EUA: o acanhado, mas positivo, avanço na interrupção nuclear

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Virgilio Arraes
20/01/2011

 

Uma das notícias mais surpreendentes na política externa norte-americana foi a aprovação, antes do final de 2010, da quarta versão (a primeira é de 1991 e a terceira de 1997, sem ter passado pelo crivo oficial amero-russo) do Tratado de Redução de Armas Estratégicas (START) por mais de 2/3 dos votos do Senado – até então, a votação havia sido encarada como um dos maiores desafios de 2011 ao governo Obama, haja vista a insuficiência democrata para obter o número mínimo exigido pelo regimento senatorial.

 

Na visão dos republicanos mais conservadores, o tratado seria desnecessário, por ser mal negociado – ao englobar apenas duas potências nucleares em um mundo com cerca de uma dezena – e mal avaliado - uma vez que ele prejudicaria o aperfeiçoamento dos projetos de pesquisa nuclear.

 

Por isso, houve a exigência do Congresso para que o Executivo mantivesse as investigações científicas na área. A fim de viabilizar tal propósito, os parlamentares aprovaram a destinação de 85 bilhões de dólares para os próximos dez anos.

 

Na perspectiva da direita mais inflexível, a América do Norte fragilizar-se-ia política e militarmente perante os Estados renegados, caso continue a aprovar acordos de tal matiz. Isso vai de encontro ao discurso do presidente Obama em 2010 na República Tcheca, ao externar o desejo de um mundo livre de armas atômicas.

 

Quanto ao argumento de uma possível defasagem científica, até Henry Kissinger, ex-titular do Departamento de Estado durante a gestão de Richard Nixon, reconheceu que isso não impedirá o andamento de programa algum. Mesmo assim, os russos seriam os mais beneficiados, de acordo com a visão neoconservadora.

 

Nos últimos anos, a prevalência no planejamento da política externa dos Estados Unidos por parte dos segmentos mais reacionários do país levou a resultados catastróficos, entre os quais a Segunda Guerra do Golfo, ao entrelaçar à amedrontada opinião pública vínculos inexistentes entre a ditadura de Saddam Hussein e a Al-Qaeda.

 

Embora de feitio modesto na limitação do total de artefatos nucleares, o novo entendimento diplomático possibilita, de toda forma, a retomada das inspeções, encerradas desde dezembro de 2009. A autorização para que cada uma das superpotências disponha de mais de 1500 ogivas é ainda excessiva – uma delas seria suficiente para inviabilizar a vida em uma grande cidade.

 

Acrescente-se que o acordo aprovado entre Moscou e Washington flexibilizou aos dois as condições iniciais para reduzir seus arsenais em menos de uma década e não suspendeu o desenvolvimento de projetos de defesa vinculados a mísseis, ainda que na prática inviáveis – o chamado programa Guerra nas Estrelas, idealizado ainda no período do presidente Ronald Reagan, nos anos 80.

 

A despeito de bilhões e bilhões de dólares gastos, ele está muito aquém do visualizado em sua concepção original, em plena Guerra Fria. Em pouco mais de uma década, metade dos testes falhou, índice considerado acima do esperado.

 

Desde o início dos anos 50, no entanto, projetos devaneantes e custosos têm sido comuns no Pentágono, sob justificativa de mirar sempre o longuíssimo prazo e, por conseguinte, consolidar a aliança entre o setor militar e corporações civis.

 

No transcorrer das negociações, os russos chegaram a acreditar que os norte-americanos não implementariam mais sistemas de mísseis defensivos no Leste europeu, porém os republicanos rejeitaram toda iniciativa nessa direção. Sem isso, os democratas não teriam obtido os votos necessários para a ratificação.

 

Apesar das dificuldades, a boa e inesperada acolhida parlamentar, malgrado a insuficiência da limitação de armamentos por meio do acordo, sinaliza ao Executivo maior fôlego para avançar de maneira multilateral no tema, mesmo com países polêmicos como Irã e Paquistão, por exemplo.

 

Outrossim, incentiva países como Índia, Paquistão ou Coréia do Norte a subscrever o anexo 2 do Tratado de Proibição de Testes Nucleares ou a ratificá-lo, como é o caso dos próprios Estados Unidos, China, Israel e Irã.

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

 

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