Transgênicos: a serviço de quem?

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Grupo de São Paulo
16/06/2010

 

Este artigo não é contra os OGMs (Organismos Geneticamente Modificados - animais e plantas modificados pela transferência de genes, de uma espécie para a outra) como fato científico no campo da biologia genética. Tal qual outras descobertas – nas áreas de energia atômica, nanotecnologia e células-tronco, entre outras –, o que importa é a forma pela qual a inovação é usada e apropriada. O avanço científico não é um mal em si mesmo. A energia atômica, a humanidade bem o sabe, pode ser utilizada para extermínio em massa e pressionar politicamente ou para salvar vidas e auxiliar países em desenvolvimento. O mesmo ocorre com os transgênicos (OGMs). A quem beneficia?

 

O noticiário está repleto de notícias que louvam ou criticam a forma de agir das companhias transnacionais que dominam este ramo do chamado agronegócio internacional. A atuação dessas empresas, grande parte das vezes, é criminosa. Monsanto, Syngenta e outras grandes corporações agem de forma semelhante. Há denúncias de práticas de cooptação, corrupção, contaminação de culturas locais, desonestidade intelectual em pesquisas e testes de OGMs. As evidências de impactos negativos na saúde humana e animal, e no meio ambiente, são muito fortes e, não por acaso, mal divulgadas pela mídia tradicional.

 

O que essas empresas buscam é o domínio oligopolista dos mercados em todas as fases da produção agrícola e pecuária. Criam dependências econômicas e políticas. Geram subordinação. Agem aliciando pessoas (subordinando) nos governos, na mídia, nas universidades e nas entidades dedicadas à pesquisa agrícola. O sistema de reconhecimento de patentes, montado de acordo com seus interesses, lhes proporciona até cobrar de produtores cujas lavouras foram contaminadas (criminosamente) por OGMs, além de condicioná-los ao uso de seus herbicidas. Chegou-se a produzir e patentear sementes que não se reproduzem (terminator), clara tentativa de abolir a prática milenar do agricultor de gerar suas próprias sementes. Ironicamente, tudo isto ocorre em nome do combate à fome. Repete-se a mesma falsa justificativa que marcou a "Revolução Verde" dos anos 50 e 60 do século passado.

 

O caso da soja transgênica na Argentina é emblemático. Mostra como foi dominada a produção agrícola argentina, hoje totalmente submissa aos interesses de uma transnacional. A revista Carta Capital de 29/08/2009 traz matéria que elucida a respeito: "Há 35 anos a multinacional Monsanto começou a testar um herbicida à base de um componente químico chamado glifosato. Na década de 80, chegou à formula final do Roundup, que a partir dos anos 90 passou a ser utilizado em várias partes do mundo em pequena ou média escala (no Brasil, nos campos cobertos pelo agronegócio).

 

Mas é na Argentina, onde seu uso foi autorizado em 1996, que o glifosato é usado em larguíssima escala: por ano, 280 milhões de litros são fumigados ou aspergidos nas gigantescas plantações de soja transgênica que cobrem 18 milhões de hectares e não param de crescer. Aliás, 99% da soja argentina é transgênica, originada a partir de sementes geneticamente modificadas pela própria Monsanto. Ou seja: a multinacional criou uma semente que resiste ao mais violento herbicida que ela mesma produz. Ervas, insetos, anfíbios, aves e outros animais sofrem efeitos letais. O produto contamina a terra e as águas. Agora, o pesquisador argentino Andrés Carrasco denuncia que o glifosato pode ser letal ao ser humano" (Eric Nepomuceno, de Buenos Aires – ‘A soja resiste, mas e a vida humana?’).

 

Na mesma época, no Brasil, alertava José A. Lutzemberger, engenheiro agrônomo e ecologista gaúcho, em artigo publicado na Gazeta Mercantil (08/03/1999): "A soja transgênica, patenteada, que agora está sendo introduzida no Estado, é resistente ao herbicida da própria casa e obriga o agricultor à ‘compra casada’- semente mais herbicida, mesmo que não haja necessidade para tal. Já estão disponíveis, também, cultivares com o gene "terminator", um gene que faz com que a semente colhida pelo agricultor se ‘suicide’ ao ser semeada (...) pior que no caso do milho híbrido, que ao ser semeado não mantém suas qualidades. Não é por nada que as grandes transnacionais dos agrotóxicos nos últimos anos compraram já a quase totalidade das empresas independentes de sementes. Com isso, preparam-se para um monopólio global".

 

Atualmente, em nosso país, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) opera claramente a favor dos interesses dessas empresas.

 

A situação repete-se em outras partes do mundo, em países emergentes ou não. A Índia é um desses casos. Lá, como em outros países do mundo, governo, empresas e universidades estadunidenses trabalharam em conjunto para subordinar a questão da segurança alimentar. A forma de ação utilizada evidencia estratégias de geopolítica de dominação. Houve a introdução do algodão Bt, hoje dominante na agricultura indiana. Essa ação foi dirigida pela USAID (United States Agency for International Development), por meio do Projeto de apoio à Biotecnologia (Agricultural Biotechnology Support Project). Com ela operaram o Ministério da Agricultura dos EUA, a Cornell University, universidades locais e empresas transnacionais como a Monsanto. Esse conjunto de instituições estadunidenses e locais traduz o modelo de intervenção.

 

Por fim, para completar o quadro, resumem-se informações divulgadas por David Hathaway sobre a "Global Food Security bill" ora em discussão no Congresso norte-americano. O novo projeto de lei segue política já institucionalizada nos EUA. Ele inclui cláusulas que condicionam investimentos em tecnologia de plantas geneticamente modificadas. De um lado, a nova lei se diz destinada a combater a fome mundial, enquanto que, de outro, patrocina um subsídio gigantesco dos contribuintes em beneficio das empresas de insumos agrícolas (herbicidas e pesticida) e de biotecnologia. O projeto de lei, também conhecido como a Lei Lugar-Casey, dá nova roupagem aos programas de "ajuda" ao desenvolvimento agrícola. Para essa lei, "desenvolvimento agrícola" significa desenvolvimento de sementes geneticamente modificadas. Destina cerca de US$ 7,7 bilhões para a pesquisa.

 

Evidentemente, a maior parte desses recursos irá para os cofres da Monsanto (importante lobista) devido à cláusula que determina que os fundos para pesquisa beneficiem a investigação em culturas OGM. É de se prever que a USAID será a agência responsável pela execução do projeto.

 

A quem beneficia? No comments!

 

José Juliano de Carvalho Filho, Andrea Paes Alberico, Guga Dorea e Thomaz Ferreira Jensen, do Grupo de São Paulo - um grupo de pessoas que se revezam na redação e revisão coletiva dos artigos de análise de Contexto Internacional do Boletim Rede, editado pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, de Petrópolis, RJ.

 

Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

Artigo publicado na edição de maio de 2010 do Boletim Rede.

 

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