Obama ao governo, não ao poder

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Atílio Boron
07/11/2008

 

O anunciado triunfo de Barack Obama desencadeou a tradicional enxurrada de notícias e conjecturas jornalísticas acerca das grandes mudanças que poderão se produzir como resultado da chegada de um novo ocupante da Casa Branca. Apesar do significado que envolve o fato de um afro-descendente chegar à presidência dos EUA, o certo é que a importância atribuída ao resultado da eleição do dia 4 foi largamente exagerada. Isso por duas razões.

 

Primeiro porque se ignora – ou se oculta? – que as mudanças já se produziram e que, longe de ser produto das eleições, foram conseqüência do brutal estouro da mais grave crise geral do capitalismo dos últimos 80 anos. Essa queda do ‘outro muro’ precipitou o fugaz funeral do neoliberalismo, no qual Alan Greenspan confessou que "nada será como até agora". Em outras palavras, independentemente de quem tivesse sido eleito presidente, as mudanças em uma direção de menos mercado e mais regulação estatal ou menos liberalismo e mais intervencionismo governamental teriam ocorrido de todo modo. Porém, é muito pouco provável que tais mudanças se traduzam em uma desmilitarização da cena internacional, e por uma segunda razão, que é a seguinte: o presidente dos Estados Unidos é uma figura muito mais frágil do que aparenta.

 

Na realidade, seus poderes se encontram cada vez mais reduzidos pelo incessante fortalecimento do que Dwight Eisenhower chamara de "complexo militar-industrial", cuja influência econômica, política e inclusive espiritual se estendia por tabela, até alcançar, segundo este presidente, as agências do governo federal. O potencial para um crescimento desastroso deste poder fundado na aliança entre um imenso aparato militar e uma não menos significativa indústria armamentista era uma ameaça às liberdades e à democracia nos Estados Unidos. Na época em que cunhou esta frase, janeiro de 1961, tais poderes na prática eram apenas incipientes: o orçamento militar dos EUA equivalia ao de um punhado de outras nações desenvolvidas. Na atualidade, cresceu exorbitantemente e equivale ao gasto em armamentos de todo o resto do planeta. Esse complexo se entrelaçou com outros setores da economia, em tal grau que sua gravitação conjunta, unida ao fenomenal custo das campanhas políticas, faz dos ocupantes da Casa Branca presas fáceis de seus interesses.

 

Seguindo os estudos pioneiros de C. Wright Mills, o cientista político mexicano John Saxe-Fernandez comprovou que quem realmente manda nos EUA é um "triângulo do poder", composto por: a) a Casa Branca, especialmente os departamentos de Defesa, Energia, Tesouro e Estado, a NASA e o enxame de aparatos de inteligência, integrados ao gigantesco Departamento de Segurança Nacional; b) as grandes corporações, sobretudo as vinculadas à produção para a defesa, as indústrias aeroespaciais, de petróleo e gás, incluindo os grandes laboratórios, instituições de investigação, as câmaras empresariais e alguns sindicatos; c) os comitês chaves do Congresso, especialmente pelas Câmaras de Representantes e do Senado em Energia e Recursos Naturais, as Forças Armadas e diversos sub-comitês dedicados aos principais setores da vida econômica.

 

Nos EUA, como na América Latina, segue sendo válida essa distinção entre chegar ao governo e tomar o poder. Obama chegou ao governo, mas está a anos luz de ter conquistado o poder (no caso de que tenha se proposto). É um sócio menor de uma coalizão em que se aglutinam forças assombrosamente superiores às suas e para as quais as guerras e o saque imperialista são as fontes de seus fabulosos ganhos. Nenhum presidente conseguiu dobrar tais forças, e nada faz pensar que o resultado dessa vez possa ser diferente.

 

Atílio Boron é doutor em Ciência Política da Universidade de Harvard e professor titular de Teoria Política na UBA (Universidade de Buenos Aires). É autor do livro "Império e Imperialismo. Uma leitura crítica de Michael Hardt e Antonio Negri", publicado pela editora CLACSO em 2002.

 

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