Estados Unidos e Síria: a mais ampla divergência nos anos 70

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Virgilio Arraes
22/11/2013

 

 

A guerra civil síria chegou a um impasse nos últimos dias: nenhum dos dois lados tem chance de superar o outro no curto prazo, a despeito da intensificação da violência.

 

A recuperação militar de Al-Assad dificulta a realização de novas negociações de paz e a mediação de grandes potências, com a participação dos Estados Unidos e da Rússia no centro, torna-se limitada, especialmente após o sucesso da comunidade internacional em pressionar o governo a identificar seu arsenal químico e posteriormente destruí-lo.

 

Uma razão apontada para a presente debilidade da oposição, essencialmente reunida na chamada Coligação Nacional Síria, teria sido a precoce fragmentação política, após vislumbrar a tomada do poder em pouco tempo, ao indicar-se a realização de tratativas diplomáticas na Suíça, com o objetivo de abordar a transição de poder, através da formação de uma administração provisória, ou ao menos uma trégua duradoura.

 

Nos anos 70, os Estados Unidos encontravam-se atolados no conflito com o Vietnã. Por causa dele, o Oriente Médio adquiriu mais importância, em vista da necessidade de abastecimento intermitente de petróleo para a movimentação das tropas naquela parte da Ásia. Ademais, o crescimento do consumo do produto na Europa e Japão aproximava-se de dez por cento ao ano.

 

Os países médio-orientais respondiam por cerca de 2/3 do fornecimento ao Velho Continente e por quase 9/10 ao segundo. Portanto, a estabilidade daquela região era fundamental para o bom andamento da economia no lado capitalista da acirrada disputa bipolar.

 

O melhor aliado era o Irã, ao lado da Jordânia e Arábia Saudita, mais conectado com o Ocidente desde a ascensão do xá Reza Pahlevi ao poder em agosto de 1953, depois da execução de um golpe de Estado coordenado por Estados Unidos e Grã-Bretanha, sob a justificativa de impedir a execução de medidas nacionalistas no setor petrolífero de um dos três maiores produtores do mundo.

 

Como prêmio à fidelidade anglo-americana, o país adquiriu o status de maior potência militar naquela área, com a consequente transformação em gendarme, com o fito de auxiliar a manter os regimes monárquicos de feitio conservador e teocrático.

 

O comportamento do governo persa se encaixava nas linhas gerais da Doutrina Nixon, ratificação de uma postura decorrente da gestão Kennedy, materializada na ajuda a movimentos de contra-insurgência ou anticomunistas no 3º Mundo, sem participação direta dos Estados Unidos. O auxílio envolveria mesmo a formação de redes de intelectuais.

 

A postura proporcionava bom retorno financeiro ao Ocidente. Quase 1/3 da renda extraída do petróleo iraniano destinava-se à aquisição de armamentos norte-americanos, em sua maioria de última geração. Uma parcela significativa das importações provinha de países da faixa norte-atlântica.

 

O contraponto à presença norte-americana no Oriente Médio – intensificada após a retirada britânica no final de 1971, em decorrência dos efeitos da crise da libra em 1967 – era a soviética, com relativa influência sobre o Egito, com tratado de cooperação em 1971, Iraque, com instrumento similar em 1972, e por fim Síria, com acordo diplomático apenas em 1980, mas com o Partido Baath mais próximo do Comunista Soviético.

 

Todavia, a situação política, e por que não militar, do primeiro e terceiro não estava confortável, em função da derrota na Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967, para Israel.

 

Na sequência, a Arábia Saudita ascenderia na região, com outra forma de atuar: em vez de incentivar a transformação política, ela acenaria com a acomodação através da economia, com investimentos possibilitados em vários países daquela área graças aos vultosos lucros extraídos da comercialização do petróleo.

 

Na análise conservadora da época, a onda nacionalista ou regionalista, de teor secular ou mesmo socialista, seria essencialmente artificial, logo passageira até em face da existência recente das fronteiras de lá, originadas do traçado da cartografia anglo-francesa a datar do final do século 19. A lealdade real adviria dos laços entre os principais clãs ou elites de vilas ou cidades históricas, como Damasco ou Bagdá.

 

1973 seria um ano desfavorável aos desígnios da Casa Branca, em função do impacto político da Guerra do Yom Kippur em outubro, com a aplicação do Primeiro Choque do Petróleo, retaliação ao resultado militar negativo do Egito e Síria, a despeito de maior dano.

 

Ambos haviam suspendido as relações com a Casa Branca durante a confrontação, porém, logo as retomariam. O Egito começaria a aproximar-se de Washington ao passo que a Síria de Moscou.

 

Em novembro de 1978, o distanciamento atingiria o ápice daquela década, quando da formação de uma aliança sírio-iraquiana para se opor às tratativas de Camp David, entre norte-americanos, egípcios e israelenses, voltadas para o debate das fronteiras.

 

O fim dos anos 70 chegaria com quatro líderes na região: Egito, Irã e Arábia Saudita, mais próximos dos Estados Unidos, adversos à presença soviética no Afeganistão, mas discordantes entre si sobre o posicionamento com Israel e Síria, distante de Washington, com indiferença à ocupação do território afegão.

 

A divergência chegaria ao máximo durante a denominada terceira fase do conflito civil no Líbano, no início da década de 80.

 

 

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Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

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