja liderança perdeu a mulher por conta do mero descaso do plano, que demorou pra liberar uma simples cirurgia de apendicite. Oferecer planos de saúde é fortalecer a saúde como mercadoria, oferecer valores diferentes para as vidas. Isso só piora a vida do conjunto da população, tanto que o patrocinador desse retrocesso é Eduardo Cunha, a exemplo da questão das terceirizações, outro absurdo que atinge diversas áreas, inclusive a saúde.

 

Correio da Cidadania: Como explicar para o público o que é o ‘seccionamento do SUS’, algo criticado pelos defensores da saúde pública como prioridade de Estado?

 

Paulo Spina: O SUS é uma política universal de atendimento à saúde. Atende todas as pessoas de forma ampla, universal, pensando na sua integridade. Não pergunta se ela tem carteira assinada, plano de saúde; se um estrangeiro precisar de atendimento, o SUS presta...

 

O seccionamento significa dividir o sistema. Deixa de ser universal para subdividir o atendimento. E nossa bandeira é que o SUS consiga atender demandas de diversas populações, com suas especificidades, em cada bairro, cidade, território, sempre de acordo com a necessidade de cada região.

 

Portanto, tanto o sub-financiamento do SUS como o particularismo de oferecer plano só pra quem for funcionário vão contra a ideia do SUS como serviço público universal.

 

Correio da Cidadania: Posto tudo isso, tais medidas aqui debatidas incidiriam numa possível melhora dos planos privados de saúde? Ou, paradoxalmente, poderíamos ver o contrário disso?


Paulo Spina: Fazemos a defesa da saúde pública, sou trabalhador da área da saúde mental e estudamos e defendemos a melhora desse meio. Mas é difícil dizer que tais políticas melhorem os convênios médicos. As questões de mercado e de lucro sempre serão a maior preocupação de tais empresas. Querem margens de lucro cada vez maiores.

 

A saúde pública se preocupa em atender o paciente. Mesmo com poucos recursos, o esforço é de dar a melhor saúde e atendimento às pessoas e às famílias. Enquanto isso, no convênio, a visão é sempre de atender de modo a salvar mais lucro.

 

Todas essas políticas e projetos não favorecem em nada a melhora dos convênios. Favorecem apenas sua lucratividade. O que poderia melhorá-los? Uma fiscalização mais forte. A CPI dos planos de saúde, engavetada pelo Cunha, também seria outro instrumento nesse sentido.

 

Nesse momento em que as pessoas têm ido para a rua com pautas diversas, dispostas a não tolerar mais a corrupção, é importante entender as formas legalizadas da corrupção, como as privatizações, que levam dinheiro público para o bolso dos empresários. Um dos lemas do Fórum é: toda privatização é corrupção. É o nosso dinheiro financiando lucro de empresário.

 

Pra mudar a realidade da saúde como um todo temos de defendê-la como um direito, portanto, defender o SUS. E criticar esses processos, tanto de seccionamento quanto de privatização.

 

Áudio da entrevista


Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas.

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