A persistência da herança negativa dos republicanos

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Virgilio Arraes
01/08/2012

 

Nos últimos dias, pesquisas apontam a proximidade de intenção de voto entre Barack Obama e Mitt Romney, não obstante o perfil inusual do candidato republicano, empresário de porte e membro de uma denominação religiosa pequena.

 

O fator principal para o resultado momentâneo é o marasmo econômico, refletido no dia-a-dia da população em alto índice de desemprego. Se cumprida a promessa de campanha presidencial de 2008, a modificação do norte na política externa poderia ter direcionado mais recursos para investimentos internos.

 

Nos primeiros meses de gestão, Barack Obama logo se defrontou com séria questão: modernizar o relacionamento com países-chaves do Oriente Médio e cercanias, o que abarcaria mesmo a Turquia, um dos aliados mais estratégicos, em função da importância geográfica (entre Europa e Ásia) cultural (muçulmano, porém laico política e democrático formalmente) e militar (membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN).

 

Há quase um século, com o fim do multissecular império otomano, o país tem sido o modelo de modernização adequado aos olhos do Ocidente. Nesse sentido, Mustafa Kemal Atartuk, primeiro presidente da Turquia, é referência sempre evocada, por conta do secularismo e do republicanismo.

Em 2003, Ancara opôs-se de maneira firme à invasão do Iraque, com o qual compartilha fronteira.

 

Receava-se que a instabilidade no caso de guerra chegar ao seu território, em vista das aspirações autônomas ou até nacionalistas da significativa comunidade curda – cerca de 1/5 da população total –, incompatíveis com o caráter unitário daquele Estado. Quase dez anos mais tarde, o governo turco tem preocupação semelhante, por causa da longa crise política na Síria.

 

Em abril de 2009, Obama deslocou-se à capital turca, com a aspiração de diluir o distanciamento. Embora de maneira cautelosa, ele mencionou a necessidade de solucionar-se o impasse sobre a soberania do Chipre, território dividido entre turcos e cipriotas desde 1974.

 

Sem isso, ainda que sem relacionar diretamente, o desejo da Turquia de ingressar na União Européia continuará dificultado em face da oposição de Nicósia e de Atenas, mesmo reconhecida a legitimidade de participação.

 

De lá, Obama seguiu para Bagdá, onde afirmou às tropas o estabelecimento da transição de retirada dos efetivos – ano e meio – em face da aceitação de que o bastão de comando deveria ser entregue à própria elite local. Curiosamente, ele não se encontrou nem com o primeiro-ministro Nouri Al-Maliki, nem com o presidente Jalal Talibani. De toda forma, naquele momento, a preocupação da Casa Branca destinava-se ao caótico Afeganistão.

 

A situação de descontrole herdada não se vinculava apenas às duas guerras, mas até a uma importante rota de transporte de petróleo: o mar árabe, no qual salteadores havia anos detinham tripulações, a fim de obter resgate – em 2008, estimava-se a ocorrência de mais de uma centena de ataques, com pagamentos de dezenas de milhões de dólares.

 

Isso levou a Organização das Nações Unidas, através de várias resoluções naquele mesmo ano, a autorizar o combate à pilhagem. Em muitas abordagens, os ‘piratas’ chegavam a danificar seriamente navios-tanques ou embarcações com ajuda humanitária, muito necessária na região.

 

A ação da Casa Branca foi firme quando um navio de bandeira sua foi assaltado, ao valer-se do envio de um contratorpedeiro. No caso do Maersk Alabama, os sequestradores foram mortos, com exceção de um, detido e conduzido para julgamento em solo americano, não queniano, dada a desagregação da Somália. Em 2011, ele seria condenado a mais de 30 anos de prisão. Devido ao impacto da história, ela será transformada em filme, com Tom Hanks no papel de capitão da marinha mercante.

 

Na região caribenha, como sói acontecer há quase cinco décadas, a maior preocupação era Cuba. Entre muitos democratas, havia a visão de que a manutenção de sanções econômicas bem rígidas somente ajudaria politicamente os amero-cubanos na Flórida, próximos dos republicanos, e o próprio governo cubano, por ter como justificar vários problemas administrativos.

 

Assim, viagens com finalidade familiar e remessa de dólares foram facilitadas, exceção feita se eles fossem membros do governo ou do partido comunista local. Paralelamente, eles poderiam propiciar a seus parentes cubanos o acesso à telefonia móvel e transmissão televisiva, desde que providenciado por companhias americanas.

 

Depois de quase quatro anos, nenhuma das medidas iniciais gerou modificações substantivas: as guerras do Afeganistão e do Iraque continuam, mesmo em ritmo menor, os salteamentos marítimos incrementaram-se e o estranhamento com Cuba perdura. Assim, os democratas teriam desconforto para criticar a política exterior dos republicanos ao longo dos próximos debates na presente eleição.

 

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Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

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