Doutrina Bush: o custo de continuá-la ou não

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Virgílio Arraes
17/09/2008

 

A doutrina Bush patina: em seu único local de execução, o Iraque, os Estados Unidos não conseguiram sequer fixar de maneira regular a extração e o fornecimento de petróleo. Desde o início, apresentou-se, em tese, o ideário à população norte-americana como o melhor modo de garantir a segurança do país, abalado naturalmente com o ataque terrorista de 11 de setembro.

 

Assim, a Casa Branca avocou para si o direito de manifestar-se militarmente perante o globo de forma preemptiva, isto é, neutralizando eventuais ameaças de adversários antes mesmo de elas virem à tona – na maioria dos casos, o antiamericanismo não ultrapassava o verbalismo inconseqüente, de efeitos políticos meramente internos.

 

A datar de setembro de 2001, contudo, variadas demonstrações de falatório passaram a adquirir, aos olhos do tenso governo estadunidense, uma consistência ameaçadora outrora inimaginável. Como conseqüência, desenrolar-se-ia a imperiosa necessidade de eliminação das fontes, haja vista a possibilidade de que elas adquirissem intensidade.

 

Em suma, a doutrina Bush tem sido análoga à manifestação do programa tolerância zero, executado há muito tempo em várias cidades norte-americanas como tática extrema para a redução da criminalidade – ampliação do efetivo policial e de vagas no sistema carcerário – em favor supostamente da restituição da ordem cívica urbana.

 

No caso externo, a aplicação dos preceitos deveria assegurar, além da preservação da integridade territorial e populacional dos Estados Unidos, a estabilidade do sistema internacional, de sorte que todos os fluxos da globalização – econômicos, políticos, humanos, culturais etc. - pudessem ocorrer sem dificuldade alguma. Portanto, na análise neoconservadora, a subsistência do presente estágio civilizacional transita pela utilização das diretrizes preemptivas.

 

Anunciada ao mundo um ano após a investida contra Nova York, a doutrina Bush representa a estruturação do ideário conservador. Conquanto não seja bem compreendida de maneira pormenorizada por muitos eleitores, mesmo republicanos, ela é subscrita de modo acabado pelos militantes mais extremados – campo de onde se extraiu Sarah Palin, integrante da chapa presidencial.

 

Na prática, a pregação neocon infundiu nos cidadãos a idéia de que preventivo e preemptivo seriam o mesmo objeto. Isso abarca até mesmo a alta esfera partidária, conforme se depreende de recentes declarações de Palin, quando questionada se apoiaria ou não a doutrina Bush.

 

A simplificação conceitual não se limita lamentavelmente a isto. Em termos gerais, diviniza o comportamento presidencial, o que resguarda a atuação administrativa, ainda que seja bastante desastrada, do titular da Casa Branca. Na política externa, o inimigo é visto de forma maniqueísta, sem espaço para contemporização, como foi o caso do Eixo do Mal – Irã, Iraque e Coréia. Assim, a postura aproxima-se muito de um choque de civilizações.

 

Nem mesmo pertencendo o possível adversário a um raio geográfico ou cultural mais próximo, há transigência inicial para o diálogo. Aplaca-se a visão simplória da realidade por intermédio do tempo tão-somente, o que não obsta, no entanto, retrocessos diplomáticos no sistema internacional. A ameaça à Rússia, em decorrência da punição aplicada pelo Kremlin à Geórgia por invadir desembaraçadamente a litigiosa Ossétia do Sul, é um deles.

 

Sem consultar o Conselho de Segurança das Nações Unidas, a fim de inteirar-se da justificativa oficial russa, a Casa Branca condenou a movimentação militar, sem admoestar, contudo, o aliado georgiano. Da parte da candidatura republicana, o apoio a Washington foi integral.

 

Embora a solidariedade partidária seja importante, ela não poderia ser demonstrada sem senso crítico, sob risco de comprometer ainda mais a desgastada imagem dos Estados Unidos perante a sociedade internacional. À primeira vista, a dupla McCain-Palin parece não importar-se com a eventual herança da gestão Bush, visto que ela mesma auxilia a manter o seu ônus.

 

Virgílio Arraes é professor de Relações Internacionais da UnB.

 

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