Ortodoxia de roupa nova

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Paulo Passarinho
05/06/2008

 

Em meu último artigo aqui publicado ("Novo sinal vermelho nas contas externas"), chamei a atenção para a reversão nos resultados financeiros de nossas relações de comércio e serviços com o resto do mundo.

 

Esses resultados se expressam através dos números relativos às chamadas transações correntes do balanço de pagamentos. No período compreendido entre 1995 e 1998, acumulamos um déficit nessas transações de US$ 105,7 bilhões; entre 1999 e 2002, o rombo foi de US$ 80,3 bilhões; e apenas entre os anos de 2003 e 2007 é que conseguimos alterar esse quadro, obtendo um saldo de US$ 47,1 bilhões.

 

O fator principal que nos levou a obter esse resultado nesses últimos cinco anos foi o comportamento da balança comercial – extremamente superavitária -, mas que desde o ano passado começou a perder força.

 

Apesar do "boom" no preço das commodities agrícolas e minerais exportadas pelo Brasil, impulsionado pelo aumento da demanda provocada pela expansão das economias asiáticas, especialmente a China, a força do crescimento das importações feitas pelo país tem feito o saldo comercial diminuir e o que se discute agora é o tamanho do déficit que voltaremos a ter nas transações correntes nesse ano de 2008. Até porque a conta de serviços não pára de crescer, puxada pelas despesas cada vez maiores com o pagamento de lucros e dividendos aos estrangeiros, royalties, custos de transportes e gastos com viagens, além dos juros relativos ao endividamento externo privado e público. Esses, ainda que tenham diminuído – enquanto a dívida interna continua a se elevar -, continuam relevantes.

 

É dentro desse contexto que muito chamou a atenção o anúncio da criação pelo governo brasileiro de um Fundo Soberano. Este é um instrumento que vem sendo utilizado por países que acumulam reservas internacionais em um volume significativo, por força de suas receitas de exportações e saldos nas suas transações correntes.

 

Não é o caso do nosso país. Além de não termos consolidado uma posição que nos permita afirmar – os números insistem em nos mostrar o contrário – que somos superavitários em nossas relações econômicas com o resto do mundo, temos um gravíssimo problema de déficit orçamentário e que se expressa na evolução de nossa monumental e crescente dívida interna, hoje superior a R$ 1,3 trilhão.

 

Qual o sentido, portanto, de um anúncio desse tipo?

 

Mera propaganda enganosa, no estilo de outras lorotas recentes, do tipo "rompemos com o FMI" ou "acabamos com a dívida externa". Inverdades que apenas procuram se respaldar na situação da economia doméstica, com indicadores positivos em comparação com o governo de FHC, mas inteiramente vinculados e dependentes desse quadro das contas externas, que agora começa a apresentar sinais de mudança.

 

A verdade é que o Brasil, sob o comando dos neoliberais – sejam eles da direita ou da ex-esquerda –, é um país que acumula perigoso endividamento e crescente dependência aos capitais estrangeiros.

 

O anúncio de criação desse Fundo Soberano – muito além das propaladas ilusões de dotar o país de um fundo capaz de financiar aplicações do Brasil pelo mundo afora – obedeceu, a rigor, a um outro objetivo.

 

O anúncio desse Fundo serviu para explicar (e justificar), na verdade, o aumento do arrocho fiscal, através da elevação da meta de superávit primário em 0,5% do PIB. Serão 13 bilhões de reais a mais, de toda a receita do governo, que deixarão de ser aplicados em áreas prioritárias para o bem-estar da população pobre do país, na saúde, na educação, em programas de habitação popular, entre outros, para serem destinados à orgia dos gastos públicos em despesas financeiras.

 

Despesas essas decorrentes de um endividamento público realizado para garantir a execução de uma política econômica ditada por bancos e demais corporações financeiras, incluindo as grandes multinacionais, cada vez mais dominantes de todo o parque produtivo instalado no país.

 

E todo esse quadro ainda passa a ser agravado pela elevação das taxas de inflação, produzida especialmente no setor de alimentos e por conseqüência direta do tipo de modelo agrícola em vigor.

 

E é essa a situação que respalda o Banco Central a retomar a elevação da taxa básica de juros; foi divulgada a nova taxa Selic, agora em 12,25% ao ano. É a segunda elevação consecutiva nesse ano e os defensores da idéia do Fundo Soberano acham que, com o aumento do superávit primário, com o aumento do arrocho orçamentário que essa medida representa, os "monetaristas" do Banco Central poderão atenuar suas vontades em colocar os juros na estratosfera.

 

Na melhor hipótese, um engano ingênuo e irresponsável. O que agora assistimos é a uma política econômica que comprime o gasto público, eleva os juros e o endividamento da União, para manter um modelo de economia e de administração das contas públicas que faz com que o Estado brasileiro seja hoje um transferidor de renda para os financistas e demais beneficiários do que chamo de "negócio da dívida pública", o mais rentável e seguro negócio capitalista em nosso país, há muitos anos.

 

As cifras envolvidas são inimagináveis para um brasileiro que vive do seu trabalho e precisa de políticas públicas de qualidade, além de políticos que não sejam meros despachantes dos interesses de banqueiros e financistas.

 

Os números abaixo falam por si só e demonstram o quanto temos gastado com o pagamento de juros, apesar do arrocho representado pelo superávit primário e a evolução do próprio montante da chamada dívida pública.

 

Período Juros Superávit Primário Aumento da Dívida Pública
1995/98 211,4 - 6,5 232,7
1999/2002 365,8 165,4 495,1
2003/2007 750,0 432,5 269,2
Total 1327,2 591,4 997,0
Fonte: Banco Central do Brasil - Valores expressos em bilhões de Reais

 

Paulo Passarinho é economista.

 

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