Brasil na OMC e a economia: semana reveladora

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Paulo Passarinho
31/07/2008

 

A semana iniciada nesse último 28 de julho é extremamente reveladora. Na segunda-feira, o Departamento Econômico do Banco Central divulgou os dados mais recentes sobre a situação das nossas contas externas, a partir dos números de junho e da consolidação dos resultados relativos ao primeiro semestre do ano. O déficit das transações correntes atingiu a marca de US$ 17,4 bilhões, e é o pior resultado para a série histórica iniciada em 1947.

 

Conforme já alertamos, o saldo da balança comercial encontra-se em franco processo de redução, e a conta de serviços é cada vez mais salgada por causa, especialmente, do aumento dos recursos enviados para fora do país, sob a forma de lucros e dividendos, por filiais de empresas estrangeiras.

 

Foram enviados ao exterior, neste último semestre, US$ 18,993 bilhões, para a felicidade dos acionistas e controladores estrangeiros, cada vez mais donos do parque produtivo brasileiro. Esse valor é 93,67% maior que o registrado no primeiro semestre do ano passado. Os investimentos estrangeiros diretos de janeiro a junho desse ano foram de US$ 16,7 bilhões, insuficientes, portanto, para cobrir essas despesas com o pagamento de lucros e dividendos e que irão, a médio prazo, ampliar ainda mais o valor dessas remessas.

 

O mais grave é a total incapacidade que o governo demonstra em reagir adequadamente a esse quadro – sob o ponto de vista da soberania do país, e sob a ótica dos interesses dos trabalhadores, não das grandes corporações empresariais. O Banco Central estimava, no início do ano, que teríamos ao longo de 2008 um déficit das transações correntes de US$ 3,5 bilhões. Posteriormente, reviu a sua projeção para o valor de US$ 12 bilhões. E, na realidade, apenas nesse primeiro semestre, a conta negativa já chega a mais de US$ 17 bilhões. Enquanto isso, o IPEA, sob direção de economistas com os pés mais no chão – mas, afastados do núcleo decisório da política econômica e contestados pelos "porta-vozes" do mercado -, já alerta que esse déficit deverá se situar entre US$ 27,5 bilhões e US$ 34,5 bilhões.

 

Na terça-feira, foi a vez da Secretaria do Tesouro Nacional dar o ar da sua (des)graça, com a divulgação dos últimos dados do arrocho orçamentário, travestido com o nome de superávit primário do governo federal. Foram retirados da economia, no primeiro semestre, R$ 61,37 bilhões, que deixaram, assim, de ser investidos na combalida máquina pública ou em investimentos que poderiam minorar as péssimas condições das políticas de educação, de saúde, de reforma agrária ou de reequipação das Forças Armadas, apenas para citar algumas áreas com notória falta de recursos.

 

Esses recursos – oriundos dos tributos que pagamos ao Estado, e não devolvidos sob a forma de serviços públicos adequados – são destinados a pagar apenas uma parte da despesa com juros, provocada pela irresponsável (para o povo, pois os financistas agradecem) política monetária do Banco Central. O valor desse arrocho foi, nesse ano, superior em 43% ao obtido pelo governo federal no primeiro semestre do ano passado.

 

Caso acrescentemos a "economia" que estados, municípios e estatais também são obrigados a realizar, o arrocho orçamentário atinge a marca de R$ 86,116 bilhões.

 

Mas, mesmo assim, essa montanha de dinheiro não foi suficiente para saldar integralmente a conta de juros, paga de janeiro a junho desse ano. Foram mais de R$ 88 bilhões, transferidos aos detentores de títulos da dívida pública! É o maior valor já registrado em um primeiro semestre para esse tipo de despesa.

 

Por último, tivemos também nessa semana a finalização de mais uma frustrada tentativa de conclusão da chamada Rodada Doha, a atual fase de negociações da Organização Mundial do Comércio, com o objetivo de se avançar no perigoso e delicado (para os interesses de trabalhadores e pequenos agricultores espalhados pelo mundo afora, em particular os dos países em desenvolvimento) processo de liberalização do comércio mundial. A reunião desse ano foi realizada em Genebra, na Suíça, e foi a terceira tentativa de conclusão dessas negociações, iniciadas em Doha, capital do Qatar, em 2001.

 

Desde Cancún, palco da tentativa de 2003 em finalizar esse acordo multilateral, o Brasil vem tentando se projetar como uma espécie de liderança dos países em desenvolvimento, com a criação do chamado G-20, grupo de nações que inclui China e Índia.

 

Mas, desde então, a posição do governo Lula é diferenciada de outros países que integram esse grupo. A posição do Brasil sempre foi muito mais flexível às pressões dos países mais ricos. Em Cancún, isto ficou claro com a posição assumida pelo Brasil em relação aos "Temas de Cingapura", proposta onde os países mais ricos defendiam uma maior abertura econômica dos países da periferia nos setores industrial, de serviços e de compras governamentais, em troca da reivindicação de maior abertura dos mercados agrícolas dos Estados Unidos e da Europa.

 

Na ocasião, países como a Índia, Malásia e Indonésia endureceram as suas respectivas posições, e o pior não passou. Agora, em Genebra, a posição do Brasil ficou mais clara e o conflito foi aberto com importantes países, como a própria Índia, a China e a Argentina.

 

Esses são países que operam as suas políticas externas a partir de claros objetivos vinculados aos projetos nacionais de desenvolvimento, que cada um deles definiu. O atual governo do Brasil, ao contrário, somente trabalha com esse tipo de referência estratégica em peças publicitárias ou nos discursos ilusionistas dos seus membros. Na prática e na realidade, o Brasil de Lula – assim como o de FHC e Collor – é o país das transnacionais e do capital financeiro, sem espaços para veleidades nacionalistas de qualquer tipo.

 

Contudo, a posição do governo Lula em relação a sua política externa provoca a ilusão de muitos setores, que tendem a vê-la como avançada ou progressista. Como se fora possível implementar uma política econômica à luz dos interesses das corporações financeiras e uma política externa distinta.

 

Se a política diplomática brasileira atual é avançada em alguns aspectos – em comparação com FHC, e em particular nas relações com países em processo de transformação na América Latina – isso não pode nos permitir abstrair o sentido maior da política externa em curso.

 

A própria ofensiva discursiva contra os subsídios agrícolas dos países ricos, tema recorrente de Lula, também ajuda a reforçar uma imagem pseudo-nacionalista do seu governo.

 

Porém, em meio inclusive à alta global dos preços dos alimentos, essa é uma posição que poderá agravar o quadro de escassez da oferta frente a uma demanda mundial em elevação.

 

Uma redução do nível desses subsídios levaria a um aumento nos custos, diretos e indiretos, de produção; tenderia a afetar a renda dos agricultores (de países ricos, e também dos pobres); além disso, influenciaria as ondas migratórias de populações rurais que viessem a ser afetadas por medidas dessa natureza.

 

A denúncia contra esses subsídios deveria ter como objetivo a explicitação apenas das políticas adotadas pelas nações mais ricas, mas curiosamente contestadas por esses mesmos países quando praticadas por países pobres ou em desenvolvimento.

 

Enfim, graças aos governos da China, da Índia e da Argentina, dentre outros, os trabalhadores brasileiros devem agradecer pelo fracasso dessa última reunião da OMC. Enquanto o governo brasileiro, mais uma vez, atrelou as suas posições aos interesses dos países mais ricos e das empresas que, no Brasil, apostam no etanol combustível, na soja e no suco de laranja como o futuro para o nosso país.

 

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