‘A única forma de fazer o país crescer é colocar dinheiro na mão da população’

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Gabriel Brito e Paulo Silva Junior, da Redação
11/11/2015

 

 

 

No atual contexto de fim de ciclo político e econômico, a frase que intitula a entrevista cabe para os mais diversos segmentos da vida cotidiana. No caso, foi proferida por Leanir José da Costa, liderança da periferia sul de São Paulo que esteve à frente da ocupação Plínio Arruda Sampaio (fundador do Correio da Cidadania e falecido em julho de 2014), despejada em julho pelo poder público e já substituída por outras, conforme promessa textual dos ativistas e sem tetos da região.

 

“O jeito como as pessoas, que contribuem para o país, foram jogadas na rua, como lixo, foi uma afronta, a mando da prefeitura e do governo estadual. Mas principalmente a mando do prefeito Fernando Haddad, que atendeu aos anseios da especulação capitalista e não olhou para os interesses da sua população, principalmente a da região da zona sul, uma população que votou maciçamente no PT”, afirmou Leanir.

 

Além de explicar o contexto social local e as negociações tanto com governo estadual como com a prefeitura, o entrevistado não esconde a decepção com o partido que um dia prometeu mudar, em definitivo, a vida dos mais desfavorecidos. “Agora, temos uma nova dificuldade (em relação ao Minha Casa Minha Vida 3): a Operação Lava Jato mostrou que a grande maioria das construtoras está envolvida no processo de corrupção (...) Hoje o poder nos ataca, mas nós iremos dar a resposta amanhã, nas ruas. E nas urnas no ano que vem. Essa situação tem que mudar”.

 

De toda forma, o movimento Nós da Sul, do qual Leanir faz parte, e outras pessoas conectadas com as necessidades dos habitantes do Grajaú e região, deixam claro que continuam correndo atrás de melhorias na vida. “Procuramos espaço para se construir uma creche na região e queremos uma reunião com o governo do estado e a prefeitura para discutir a viabilidade de trazer empresas para cá. Em resumo, estamos lutando por direito à cidade”.

 

A entrevista, realizada em parceria com a webrádio Central3, pode ser lida a seguir.

 

 

Correio da Cidadania: Qual foi a trajetória da ocupação Plínio Arruda Sampaio desde o seu começo e articulação até o despejo que aconteceu no ultimo mês de julho?

 

Leanir José da Costa: Nosso movimento “Nós da Sul” representa algumas ocupações e uma delas foi a ocupação Plínio de Arruda Sampaio. Em julho do ano passado, entramos em um terreno abandonado já há 50 anos. O lugar era usado para despejo de material roubado ou cemitério clandestino e não cumpria sua função social. Na época, eu estava dentro da Ocupação Anchieta e havia a necessidade de arrumar moradia para 250 famílias. Entramos no terreno com 400 famílias, das quais 250 permaneceram morando na ocupação, que tem mais de 123 mil metros quadrados. O terreno fica próximo da rua Agenor Klausnerr, no Jardim Sabiá. As 400 famílias estavam cadastradas pela Secretaria de Habitação do Estado de São Paulo (SEHAB), entre elas as 250 que ficaram morando no terreno. No total, podemos contabilizar cerca de 1500 pessoas envolvidas.

 

No decorrer do primeiro semestre tentamos todo tipo de negociação, tanto com a prefeitura quanto com o estado, e não conseguimos de forma nenhuma achar uma solução para a questão da moradia na região. Isso porque estamos com um déficit habitacional muito grande na região do Grajaú e há uma promessa de campanha do prefeito Fernando Haddad de construir 55 mil habitações. Mas por ora chegou a apenas 5000 moradias construídas.

 

Quando fomos ocupar o terreno, o lugar foi indicado pela prefeitura. É um terreno que a princípio já seria dedicado à moradia segundo informações da própria SEHAB. Estava em uma área boa e, então, ocupamos. Ao nos estabelecermos, a construtora Cury mostrou interesse em comprar o terreno e fez um projeto de construção de 1050 unidades de moradia, das quais 20% seriam destinados ao movimento, o que no caso comportaria as famílias da Ocupação Plínio de Arruda Sampaio.

 

Porém, não sei por que, talvez por conta da Operação Lava Jato e toda a sujeira política, acabou que no dia 14 de julho ocorreu a reintegração de posse, de forma arbitrária. Não era para ser como aconteceu.

 

Correio da Cidadania: Já que você falou da promessa do Haddad do começo do mandato dele de oferecer 55 mil moradias populares – e esse número ainda está bem abaixo sendo que já passou da metade do mandato – como você analisa as políticas de habitação da prefeitura e dos governos em geral, incluindo estaduais e Federal?

 

Leanir José da Costa: Eu defendo que os nossos governantes estão saciando a sede da especulação imobiliária, porque não têm preocupação nenhuma com a sua população. Além do movimento Nós da Sul, também estou na frente parlamentar que representa o conselho participativo da Capela do Socorro, e quando nós discutimos a questão da moradia e toda a sua necessidade, principalmente na região do Grajaú, onde existe uma discussão mais acirrada e levada um pouco mais a sério, reforçamos a questão da habitação na região.

 

Há dois anos, havia certo interesse em atender nossa necessidade. Em grande parte das áreas foi decretada a DUP (Declaração de Utilidade Pública), mas só uma pequena parte destas áreas vai servir para a questão da moradia popular. O restante vai virar creche, escola e outras instalações, mas o problema é que está tudo parado. Em resumo: prefeitura, governo federal, através do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV3), e governo do estado, com o programa Casa Popular, não fazem nada.

 

Também temos agora a questão do Minha Casa Minha Vida 3, parado e emperrado com o governo Dilma. Ela havia feito uma promessa durante a campanha de que atenderia as pessoas da faixa de 3 salários mínimos, atualmente na média de 2200 reais, mas hoje o Minha Casa Minha Vida está amarrado à faixa de 1600 reais.

 

Correio da Cidadania: Como foi o dia da reintegração? Houve violência ou quaisquer violações?

 

Leanir José da Costa: No dia 6 de julho, já sabíamos que iria acontecer a reintegração, pois havia sido entregue pelo 50o Batalhão da PM, na pessoa do Major Galindo, um ofício informativo da reintegração, solicitando uma reunião para o dia 7 de julho. No mesmo dia, fizemos um ato aqui na região, no qual paramos a avenida Teotônio Vilela, depois do entroncamento da Avenida Marin, para chamar a atenção do poder público. Fizemos isso para que se olhasse com um pouco mais de sensibilidade as famílias alojadas ou que estavam morando dentro da ocupação.

 

No dia seguinte (7 de julho), às 10 horas da manhã, fizemos uma reunião no batalhão onde estavam presentes a PM, um representante do Cadastro Único, a Sabesp, a Eletropaulo, Bombeiros e Guarda Civil Metropolitana (GCM). Não estiveram presentes o Conselho Tutelar, nem o Conselho do Idoso, além de nenhum representante da prefeitura de São Paulo e muito menos da Subprefeitura de Capela de Socorro. Questionamos e no dia 9 – feriado – fomos à SEHAB. Ocupamos e forçamos uma reunião com o Floriano, o secretário de Habitação municipal, e ele não apareceu. Depois, fizemos reunião com um secretário dele, Ricardo, na qual colocamos a situação e entramos com um pedido de reconsideração no Fórum de Santo Amaro, a fim de que o juiz postergasse e desse mais um prazo para a retirada das famílias e evitasse um confronto, a exemplo do que se passou no Pinheirinho.

 

Em épocas passadas, tivemos outras ocupações, especialmente a do Pinheirinho em São José dos Campos, onde houve um massacre, com direito a morte de pessoas, e até estupros de mulheres cometidos pela Polícia Militar. Mesmo assim, não conseguimos nada. Fomos ao Fórum no dia 13, ficamos até às 7 horas da noite com o advogado do movimento, que estava pedindo esse tempo para o juiz e foi negado.

 

Neste meio tempo, conseguimos, através de muito trabalho das coordenações do movimento e da ocupação, tirar as famílias para evitar o confronto, pois sabíamos que iam entrar doze viaturas da PM, o apoio da Polícia Civil e o Choque. E também sabemos que quando entra esse monte de polícia, incluindo a Civil e o Choque, eles não vêm para proteger a população, mas para pressionar e intimidar.

 

Veja, o terreno é particular e a polícia deveria proteger a população. Se fossem, naquele momento, mil seguranças patrimoniais, eu iria entender, a população iria entender. Tiramos as crianças, as mulheres grávidas e os idosos. No dia 14, quando se deu a reintegração, às 6 horas da manhã, tínhamos apenas duas famílias lá dentro. Quando o Major Galindo chegou dentro da ocupação, eu pedi a ele, falando “por favor”, que retirasse o efetivo da polícia e eles não ficassem dentro da ocupação, porque ainda havia um senhor e uma senhora de idade.

 

O jeito como as pessoas, que contribuem para o país, foram jogadas na rua, como lixo, foi uma afronta, a mando da prefeitura e do governo estadual. Mas principalmente a mando do prefeito Fernando Haddad, que atendeu aos anseios da especulação capitalista e não olhou para os interesses da sua população, principalmente a da região da zona sul, uma população que votou maciçamente no PT.

 

Isso é uma coisa que tenho me perguntado: há dez ou doze anos, quem apoiava essas pessoas que estão precisando de moradia eram governos do Partido dos Trabalhadores, era o PT. E hoje o mesmo partido é quem discrimina, põe na rua, trata como lixo, como rato, a população que um dia votou neles e os colocou no poder.

 

De toda forma, graças a Deus e ao nosso trabalho, as 250 famílias não tiveram confrontos nem embates com as polícias e a reintegração foi tranquila. Agora, das 250 famílias, 75 estão em outra ocupação, chamada Jardim da União, aqui na região mesmo. As demais estão morando de favor na casa de parentes.

 

Posteriormente, conseguimos fazer uma reunião com o secretário Floriano e a Cleide Pandolfi, subprefeita da Capela do Socorro, e eles disseram que a questão da ocupação Plínio Arruda Sampaio “está resolvida”. Eu disse para eles que não. A outra informação que me passaram é que a Cury comprou o terreno para fazer compensação de área verde e em favor da preservação do meio ambiente.

 

Agora, as pessoas estão jogadas, aguardando um retorno que não vai acontecer, e o movimento continua na rua, lutando. Uma promessa que fizemos para a prefeitura e ao próprio secretário Floriano é a de que para cada desocupação iríamos ocupar mais dois terrenos. E é isso que vamos fazer. Estamos nos articulando para que em um futuro bem próximo ocupemos mais terrenos e coloquemos lá as famílias que perderam suas casas.

 

Correio da Cidadania: Houve alguma novidade após o despejo das famílias?

 

Leanir José da Costa: Está paara sair alguma coisa ainda em novembro em relação ao ‘MCMV3 Entidades’ e estamos indicando áreas aqui no extremo sul. Estamos em parceria com o MTST e parece que agora o sonho da casa própria para centenas de famílias vai ser concretizado. Mas estamos em negociações ainda.

 

Enquanto isso, mantemos duas ocupações: a Plínio Resiste e a Novo Recanto, mas também negociando a questão da saúde, com prioridade ao Pronto Socorro Balneário e o Maria Antonieta no Grajaú. Também estamos sentando com os conselhos de saúde do Grajaú e Parelheiros para viabilizar as discussões. Ainda este mês estaremos em discussão sobre a pavimentação de uma parte da avenida Paulo Guilguer Reimberg (16km) que hoje já consta como asfaltada, mas toda essa parte é de barro e está em estado péssimo.

 

Além do mais, procuramos espaço para se construir uma creche na região e queremos uma reunião com o governo do estado e a prefeitura para discutir a viabilidade de trazer empresas para cá.

 

Em resumo, estamos lutando por direito à cidade. Por isso, apoiamos e saímos com candidatos ao conselho tutelar, que hoje não funciona, de modo que queremos companheiros de compromisso com a criança e o adolescente.

 

Correio da Cidadania: Como acredita que vão ficar as políticas de moradia deste ano, marcado por ajuste fiscal, corte de orçamentos da área social e como acha que o Minha Casa Minha Vida 3, do Governo Federal, vá proceder a partir de agora, qual é a sua expectativa para este programas e para as políticas de habitação em geral, para este ano?

 

Leanir José da Costa: Estamos ainda acreditando, já que o brasileiro “nunca desiste”, não é mesmo? Mas não confio na política que está posta. Infelizmente, não consegue cumprir com 10% daquilo que promete em campanha e não é por falta de condição financeira. Sabemos que aqui em São Paulo se arrecada muito.

 

Agora, temos uma nova dificuldade: a Operação Lava Jato mostrou que a grande maioria das construtoras está envolvida no processo de corrupção. Logo, pararam tudo. Já tínhamos o problema da água em São Paulo, o qual prejudica a população em geral, o trabalho, a indústria e, também, a construção de casas. Depois, tivemos a Operação Lava Jato, que pegou as construtoras ligadas diretamente ao programa Minha Casa Minha Vida. Acho que vamos ter uma dificuldade enorme para desenrolar a questão em Brasília. Com relação ao Minha Casa Minha Vida 3, vejo sérios problemas. A Dilma não consegue dialogar com a população. Ela não consegue sentar com os movimentos sociais para traçar metas e resolver as questões, especialmente da moradia.

 

As pessoas vêm do setor rural para as cidades e a vida urbana porque as indústrias e empregos estão aqui. Portanto, faltam investimento e infraestrutura em moradia, educação, transporte etc. A Dilma fez um acordo e tem de cumprir o Minha Casa Minha Vida 3, que precisa ser urgentemente aprovado. Graças aos impasses atuais no Congresso, com Dilma, Cunha, Temer, a população não consegue enxergar uma luz no final do túnel. Certamente, as coisas ficarão mais difíceis e vamos ter problemas. E onde está a tal “saída pela esquerda”? Onde está a esquerda?

 

A esquerda, neste momento, são os movimentos sociais. Os movimentos sociais que não têm ligação partidária direta, mas que focam em lutar pelo seu povo, pela sua população, que reivindica, determina cada pauta e está precisando de ajuda. Aqui na nossa região, Grajaú e Parelheiros, o movimento tem brigado pela moradia, pela educação, pelo transporte, pela saúde, pela pavimentação, por emprego, por universidades na região, ou seja, estamos lutando pelo direito à cidade. E não vamos parar. Independentemente de quem esteja no governo. Sabemos da dificuldade que vamos encontrar no caminho, mas iremos lutar sempre.

 

Hoje o poder nos ataca, mas nós iremos dar a resposta amanhã, nas ruas. E nas urnas no ano que vem. Essa situação tem que mudar.

 

Correio da Cidadania: Diante de tudo que você relatou sobre as experiências vividas e o que analisou em relação à nossa conjuntura política, como você avalia o ano político brasileiro e seus reflexos, tanto no presente quanto no futuro, em termos de sociedade e democracia?

 

Leanir José da Costa: A situação vai piorar. Estamos indo na contramão. A única forma de fazer o país crescer é colocar dinheiro na mão da população, pois o povo gasta. Estamos vivendo aquela época em que as pessoas guardam dinheiro embaixo do colchão. E já vimos que quando se tem dinheiro, se consume mais, gasta mais, cria-se mais giro na economia e o país melhora. Porém, estamos completamente na contramão. Estamos nos afundando em uma crise que só piora.

 

E ainda vemos a classe política favorecer empresas, fábricas, bancos, mas no ano que vem não terá mais de onde tirar. Estamos indo para o fundo do poço, e a única saída é com políticas de esquerda. Mas a esquerda dos movimentos sociais, já que aquela outra esquerda que tínhamos, dos partidos políticos, está toda cooptada e, na prática, se juntou com a direita.

 

Hoje vemos caras que eram da esquerda sentados lá e convivendo numa boa com o sistema capitalista, ou seja, destruindo a vida da população mais necessitada, que também contribui com a renda nacional e faz o país crescer. Entendemos que quando o país vai mal os prejuízos devem ser divididos por toda a população. Só não entendemos por que quando vai bem o lucro não é dividido entre todos. O Brasil precisa de mais distribuição de renda.

 

Portanto, aqui a democracia é mera maquiagem. Costumo dizer que a escravidão não acabou. Ela simplesmente colocou todo mundo no mesmo barco. No passado tínhamos os negros escravos, hoje temos os negros, os brancos, os japoneses, os alemães, os indígenas, todos nós somos escravos hoje. E assim não dá.

 

Áudio da entrevista


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Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas.

 

 

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