‘O brasileiro percebeu quais são seus direitos; o medo deixou de existir’

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Gabriel Brito e Valéria Nader, Da Redação
22/05/2014

 

 

O país se aproxima da Copa do Mundo e as mobilizações populares parecem aquecer-se ainda mais. Enquanto os sem teto ganham os holofotes da mídia em sua sequência de ocupações e mobilizações políticas, greves começam a pipocar cada vez mais. Só em São Paulo, a semana está marcada pelos movimentos dos motoristas e cobradores de ônibus, funcionários da USP e metroviários, além de contar com mais um protesto contra os procedimentos de organização do Mundial.

 

“Eu percebo que é um momento crucial de levarmos nossas pautas de reivindicações a todas as instâncias possíveis. A partir do momento que começar a Copa do mundo, e depois com o período eleitoral, as negociações vão parar”, explicou Jussara Basso, coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), em entrevista ao Correio da Cidadania.

 

Em sua opinião, não é possível prever a repetição dos manifestos de junho, mas está claro que o brasileiro adquiriu um nível maior de consciência e abraça cada vez mais as mobilizações pelos direitos e serviços públicos essenciais. “No ano passado tivemos a pauta dos 20 centavos. Hoje, são os condutores e cobradores de ônibus que param. Isso é muito importante para legitimar a soberania deste país enquanto democracia. Apoiamos todo tipo de mobilização. Penso que o momento demonstra que o brasileiro percebeu quais são seus direitos e quer se apoderar deles”, afirmou.

 

Jussara avalia que os protestos vão continuar, pois muitas pessoas teriam perdido o medo. Já o Estado, em sua visão, tem feito blefes para tentar acuar a população, mas seus representantes também têm medo de ficarem marcados pela repressão em período pré-eleitoral. “Não acredito que o país sofrerá uma grande mudança política, mas acredito que as pessoas vão votar mais conscientes e cobrar mais aquilo que tiver sido pauta das campanhas eleitorais”, completou.

 

A entrevista completa com Jussara Basso pode ser lida a seguir.

 

Correio da Cidadania: A poucos dias da Copa do Mundo e com eleições no horizonte, como você enxerga o atual momento de mobilizações dos sem teto, que têm se espalhado por diversas regiões e adquirido grande destaque no cenário político?

 

Jussara Basso: Eu percebo que este é um momento crucial para levarmos nossas pautas de reivindicações a todas as instâncias possíveis. A partir do momento que começar a Copa do mundo, e depois com o período eleitoral, as negociações vão parar - por se tratar de uma época em que o Estado e suas instâncias políticas  não negociam nem liberam nada. E aí nossas reivindicações teriam de aguardar o fim das eleições e o ano que vem.

 

Correio da Cidadania: O que você pode dizer das campanhas que o movimento tem lançado, como aquela nas cercanias do novo estádio de Itaquera?

 

Jussara Basso: O MTST faz parte de uma frente nacional chamada Resistência Urbana. Dentro dessa frente, foi criada a campanha Copa sem povo, tô na rua de novo! É ela que tem puxado as várias lutas que temos feito. A terceira mobilização é nesta quinta, 22. Chamamos a ocupação perto do estádio de Copa do Povo porque o que queremos é uma “Copa popular”, de promoção de direitos. Chamamos a campanha de “Hexa de direitos”. Dentro dela, incluímos saúde, educação, moradia, transporte público de qualidade, justiça (pois nos posicionamos contra o genocídio de pessoas da periferia, tipicamente pretas e pobres) e soberania, uma vez que a promoção da Copa do Mundo veio acompanhada de algumas leis de exceção.

 

Correio da Cidadania: O poder público tem dado respostas satisfatórias nas reuniões feitas com vocês sobre a questão da moradia?

 

Jussara Basso: O poder público funciona mediante pressão. E o que temos feito no último período é pressão para conseguir avanços nas nossas pautas. O Plano Diretor de São Paulo é exemplo disso. Conseguimos sua aprovação em primeira plenária, apesar de a repressão no dia da votação ter sido muito forte. É assim, nossas pautas avançam mediante a pressão que exercemos.

 

Correio da Cidadania: E vocês têm otimismo em relação às promessas de moradia feitas pela prefeitura?

 

Jussara Basso: Elencamos algumas áreas para que fossem marcadas no Plano Diretor como ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social). Como dito, conseguimos aprovar o Plano em primeira plenária, o que é um grande avanço no município. Ainda há uma grande briga pela frente, pela sua votação e aprovação definitiva, e também pelas áreas destinadas às ZEIS.

 

Precisamos pensar também na questão de projetos e na qualidade deles, já que o Minha Casa Minha Vida tem como dimensão mínima os imóveis 39 metros quadrados. E as empreiteiras sempre dão preferência para essa metragem. Porém, sabemos que a população carente frequentemente tem famílias mais numerosas. Assim, morar em apartamentos desse tamanho é quase inviável.

 

Além do mais, há o orçamento público que deve ser criado em torno dos projetos de moradia. A partir do momento em que se constroem moradias numa determinada região, aumenta a demanda de saúde, educação e transporte. Portanto, após a luta por moradia, há a luta por esses serviços.

 

Correio da Cidadania: Quais expectativas vocês têm em relação aos protestos e greves durante a Copa do Mundo? Acredita que teremos movimentos similares a junho de 2013?

 

Jussara Basso: Junho de 2013 foi algo inesperado. Esperamos que volte a acontecer. Não deveríamos ter de falar, mas as pessoas têm o entendimento de que a Copa custou muito dinheiro dos cofres públicos. E a verba que poderia ser destinada a ações que conformam o direito de todos acaba faltando. No ano passado tivemos a pauta dos 20 centavos. Hoje, são os condutores e cobradores de ônibus que param. Isso é muito importante para legitimar a soberania deste país enquanto democracia.

 

Apoiamos todo tipo de mobilização, sejam greves, manifestações nas periferias, no centro da cidade, dos estudantes, da classe trabalhadora etc. Penso que o momento que vivemos demonstra que o cidadão brasileiro percebeu quais são seus direitos e quer se apoderar deles. Está indo às ruas exigir que seus direitos sejam cumpridos.

 

Correio da Cidadania: Como o Estado brasileiro se prepara para tal momento? Pensam que teremos novos instrumentos de repressão colocados em prática?

 

Jussara Basso: Eu avalio que o Estado brasileiro tem sido muito cuidadoso com a questão da repressão. Hoje, percebemos que mesmo o comando da polícia militar tem buscado negociar com movimentos e manifestações para não haver confrontos, pois o mundo está com os olhos voltados ao nosso país. O que eles não querem agora é ser tachados de repressores e violentos.

 

Mas eu acredito que teremos repressão, porque as manifestações não vão parar. As pessoas estão indignadas com os gastos abusivos da Copa, indignadas com a ausência de direitos, serviços públicos etc. Acho que as pessoas estão indo às ruas com o coração na mão e o medo deixou de existir. O Estado blefou muito, equipando a polícia militar, usando carros de jato d’água etc. Tudo foi um grande blefe pra tentar amedrontar a população do país. Mas ao perceber que a população não recuou e exerce seu direito de manifestação, quem vai recuar é o Estado.

 

Correio da Cidadania: Como imagina que um eventual cenário mais efervescente por ocasião da Copa poderá influir nas eleições, considerando as maiores candidaturas? Acha que será aberto espaço para alguma surpresa?

 

Jussara Basso: Penso que o cuidado que o Estado tem tomado em relação às manifestações tem a ver com isso: depois da Copa, nós temos as eleições e todos os candidatos querem garantir seus lugares nas cadeiras do poder. E acredito que as pessoas estarão mais conscientes, vão procurar votar um pouco melhor. Não acho que o país sofrerá uma grande mudança política, mas as pessoas vão votar mais conscientes e cobrar mais aquilo que tiver sido pauta das campanhas eleitorais.

 

Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania.

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