A Esperança Resiste

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Paulo Passarinho
15/07/2015

 

 

Apesar desse generoso espaço que disponho para externar algumas ideias e opiniões, confesso que optei por uma espécie de submersão nesses últimos meses. Escrever regularmente sobre o comportamento da economia brasileira ou sobre a própria dinâmica política e social que vivemos não é tarefa das mais prazerosas, especialmente se alimentamos esperanças de mudanças profundas, estruturais e substantivas na atual ordem das coisas.

 

Neste mês de julho, por exemplo, dois eventos, aparentemente sem nenhum nexo ou relação em comum, podem ser lembrados como marcas desse tempo que vivemos, de mediocridades e imposturas. Refiro-me aos aniversários de 21 anos do lançamento do Plano Real e de um ano da histórica, acachapante e humilhante derrota da seleção brasileira para os alemães, em plena Copa do Mundo disputada em solo pátrio. Confesso que jamais imaginei que poderia viver sob essas diferentes circunstâncias.

 

Sou um amante do futebol e gosto de estudar e analisar o conjunto de fatores e situações que conformam o universo do que se convencionou chamar de economia. A derrota espetacular que sofremos para os germânicos seria impensável há alguns anos, bem como jamais acreditei que pudéssemos levar a experiência da abertura financeira, comercial, produtiva e tecnológica – impulsionada pelo arranjo do Real – ao ponto em que nos encontramos. Afinal, não somos o país do futebol? Afinal, não éramos vocacionados a um futuro de potência econômica, bem estar social e desenvolvimento pleno?

 

Ao contrário do que já imaginamos em um passado não muito remoto, a realidade de hoje nos impõe reconhecer que sob o ponto de vista econômico voltamos a aprofundar o nosso subdesenvolvimento e dependência. Ao lado da sempre presente propaganda e apologia do necessário e permanente combate à inflação, os últimos vinte anos nos legaram um país que subordinou o importante instrumento da dívida pública à sustentação de um arranjo macroeconômico baseado no binômio taxa real de juros elevada e câmbio supervalorizado.

 

Neste período, por conta justamente desse arranjo, sofremos um brutal retrocesso industrial e uma profunda desnacionalização do nosso parque produtivo. E nos colocamos novamente dependentes – no melhor estilo colonial – das exportações do setor primário, através de commodities agrícolas e minerais.

 

Além disso, com a contínua asfixia orçamentária do setor público, em decorrência da subordinação da economia e da dívida pública aos interesses financeiros, temos visto a permanente e gradativa deterioração da capacidade de o Estado prover a sociedade de serviços públicos universais e de qualidade, de acordo com as dimensões e expectativas da imensa população brasileira. Ao contrário, o que vemos é cada vez mais o incentivo e o crescimento dos serviços privados de educação, saúde e previdência, através inclusive de recursos públicos e incentivos fiscais.

 

Entretanto, nos últimos doze anos e meio, com a chegada do PT ao governo federal, a propaganda lulista procurou falsear essa realidade com uma intensa difusão da ideia de certo neodesenvolvimentismo, projeção da liderança do país nas relações internacionais, emergência de uma nova classe média e outras bobagens do gênero. A rigor, a era das imposturas que se manifesta desde os anos 1990 atingiu o seu ápice sob comando do neo-PT e seus aliados,

 

A razia em curso no país, contudo, e até há pouco não reconhecida pela maioria, atingiu até mesmo o nosso famoso futebol. Hoje, nossos melhores jogadores também se transformaram em mercadorias, a serem comercializadas no mercado global. Aqui não mais atuam. Logo cedo, seus destinos se confundem com algum país da Europa, da Ásia ou da África. Lá fora, esses jovens têm os seus destinos marcados por vivências desvinculadas de nossa realidade e os mais habilidosos – poucos, na verdade – logo encontram oportunidades que muitas vezes os transformam em pessoas com muito dinheiro e interesses os mais diversos. Não sem razão, é importante reconhecer, os nomes mais experientes da última geração de jogadores de futebol do nosso país não estiveram presentes na Copa. Kaká, Ronaldinho, Adriano ou Robinho, por exemplo, apesar de idades que lhes permitiriam atuar na Seleção, lá não estavam, pois passaram a ter outros interesses, extracampo, muito mais relevantes.

 

Vivemos, assim, na nossa economia e no esporte mais cultuado do país uma espécie de transe, que nos afasta perigosamente daquilo que poderíamos efetivamente construir, de acordo com nossas reais possibilidades. Por força das equivocadas opções que temos feito como país, cada vez mais nos situamos muito distantes de objetivos que poderiam ser alcançados, com nosso trabalho, nossa experiência e, especialmente, nossas necessidades prementes.

 

Agora, após a campanha eleitoral à presidência do ano passado, que, apesar da forte polarização que assistimos, mostrou a debilidade das propostas em disputa e a fraqueza dos candidatos, parece que a realidade da nossa crise se descortina com força.

 

O estelionato eleitoral de Dilma, as sucessivas revelações da Operação Lava Jato, a dócil submissão do país a um conjunto de medidas econômicas de caráter recessivo e a emergência da bizarra e reacionária força parlamentar de Eduardo Cunha e Renan Calheiros escancaram que o conjunto da obra – dos últimos 21 anos! – precisa ser interrompido. No campo da economia e na esfera da política.

 

Entretanto essa é uma tarefa, hoje, de complexa realização. O lulismo se encarregou de extinguir o partido que sempre esteve à frente da oposição ao projeto neoliberal no Brasil, justamente o antigo PT. Os partidos da esquerda, que não se renderam à hegemonia da ditadura financeira que vivemos, ainda se mostram débeis, pouco consistentes em suas posições ou apegados a doutrinas que pouco os ajudam a enfrentar as duras condições atuais da luta política real.

 

E mais grave: em diversos movimentos sociais - que ainda mantêm a chama da combatividade e da resistência contra as políticas antinacionais e antipovo, em curso - predominam a crença no espontaneísmo da luta popular e o sentimento antipartido, por conta da justa desconfiança que o comportamento de falsas lideranças de esquerda produziu.

 

Triste e melancólico destino. Entretanto, a empáfia e o arrivismo que caracterizam o neopetismo parecem estar em xeque. A intensa propaganda das imposturas não mais resiste à realidade, que mostra um país submetido a um autorrotulado ajuste fiscal, eufemismo com o objetivo de manter a desordem fiscal de interesse do setor financeiro, especialmente bancos e multinacionais. Antigos e históricos áulicos do lulismo parecem ter superado ilusões e esboçam alertas sobre os equivocados caminhos que temos percorrido. E até mesmo o papa parece agora atento aos riscos sistêmicos produzidos pelo capitalismo financeirizado. A esperança resiste.

 

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Paulo Passarinho é economista e colunista do Correio da Cidadania.

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