A força da crise

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Paulo Passarinho
20/08/2011

 

 

No momento em que escrevo, as bolsas de valores mundo afora voltam a apresentar fortes quedas nas cotações dos preços das ações negociadas. A bolsa de Nova York, pelo índice Dow Jones, cai 3,5% e o Ibovespa, da bolsa de São Paulo, recua mais de 4%, acompanhando as fortes quedas nas bolsas européias – Londres, mais de 4%; Paris, mais de 5%; e Frankfurt, mais de 6%.

 

Bolsas de valores vivem da aposta especulativa e fortes oscilações podem muitas vezes fazer parte do roteiro desse universo. O que chama a atenção, contudo, é que essas fortes quedas se inserem em um processo de graves dificuldades que vêm se acumulando na dinâmica das economias mais desenvolvidas do mundo.

 

Nos Estados Unidos, o temor é a possibilidade de um novo mergulho recessivo da sua economia. Apesar das medidas anticíclicas assumidas pelo governo Obama, a economia do país não apresenta indicadores de recuperação do emprego, da renda e dos investimentos de modo a recuperar a confiança dos investidores, e da própria massa de assalariados, em dias melhores.

 

Na Europa, a crise do endividamento dos Estados nacionais mais frágeis da União Européia, provocada principalmente pelas operações de socorro, realizadas em 2007 e 2008, para o salvamento dos bancos privados, produziu elevação das dívidas consolidadas dos países e forte ampliação dos déficits fiscais de cada um deles. O remédio que vem sendo adotado, contudo, poderá agravar ainda mais a crise em curso.

 

No afã de se garantirem os interesses dos bancos privados, os ditos programas de socorro aos países em maiores dificuldades – Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha – exigem cortes de gastos públicos e privatizações. Redução nos programas de novos investimentos desses países e arrocho de salários e vencimentos, além de redução das despesas que garantem direitos sociais, produzirão forte retração da atividade econômica dos países, com novas dificuldades de natureza fiscal, a partir da inevitável queda na arrecadação de impostos e tributos.

 

Fechando essa rápida abordagem da evolução da crise no hemisfério norte, as economias asiáticas são aquelas que apresentam uma melhor condição, particularmente em função do papel que a economia chinesa vem desempenhando, como motor do crescimento econômico de toda essa região.

 

Entretanto, a vitalidade da economia chinesa – que nos últimos trinta anos (!) cresce a uma taxa média anual de 10% – pode também vir a apresentar uma desaceleração desse extraordinário ritmo de crescimento. A partir de uma forte indução ao crescimento tendo como base o seu mercado interno, a China hoje tem em suas exportações um importante vetor de sua dinâmica econômica. Um forte processo recessivo na Europa e nos Estados Unidos produzirá, inevitavelmente, impacto negativo na economia chinesa e em todas as economias em sua área de influência. É nesse ponto que convém olhar com cuidado o que o governo brasileiro e a mídia dominante difundem com relação aos chamados “bons fundamentos” de nossa economia.

 

Desde as reformas de natureza privatizante e de abertura ao mercado financeiro internacional, a partir dos anos 1990, o Brasil e a sua economia produtiva procuram consolidar um papel de fornecedor de matérias primas, em especial minérios, produtos agrícolas e carnes para o resto do mundo, em particular para Estados Unidos e países da Europa e Ásia. Ao mesmo tempo, dadas as características do modelo macroeconômico vigente desde então, baseado em altas taxas de juros e câmbio valorizado, o processo de desnacionalização do parque produtivo brasileiro e de endividamento do Estado avançou de forma muito acentuada. Nossa indústria, inclusive por decisões que fogem ao nosso controle – em decorrência do papel exercido pelas matrizes das multinacionais aqui instaladas – e pelas condições favorecidas pela política econômica, é cada vez mais dependente da importação de peças e componentes para a viabilização de sua produção.

 

Durante a primeira década desse século, o Brasil se beneficiou da enorme expansão do comércio internacional, principalmente puxada pela China e seus parceiros asiáticos. Porém, desde 2007, experimentamos uma paulatina redução do nosso superávit comercial (pelo crescimento das despesas com importações), ao mesmo tempo em que a conta de serviços do país é cada vez mais negativa (por conta de despesas cada vez mais elevadas de remessas lucros e dividendos, pagamento de juros e viagens internacionais).

 

Uma grave reversão, portanto, das condições da economia mundial, a partir da desaceleração chinesa, da estagnação dos Estados Unidos e da recessão européia poderá nos atingir de forma muito grave. A redução nos preços das commodities levará a uma diminuição das nossas receitas de exportação, podendo reduzir ou mesmo anular o saldo comercial do país. Em um quadro como esse, nossas necessidades de financiamento externo através da conta de capital irão expor o país, ainda mais, ao apetite dos investidores externos – com mais desnacionalizações ou mais endividamento – ou, pior, produzirá uma maciça fuga de capitais.

 

O governo alega dispor de reservas internacionais que nos permitiria “segurar o tranco” frente à possível deterioração das condições da economia mundial. De fato, com reservas de US$ 350 bilhões, temos uma retaguarda importante. Contudo, os direitos financeiros de estrangeiros no país ultrapassam em muito ao atual volume das reservas. Ações em bolsas, títulos da dívida pública e participações nos lucros das empresas superam em muito o valor de nossas reservas. Estimativas apontam que, do total do passivo externo do país, mais de US$ 900 bilhões seriam de natureza financeira.

 

Além disso, os enormes dispêndios gerados com o pagamento de juros e amortizações de uma dívida pública interna que ultrapassa a R$ 2,4 trilhões apenas evidenciam que nos encontramos em um caminho muito perigoso em termos de endividamento, comprometimento do Orçamento da União com despesas financeiras e a continuidade da degradação dos serviços públicos voltados à população.   

 

Paulo Passarinho é economista e membro do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.

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