Equação de Newtown ou o direito de armar o próximo

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Daniel Chutorianscy
21/12/2012

 

 

Mais uma vez, a grande metáfora: o morticínio praticado por um jovem “serial-killer”, numa cidadezinha do interior dos Estados Unidos chamada Newtown, se compara ao comportamento psicopatológico do governo estadunidense em relação às populações “mais fracas” do resto do planeta.  Cada nova tragédia supera o número de mortes da anterior.

 

É o velho estilo “cowboy”, aquele que “saca mais rápido”, com armas pesadas a tiracolo e pensamento sempre voltado para ser um “herói histórico”.

 

A população estadunidense possui trezentos milhões de armas. Ou seja, uma arma para cada cidadão. Vendem-se armas em qualquer esquina, adquire-se pela Internet. Armas só têm uma única função: matar, liquidar, constranger, intimidar, dominar. Quem? Os mais frágeis, os mais fracos, os que criam problemas para o poderoso esquema de dominação, para seu lucro, para sua ganância, cujo pensamento é: “o nosso papel é salvar a humanidade”, “o nosso papel é defender a democracia”, “nossas armas são para proteção e defesa” . E as vendas se multiplicam numa escala absurdamente incrível.

 

Armas de todos os tipos e tecnologia, a grande indústria do planeta. E parece que o grande aprendizado começou lá, no país com listras e estrelinhas, quando invadiu o território do Atlântico ao Pacífico, depois na “belíssima” guerra fratricida entre ianques e confederados. E foi seguindo adiante, cada vez mais fortalecido com exércitos e armamentos, aprendidos e construídos com o próprio sangue. Um pouco mais tarde, foi a vez do Canal do Panamá, com a Doutrina Monroe, “ninguém põe a mão naquilo que passa a ser minha conquista”, “se desobedecer, tomamos à força”. E foram passando a mão mundo afora... E continuaram cada vez mais gulosos e ambiciosos. O que sobe pela força desce pela força, eis o viés histórico que já se repetiu inúmeras vezes: início, apogeu e final.

 

Foram incrementando a violência como forma de entretenimento através do cinema, jornal, mídias de todas as formas, convencendo a população estadunidense de que eram eternos vencedores, “só com violência podemos salvar a democracia”. A violência cativou a população. Armados até os dentes contra o grande e eterno perigo do comunismo, venha ele de onde vier, de perto ou de longe. Incentivaram a população com grandes doses de ingenuidade e infantilização. As armas usadas eram o dito “direito de liberdade”, o “direito de defender a propriedade”, e as armas ideológicas foram substituídas por armas de grosso calibre.

 

Aqui, certamente, também temos nossas grandes tragédias por pobreza, fome, subdesenvolvimento, doenças.

 

O modelo capitalista, para existir, com seu lucro e sua ganância, necessita sumária e sinistramente de armas. Quando não há obediência ao seu modelo, soltam-se os “lobos” que uivam sedução e obediência total; posteriormente, se isso não funcionar, vêm “os vampiros” que atacam no pescoço até sangrar a vítima; e, se ainda não for suficiente, a arma final: a guerra de extermínio. O modelo da violência precisa ser plantado e alimentado desde a mais tenra infância por “joguinhos de guerra e morte”, com o “gangsterismo” das telas selvagens, pelas lutas ao vivo até a morte, como num Coliseu romano via eletrônica, e a moda se espalha em todos os lugares. “Nada se cria, tudo se copia”. E vai se introjetando a violência: o que era uma simples brincadeira torna-se absolutamente “normal”.

 

E a Equação de Newtown, a nossa metáfora inicial? A cidadezinha perdida em Connecticut-USA, parafraseando o grande Newton da maçã, é a famosa equação da “Lei da Ação e da Reação”, em que cada ação corresponde a uma reação em sentido igual e contrário.

 

Andar armado, matar os mais fracos dentro de uma escola, alvejando crianças, metaforiza o poder de países ou populações “mais fortes” frente aos países e populações “mais fracos”.  Matar mãe ou pai, basta lembrarmo-nos dos vários presidentes estadunidenses assassinados. Matar por ódio, vingança, frustração torna-se mais fácil com muitas armas e muita premeditação. E cada vez mais esse ato vai se tornando “normal”, e essa normalização faz parte do modelo. E a função é a repetição do modelo. Violência e entretenimento são as grandes armas de alienação. Violência e entretenimento são armas para afastar o homem do pensar, e a maior arma do ser humano certamente é pensar.

 

Enquanto houver armas e exércitos para defender “democracias”, “direitos”, “justiças” das elites, estaremos condenados à Equação de Newtown. A população adulta e principalmente a população jovem estadunidense é envenenada com a “tarefa divina” de “salvar o mundo”.  A grande “armação”, pensada e calculada, é que “desde pequenininho é que se torce o menino”. E, com isso, o cidadão paga um preço diabólico, arruinando suas vidas. Basta um pequeníssimo estopim aceso, dentro do barril de pólvora, para engendrar o maquiavélico poder, “A culpa é do homem doente, e não das armas”.

 

Repetindo: nada é eterno: tudo tem um começo, um apogeu, um final...

 

Quanto mais reforçarem essa metáfora que repete o modelo capitalista, mais retornarão das várias guerras num saco fechado, mais mães e pais sofrerão com perdas de seus filhos e parentes. Choros, orações, sensacionalismo de uma mídia perversa e obediente serão sempre o palco quando um jovem repete mortes em série a “sangue frio”.

 

Nada é eterno: tudo tem começo, apogeu, e final. O capítulo final dessa longa tragédia humana que se arrasta há séculos seria “Um Adeus às Armas”. Desarmar, colocando no lixo as armas e sua indústria fratricida, desarmar e extinguir o modelo cruel de exploração que destroi e colocá-lo no lixo da História.

 

Vida, capital fundamental para a humanidade, ou também o direito de amar a justiça, a dignidade, sem as armas ou “armações”, armadas pela morte, exploração, lucro e ganância. Contrariando a Equação de Newtown, desejamos o direito de armar o próximo com o calibre da paz e da justiça social.

 

Daniel Chutorianscy é médico. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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