O reforço do conservadorismo nos EUA

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Virgílio Arraes
04/03/2010

 

A derrota do candidato republicano John McCain em novembro de 2008 significou o deslocamento ainda mais à direita do seu eleitorado, não obstante o legado negativo da gestão de George Bush à população americana.

 

O reacionarismo, sob o manto da renovação, agrupa-se em torno de um movimento conhecido como Partido do Chá, alusão a um evento de 1773, ocorrido na cidade de Boston, responsável por impulsionar o anseio por maior autonomia administrativa e, mais tarde, materializado em um processo de separação total da metrópole britânica.

 

Os chazeiros aglutinam-se utopicamente ao redor do liberalismo clássico, ao destacar a necessidade de proteção dos direitos individuais perante o Estado, virtualmente autoritário e esbanjador. Nesse sentido, alguns se opõem à cobrança de impostos, como o de renda, por exemplo, por não figurar na Constituição em seu princípio, mas por legislação posterior. Ao transmigrar o pensamento do século XVIII para o XXI sem adaptação, desvirtuam-no sobremodo.

 

De certa forma, o movimento ressuscita e atualiza a histeria política dos anos 40, estimulada durante vários anos por um obscuro senador republicano de Wisconsin, Joseph McCarthy. Em vez do comunismo, o presente infortúnio para os neoreacionários é o progressismo, defendido por setores do Partido Democrata.

 

Em que se diferencia um e outro? O tempo de implementação de medidas transformadoras. Aos seus olhos, as origens do progressismo encontram-se em Ted Roosevelt, a despeito do histórico republicano, e em Woodrow Wilson. Para os chazeiros, o Estado é o responsável por crises, ao impedir as forças do mercado de atuar ao seu modo – no médio prazo, corrigir-se-iam os desequilíbrios conjunturais por si, jamais por intervenção externa.

 

Roosevelt, cuja política externa para a América Latina havia sido adversa ao tratar de maneira desigual muitos países da região, desentendeu-se politicamente com seu sucessor, William Taft, por causa da visão de cada um sobre o papel do governo na regulação das grandes corporações, como o setor do aço. Na visão de Roosevelt, Taft era um dirigente fraco.

 

Diante da sua impopularidade crescente, vários republicanos recearam a impossibilidade de reelegê-lo, de sorte que buscaram convencer o seu predecessor de disputar mais uma eleição. Nas primárias, embora Roosevelt obtivesse a maior parte dos votos, Taft conseguiu a maioria dos delegados, de maneira que concorreria a novo termo.

 

Inconformados, constituíram o Partido Progressista ou o Partido do Alce, por Roosevelt ter dito que se sentia forte como aquele animal. Curiosamente, muitos aspectos da sua plataforma de 1912 ainda hoje seriam considerados desnecessários de regulamentação na visão de muitos neoconservadores, como a legislação trabalhista (um dia de descanso na semana ou jornada diferenciada para mulheres e adolescentes), a salarial (fixação de uma remuneração mínima), a previdenciária (estabelecimento de medidas de proteção para idosos e inválidos) e por último a sindical (livre constituição de agremiações laborais).

 

Ademais, eles pregavam a aprovação de uma emenda constitucional que possibilitasse a extensão do voto às mulheres e a supervisão de grandes companhias pelo governo. O programa partidário era por eles chamado de Novo Nacionalismo, algo similar às propostas social-democratas do pós-Segunda Guerra Mundial.

 

No outro lado, os democratas apresentaram o nome de um ex-reitor de uma das mais antigas e prestigiosas universidades dos Estados Unidos, Princeton, uma das oito da denominada Liga de Hera. A sua proposta foi menos ousada que a de Roosevelt. Batizou-se ela de Nova Liberdade. Naquele momento, o Partido Democrata advogava a idéia de menor intervenção do Estado.

 

Leis deveriam ser compostas para estimular a competição entre grandes empresas, não para interferir em seu funcionamento. Além do mais, os democratas afirmavam defender o interesse nacional, não o especial, de sorte que não devia haver leis específicas para sindicatos, agricultores ou mulheres.

 

Com a divisão do Partido Republicano, Wilson ganhou a eleição com 435 votos dos delegados, enquanto Roosevelt teve 88 e Taft apenas 8. Na votação popular, os democratas, no entanto, mal ultrapassaram os 40% - de maneira surpreendente, o Partido Socialista, liderado por um ferroviário, Eugene Debs, chegou aos 6%, com quase um milhão de votos.

 

Ante o exposto, observa-se que, a despeito de o presente governo democrata situar-se longe de uma administração bem renovadora, o segmento reacionário insurge-se previamente, de modo que se bloqueie toda iniciativa de transformação, mesmo estando no plano da formulação ou nos primeiros debates no Congresso.

 

Os efeitos de tal política são visíveis, visto que o segundo ano de mandato do presidente Obama já reflete a insegurança de ousar na apresentação de propostas, apesar da delicada situação sócio-econômica herdada por ele.

 

Exemplo maior disso é o projeto relativo à assistência médica mínima a cerca de 50 milhões de norte-americanos, que é questionado de modo incessante pela oposição republicana, sem que a situação democrata consiga contrapor-lhe a argumentação, de forma que agregasse politicamente os eventuais beneficiários.

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

 

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