Debates estruturais estarão interditados em 2010

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Guilherme Costa Delgado
16/01/2010

 

Como ano eleitoral que é, 2010 é importante no calendário da economia em razão das sinalizações políticas que gera, com vistas às perspectivas do crescimento econômico, do emprego e, sobretudo, da distribuição de renda para os próximos anos. Mas é evidente que a moldura estrutural da economia política está de certa forma pré-definida. Há uma estrutura de riqueza social e poder político fortemente desigual na sociedade, que provavelmente não será afetada porque não estará em disputa na eleição para a direção do Executivo e recomposição do Legislativo em todo o país

 

Disso não se conclua que seja irrelevante o fato político-eleitoral ao processo de acumulação de capital e distribuição da renda na sociedade. Tampouco é válida a tese de que mudanças estruturais não se fazem pela via eleitoral. Um pouco de cada coisa se joga no processo eleitoral. Mas é sobretudo no campo daquilo que está subliminarmente interditado à disputa eleitoral onde encontramos grandes questões nacionais em estado de prenhes e relativo descaso político.

 

Os programas partidários de todos os candidatos irão certamente defender o crescimento econômico, a criação de empregos, a melhoria na distribuição da renda e, agora como novidade global, a sustentabilidade ecológica. Mas isto é jogo retórico, porque o que de fato faz diferença qualitativa é o sentido do desenvolvimento do país. Esta tese deslocaria o debate para temas tais como: necessidades humanas básicas, riscos sociais, igualdade social etc., conceitos que dificilmente comparecerão à disputa eleitoral.

 

O atendimento de algumas necessidades humanas básicas – emprego, saúde, educação, habitação etc. - sob condições de assegurar auto-estima das pessoas e a prevenção ou mitigação de determinados riscos sociais a que estão submetidas todas as pessoas, especialmente os mais pobres, poderiam vir a ser eixos estruturais de uma nova economia política. Isto de certa forma nos remeteria ao tema da Campanha da Fraternidade de 2010-"A Economia a Serviço da Vida". Mas ainda falta sujeito histórico para levantar e empalmar consistentemente tal bandeira.

 

Contudo, a percepção e a consciência crescente dos direitos sociais relativamente aos riscos sociais clássicos (seguridade social) e aos novos riscos ligados à degradação ambiental são vetores previsíveis de pressão e de demanda sobre o Estado, ainda que exercidas de forma fragmentária. A maneira de lidar com essas pressões fará toda a diferença no processo político.

 

O debate do crescimento econômico estará moldado pela inserção dependente da economia brasileira no comércio mundial de "commodities" e no movimento do capital financeiro internacional. Ajustes nas políticas cambial e de juros aumentam ou diminuem a dependência externa. A prevalecer a "âncora" do câmbio sobrevalorizado e dos juros altos, ganham os sócios da "Pátria Financeira" e perdem os adeptos do crescimento. Mas a correção cambial e dos juros por si só não altera a qualidade da inserção externa.

 

A discussão distributiva de "consenso" estará centralizada na suposta virtuosidade dos "Programas da Linha da Pobreza", sem referência às teses dos direitos sociais e da necessidade da sua ampliação e universalização. Isto mexeria no jogo distributivo seriamente e iria requerer reforma tributária do sentido redistributivo da renda e da riqueza. Infelizmente este tema deverá ficar interditado no debate eleitoral.

 

Sobre emprego e renda do trabalho teremos um desfile de promessas de incorporação de milhões de pessoas nos próximos cinco anos (vale lembrar que a População Economicamente Ativa estará crescendo à base de 2 milhões de indivíduos ao ano). Essa incorporação vem ocorrendo dentro do padrão ocupacional que vimos ser trilhado na década, calcado em baixos salários, empregos precários e avanço sobre o Setor Terciário informal ou precariamente formalizado no INSS.

 

A economia dos recursos naturais entrará também no debate político eleitoral. O foco provável não seria o de função social da propriedade fundiária, que em última instância é uma espécie de tema seminal da preservação do meio-ambiente, da estrutura agrária e das relações de trabalho no campo.

 

O enfoque que o sistema político começa a adotar – pelo menos no plano retórico - é o de economia de recursos naturais com baixa emissão de dióxido de carbono. Isto em parte se choca com o modelo de inserção externa a base de "commodities" agrícola, matérias-primas minerais e petróleo bruto.

 

Supondo que a disputa presidencial venha a se tornar plebiscitária em torno dos programas econômicos dos dois últimos presidentes, como se presume desejar o presidente Lula, comparações vão se tornar inevitáveis.

 

Do modelo de estabilização monetária, completa abertura externa e liberalização econômico-financeira dos dois governos FHC, o segundo governo Lula com o seu Programa de Aceleração do Crescimento diferenciou-se pela agenda do crescimento, inserção externa pelo setor primário e uma política social compensatória à queda da massa de salários na economia. Estes dois projetos vão se comparar o tempo inteiro no processo eleitoral. Mas provavelmente ambos estarão aquém das pressões e expectativas despertadas (ou a serem) pelas massas sociais incorporadas precariamente ao mercado de trabalho e às políticas sociais na última década.

 

Em síntese, 2010 terá um consenso temático no debate público das políticas econômicas e sociais e uma agenda interditada nos Partidos e na campanha eleitoral, clamando para ser resgatada por fora do "consenso plebiscitário".

 

Guilherme Costa Delgado é doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

 

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