Estados Unidos: a persistência do legado de George Bush

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Virgilio Arraes
24/07/2012

 

Em janeiro de 2013, um dos maiores desafios ao próximo presidente norte-americano será o de coordenar a renovação do sistema econômico global, abalado desde o final de 2008.

 

No pós-I Guerra Mundial, os democratas, à frente do poder desde 1913, hesitaram em deslocar a administração das finanças mundiais de Londres para Nova York – o Banco Central (Federal Reserve) havia sido implementado apenas em dezembro de 1913. Sua origem residira em projeto de lei apresentado depois do chamado Pânico de 1907.

 

Ao final da II Guerra Mundial, eles, mais experientes após a quebra de 1929, estruturaram novo concerto, por meio do estabelecimento do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, ainda que de maneira subsidiária ao seu próprio sistema. Com a crise da primeira metade da década de 70, Washington passou a prestigiar mais as duas organizações.

 

O encerramento da Guerra Fria não ensejou a organização de nova ordem econômica; ao contrário, a orientação norte-americana aos países foi a de desregulamentar o máximo possível na convicção de que os agentes, amadurecidos pelos desdobramentos políticos e econômicos das últimas décadas, não se portariam de maneira imprudente – de modo ilusório, advogou-se a eficiência da ideia da autorregulamentação.

 

O resultado da postura temerária foi a irrupção de uma séria crise nos últimos meses de 2008, malgrado a existência dos sinais anteriores dos anos 90 na América Latina, com México, Brasil e Argentina à tona, Sudeste Asiático e Rússia.

 

Nos Estados Unidos, a disrupção financeira de 2008 contribuiu mais para a derrota dos republicanos que a má condução da política externa. Quase quatro anos depois, ela continua a pairar sobre o cotidiano da população, bastante descrente de um desfecho animador.

 

Ao assumir o poder em janeiro de 2009, uma das primeiras medidas de Barack Obama foi a de delinear com os britânicos um arranjo com o propósito de conter os efeitos mais deletérios daquele momento – em março de 2009, o presidente recebeu visita do primeiro-ministro Gordon Brown, sucessor do controvertido Tony Blair, outrora pregador da Terceira Via, moldura política de socialistas e socialdemocratas convertidos ao neoliberalismo.

 

Na época, acreditava-se que democratas e trabalhistas – dentre os quais contavam com um primeiro-ministro que havia sido o titular da área da Fazenda por uma década – teriam proximidade política adequada para propor novos padrões de responsabilidade e de transparência no processo de recuperação do sistema financeiro.

 

A partir de então, outros governos se somariam a eles, como os da União Européia, China, Japão, Índia, Brasil, entre outros. A despeito da retórica, o balanço final desaguou no auxílio maciço dos bancos, com contas de bilhões e bilhões de dólares para os contribuintes, sob justificativa de preservar o setor e, por conseguinte, de evitar o alargamento do problema. Paradoxalmente, esta polêmica medida mantém a crise perdurante.

 

Outro ponto comum aos dois países anglo-saxônicos era o longo conflito afegão. Com quase dez mil efetivos sob liderança otaniana, a Grã-Bretanha havia decidido não enviar mais tropas, posição bem distinta da dos Estados Unidos, favorável à ampliação não só castrense, mas à de civis, como engenheiros e professores.

 

Todavia, sem se reduzirem a corrupção e a ineficiência do governo local e sem se coibir o contínuo plantio da papoula, as novas ações não redundariam em benefícios, conforme reconhecia a burocracia norte-americana.

 

Na visão trabalhista, o problema não se circunscrevia ao Afeganistão em si. Enquanto não se solucionasse politicamente o posicionamento ambíguo do Paquistão diante daquela guerra, ele permaneceria o melhor refúgio de integristas, vez que não havia controle rígido de transeuntes na fronteira.

 

Assim, não se resolveria militarmente o destino do Afeganistão. Washington estimava que mais ajuda econômica a Islamabad incentivá-lo-ia a conter focos terroristas – cerca de um bilhão e meio de dólares por ano. Além do mais, a Casa Branca avaliava que sem chegar-se a um entendimento diplomático com Teerã, não haveria êxito de longo prazo no Oriente Médio e adjacências.

 

A Rússia era considerada um aliado importante na oposição ao fundamentalismo e na interlocução das questões médio-orientais. Como contrapartida, Moscou desejava aprofundar os termos de dois tratados: o de não proliferação de armas nucleares, debatido em maio de 2010, e o de redução de armas estratégicas – START III –, assinado em abril do mesmo ano, com validade de um decênio.

 

Diante do desgaste do país concernente a direitos humanos, Obama nomeou Scott Gration, brigadeiro de duas estrelas da reserva, como plenipotenciário ao Sudão, país marcado havia anos por rivalidades religiosas e disputas por recursos naturais.

 

O Tribunal Penal Internacional havia expedido um mandado de prisão ao presidente Al-Bashir sob acusação de crimes de guerra e de crimes contra a humanidade em Darfur. A par destas acusações, organizações humanitárias queixavam-se de que não tinham condições de prestar assistência às vítimas do conflito, estimadas em mais de um milhão. A intermediação americana não modificaria a situação. Em julho de 2011, houve a secessão do país, com o surgimento do Sudão do Sul.

 

Por fim, um tema menosprezado no governo de George Bush, apesar das advertências do Departamento de Segurança Interna: o México, transtornado por problemas econômicos e pelo recrudescimento da violência do narcotráfico. No último ponto, o auxílio basicamente se limitava a ser monetário, de acordo com o chamado Plano México, aprovado em 2008, voltado para a América Central também.

 

A gestão de Obama intencionava fortalecer a fiscalização de veículos, com a finalidade de apreender mais armas e drogas. A relativa desatenção havia feito com que os governos do Texas e do Arizona solicitassem a presença da guarda nacional. Contudo, apesar da expectativa, Obama terminaria por repetir o comportamento do predecessor republicano: na prática, financiar a compra de equipamentos policiais e militares ao vizinho.

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

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