Estados Unidos: atuação desgastada no Afeganistão

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Virgilio Arraes
02/10/2012

 

O impacto do filme sobre Maomé ainda repercute de maneira negativa no norte da África e no Oriente Médio. Cauteloso, o governo norte-americano havia buscado desvincular-se da película, porém não foi possível evitar o próprio desgaste internamente.

 

Protestos maciços naquela área do globo trazem ao público estadunidense a lembrança da crise dos reféns no Irã entre 1979 e 1980. Naquela ocasião, o presidente Jimmy Carter, ao ser acusado de tibieza diante da duração do aprisionamento de servidores do Departamento de Estado, reagiu de modo intempestivo, ao autorizar uma temerária missão de resgate. Malograda, ela contribuiu muito para sua derrota na tentativa de reeleição.

 

De forma involuntária, Mitt Romney auxiliou a reduzir o abatimento de Barack Obama, ao ter sido divulgado o teor de declarações desfavoráveis a segmentos mais pobres da sociedade. Veiculado pela respeitada Mother Jones, o vídeo mostra o candidato republicano em uma reunião com poucos presentes, possivelmente todos apoiadores.

 

Desguarnecido, ele faz afirmações polêmicas sobre o eventual eleitorado do adversário, vinculado à dependência cotidiana do Estado. Nesse sentido, o alcance eleitoral dos republicanos seria menor que o dos democratas por conta da quantidade significativa de pessoas conectadas ao assistencialismo. Seu maior desafio na disputa da Casa Branca seria superar tal desvantagem. Até o momento, a fala foi a maior rata da disputa de 2012.

 

Malgrado o auxílio involuntário do opositor republicano, Obama tem de preocupar-se com a política externa. As atuais manifestações antiocidentais direcionam-se mais à França, mas logo retornarão aos Estados Unidos, por conta da presença militar no Oriente Médio e cercanias.

 

Ao fim do primeiro ano de mandato, Obama reiterou a postura militar como a forma mais adequada de transformar o Afeganistão. Trinta mil efetivos seriam enviados para lá, com o compromisso de sua retirada gradual a partir de julho de 2011. Assim, o total chegaria a quase 150 mil, se considerados os contingentes otanianos. O número estaria um pouco abaixo do recomendado pelo general McChrystal, comandante-chefe local: 40 mil.

 

Como Bush, Obama insistiu que o desfecho daquela guerra não se igualaria ao do Vietnã. Em sua visão, o antecessor errou, quando havia decidido a participação do país em dois confrontos de médio porte. Somente o custo material deles aproximava-se de quase um trilhão de dólares. Naquela altura, o país tinha cerca de 150 mil militares no Iraque, ao passo que no Afeganistão quase 35 mil.

 

Embora intangível, o prejuízo político seria maior, à medida que abalaria bastante a imagem norte-americana em toda aquela região, considerada por muitos como a de uma cruzada.

 

Destarte, seria essencial concentrar-se em uma confrontação. No caso, a escolha da Casa Branca seria o Afeganistão, território no qual os extremistas encontravam havia anos refúgio seguro para o desenvolvimento de suas atividades. Todavia, os enormes gastos, em meio ao começo de uma crise econômica em que os efeitos ainda se estendem até os dias de hoje, contribuíram para influenciar Washington a valorizar mais Cabul que Bagdá.

 

A maneira de proceder seria alterada também: em vez de dedicar-se a capturar talibãs em todo o território afegão, as tropas patrulhariam as maiores cidades. Logo, ao invés de primordialmente punir a guerrilha, impedir a presença em áreas adensadas.

 

Em março de 2010, o presidente norte-americano viajaria secretamente ao país. Na visita de apenas seis horas, os norte-americanos não dissimularam as reservas no tocante ao governo afegão. Vitorioso em 2009, a despeito das denúncias de fraude no processo eleitoral, Hamid Karzai não entusiasmava Barack Obama em vista das suspeitas de corrupção, da incompetência administrativa e da leniência no combate ao cultivo de ópio desde a chegada ao poder em dezembro de 2001.

 

Ao chegar a setembro de 2012, a avaliação da Casa Branca manteve-se igual. Entretanto, a falta de opção faz com que o apoio seja mantido. Assim, indiferentemente à existência de filmes ocidentais negativos ao islamismo, os norte-americanos auxiliam seu próprio desgaste naquela vasta extensão territorial.

 

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Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

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