‘A questão pedagógica está no foco dos professores e é até maior que a salarial’

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Gabriel Brito, da Redação
23/10/2013

 

 

Embalado por protestos que não saem do cotidiano, o Rio de Janeiro continua assistindo à greve dos professores de sua rede municipal, apoiados pelos docentes estaduais. Um renhido embate entre governos de plantão e suas políticas de Estado mínimo, que fazem agonizar a educação pública e uma categoria que não só defende salários melhores como discute o próprio modelo de educação. E na ausência de uma franca negociação, sobra repressão policial.

 

“O entendimento da categoria foi de que a greve era extremamente necessária, uma vez que toda a precarização hoje colocada nas escolas públicas vem ultrapassando as próprias questões estruturais”, disse Ivanete Silva, coordenadora do Sindicato dos Professores do Rio (Sepe) – entidade fruto da recente insatisfação brasileira com a representatividade do sindicato original, há muito amansado pelos grandes acordos que regem o país.

 

Na conversa, novamente realizada em parceria com a webrádio Central3, Ivanete também explicou a participação dos black blocks nos atos. Deixou claro que seus membros ajudaram a segurar a violência policial e que o sindicato não apoia truculência ou práticas violentas, referindo-se exatamente à polícia e seu aparato de guerra – e mídia, como deu a entender Ivanete.

 

Acima de tudo, parecemos diante de uma enorme disputa em torno dos projetos de país, ainda dissimulada pelos setores dominantes, mas que se demonstra nas pautas que têm levado o povo às ruas. Pois enquanto o governo ‘planeja’ liberar professores de matemática para lecionarem geografia, sobra dinheiro para os estádios da Copa e dissipa-se o bilhete premiado do petróleo, em intrincadas e mal contadas transações, e cujas prometidas bênçãos sobre a educação pública estão para ser comprovadas.

 

“Além da questão salarial, voltamos a reforçar: a questão pedagógica está no foco. É até maior do que a questão salarial”, resume Ivanete.

 

Correio da Cidadania: Como você avalia o movimento grevista dos professores cariocas e sua respectiva repercussão na sociedade?

 

Ivanete Silva: Avalio a greve como extremamente positiva, no que diz respeito à resposta dos profissionais da educação na mobilização. A greve é um dos instrumentos que utilizamos e um dos últimos recursos quando há impossibilidade de qualquer diálogo junto aos governos.

 

O entendimento da categoria foi de que a greve era extremamente necessária, uma vez que toda a precarização hoje colocada nas escolas públicas vem ultrapassando as próprias questões estruturais.

 

Existem questões pedagógicas que demarcam muito as condições de trabalho da categoria da educação, e só através da greve estamos conseguindo transformar a nossa pauta em uma das maiores da sociedade.

 

Correio da Cidadania: O que teria a dizer sobre a repressão estatal e as prisões realizadas? É um prenúncio de mais violência e autoritarismo nos próximos tempos?

 

Ivanete Silva: É o reflexo de um governo muito autoritário. Nós temos, desde o início de junho, várias manifestações acontecendo aqui no Rio de Janeiro, onde por diversas vezes a ida da população às ruas para manifestar-se, sobre vários temas, vem sendo tratada dessa forma violenta. A cada manifestação, as ações têm sido mais violentas e mais duras. A repressão militar está sendo muito praticada nas ruas.

 

Correio da Cidadania: Como avalia a proposta feita pelo governo? Quais as principais necessidades dos professores e da própria educação pública no Rio?

 

Ivanete Silva: A nossa pauta se divide em questões salariais e estruturais. O salário, nosso vencimento, é o sustento da nossa família. E tem havido uma desvalorização muito grande de salários. A proposta de construção de plano de cargos seria uma das maneiras de contermos a desvalorização. Por isso, ela se tornou também um dos pontos principais da pauta de reivindicação da rede municipal do Rio de Janeiro.

 

Mas, além da questão salarial, voltamos a reforçar: a questão pedagógica está no foco, em muitos momentos. É até maior do que a questão salarial. A lei aprovada pelo governo municipal autoriza que qualquer professor, independentemente da sua formação, poderá lecionar em qualquer disciplina, em qualquer escola.

 

Esse é um dos pontos aos quais estamos resistindo aqui no Rio, porque entendemos que, quando fazemos a opção por uma formação em uma disciplina, estamos investindo em uma especialização que vai dar maiores condições de melhorar o processo de ensino e aprendizagem. Não reconhecer isso ou passar por cima da nossa opção de qualificação é colocar em risco também a qualidade de ensino, hoje tão anunciada pelos governos.

 

Somos contra os pacotes pedagógicos que vêm se instituindo nas escolas, tanto do município quanto da rede estadual. Tais pacotes são materiais padronizados, que visam dar conta também das avaliações externas. E temos também provas padronizadas, algo que, consequentemente, acaba construindo uma política “meritocrática”, desconhecendo o nosso plano de carreira.

 

Correio da Cidadania: O que pensa a respeito das polêmicas a respeito da atuação dos black blocs, que receberam declaração de apoio em assembléia dos professores? O que você poderia dizer da atuação deles nos atos?

 

Ivanete Silva: Houve uma leitura feita pela base da categoria, por conta de uma situação acontecida aqui no Rio, no dia da votação do plano, em 1º de outubro, quando, devido à grande repressão, esse setor acabou saindo na defesa da categoria, ajudando, literalmente, os professores e funcionários da rede municipal e estadual.

 

O apoio é bem vindo, seja de que setor for. Nós estamos na defesa da educação pública, educação que deve ser garantida a todos e a todas, com o apoio de qualquer setor. O que defendemos está colocado como um dos principais direitos da nossa Constituição. É importante afirmar esse ponto sempre.

 

Colocamos em nossas declarações que não somos favoráveis a qualquer ato de truculência ou violência, por determinado setor ou entidade. Colocamos o mesmo em relação à atuação da polícia, nas mobilizações quase cotidianas aqui do Rio de Janeiro.

 

Nós não compartilhamos da visão de repressão. Acreditamos que não é dessa forma que vamos conseguir avançar na conquista de mais garantias de direitos para os professores.

 

Correio da Cidadania: Sobre a grande mídia, o que diria sobre sua cobertura dos acontecimentos?

 

Ivanete Silva: A grande mídia tem se colocado de uma forma muito complicada, porque não retrata com fidelidade, não coloca, de fato, os acontecimentos e até os nossos posicionamentos.

 

Tivemos vários conflitos nesses últimos quase três meses com setores da televisão, dos jornais ou da impressa escrita, porque não retratavam a realidade do que estávamos reivindicando e das discussões que estavam sendo pautadas.

 

É um problema, e tem sido constante. Mas vale a pena ressaltar que hoje existem outros canais de comunicação, que estão cumprindo um papel muito mais transparente e democrático, como a chamada mídia alternativa, o próprio rádio, além das redes sociais e dos setores que fazem cobertura on-line sobre os atos e as manifestações.

 

Eu vejo que existe aí um espaço muito positivo e que a população está passando a explorá-lo mais, colocando em xeque essa mídia burguesa que trabalha apenas na defesa da visão de um Estado que tenta exercer o controle extremo sobre os nossos posicionamentos.

 

Correio da Cidadania: Quais serão os próximos passos e estratégias do movimento, a fim de alcançarem seus objetivos grevistas?

 

Ivanete Silva: Primeiramente, nós ainda temos preocupação com o ano letivo e com o nosso trabalho junto às crianças, jovens e adolescentes. No nosso entendimento, o governo é que tem de garantir as responsabilidades, como o ano letivo completo para a população. E para que isso aconteça, o governo tem de vir à mesa, fazer a negociação da pauta já colocada, na qual não houve nenhuma alteração. Eles sabem os pontos principais, agora é preciso dar esse passo.

 

Neste sentido, tivemos uma decisão que consideramos como uma vitória: a liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal na última terça-feira (15), determinando que não se corte o ponto dos profissionais de educação da rede estadual, convocando uma mesa de conciliação para esta semana, em Brasília (na qual se confirmou o acordo de não cortar o ponto dos professores grevistas). Depois, junto com a categoria, avaliar o encontro.

 

Ouça aqui o áudio da entrevista.

 

Gabriel Brito e Leandro Iamin são jornalistas.

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