Trochenbrod, uma cidade exterminada pelos nazistas

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Ania Cavalcante
15/10/2008

 

Trochenbrod foi um shtetl (um vilarejo) totalmente judio, o único do Leste Europeu do período, localizado em uma região atualmente localizada na parte ocidental da Ucrânia, na província de Volyn, a 40 km de Lutsk O nome Trochenbrod (ou Trochinbrod), em russo, foi dado pelos judeus, porém, era denominada de Sofiyuvka ou Zofiowka, depois de Sofia, pelos ucranianos e poloneses. Viveu sob os governos tanto da Polônia quanto da Rússia. Seus habitantes falavam Iddish e Hebraico moderno.

 

Trochenbrod foi criada em 1835 por judeus que fugiram do serviço militar obrigatório no Exército da Rússia. Inicialmente foi uma colônia agrícola, especializada na produção agrícola, de leite e de couro, tornando-se posteriormente um centro comercial. Produzia bens de consumo para as cidades vizinhas (Kolki, Lutsk, Rovno). Em 1889, viviam aproximadamente 1200 pessoas (235 famílias), em 1897 eram 1580 pessoas e em 1938 a população havia crescido para 3 mil almas.

 

Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Trochenbrod sofreu bastante com a ocupação das forças austro-húngaras, que impuseram trabalho forçado aos habitantes. Ao longo de 30 anos, até a eclosão da guerra, o Rebbe Baruch Ze´ev Beigel fora o rabino chefe do vilarejo. Depois ele nomeou o avô de Avrom Bendavid-Val, o Rabino Moshe David Beider, para assumir o posto. Ele também era de origem sionista. Nesse período, muitos habitantes passaram a desenvolver atividades sionistas, estabeleceram uma escola de hebraico e outras instituições públicas. As atividades sionistas da comunidade de Trochenbrod eram bastante significativas e ativas, a escola hebraica era dirigida pelos Rabinos Eliyahu-David e Yithak Schuster, e o estudo da Língua Hebraica incentivado.

 

O Rabino Moshe David Beider buscou manter boas relações com as autoridades austríacas e conseguiu a diminuição do trabalho forçado imposto à população local, incluindo não trabalhar nos Shabbats (descanso religioso que os judeus realizam do anoitecer de sexta-feira ao anoitecer de sábado) e feriados religiosos judaicos. (BARKAI, Eleizer. http://bet-tal.com/index.aspx?id=2321) Ele faleceu em 1917 de uma epidemia de tifo, que fez perecer outras vidas da região. Então, o Rabbi Gershon Weissmann o substituiu como rabino chefe.

 

Em 1919, durante a Guerra Russo-Polonesa (1919-1921), Trochenbrod foi controlada pelas forças polonesas, passando a figurar como território da recentemente independente Polônia. As atividades econômicas da cidade, porém, recuaram consideravelmente, gerando uma onde de imigração que figurou dentre a Quarta Aliah (imigração judaica para Israel), que ocorreu dos anos de 1924 a 1928, quando 67 mil judeus da Polônia e Europa Oriental, dentre os quais muitos habitantes de Trochenbrod, tentaram imigrar para Israel. Provenientes de Trochenbrod, somente sete deles foram bem sucedidos. Era necessário conseguir os certificados britânicos para a entrada na Palestina e quem não os conseguia buscava fazer a Aliah de maneira ilegal.

 

Quando da eclosão da Segunda Guerra Mundial, Trochenbrod tinha sete sinagogas e um intenso ativismo político. A cidade foi ocupada pela Alemanha nazista e em 1940, em decorrência do Pacto Molotov-Ribbentrop, Trochenbrod e a parte ocidental da Ucrânia tornaram-se parte do território da União Soviética. O rabino da época, Rabbi Gershon Weissmann, foi deportado para a Sibéria pelos stalinistas, sob a acusação de participar do comércio ilegal de sal.

 

Com a invasão da União Soviética pela Alemanha nazista em 22 de junho de 1941, o destino da comunidade judaica tornou-se sombrio: iniciou a realização da "Solução Final da Questão Judaica" na Europa ocupada pelos nazistas, da qual Trochenbrod figurou como página trágica e limítrofe. O início do extermínio em massa dos judeus foi realizado pelas Einsatzgruppen, forças-tarefa especiais da Polícia de Segurança nazista, a saber, um esquadrão de morte nazista que atuava junto com o Exército Alemão nos territórios invadidos. O objetivo desses esquadrões da morte era assassinar os judeus - e também ciganos - nas cidades progressivamente invadidas. Havia quatro frentes da Einsatzgruppen, A, B, C e D. Cada qual deveria assassinar os judeus dos territórios em sua própria região, denominadas de Sonderkommandso (Comandos Especiais). Até a primavera de 1943, haviam assassinado 1.250.000 judeus, milhares de ciganos e soviéticos, incluindo prisioneiros de guerra.

 

No entanto, a população local não esperava a brutalidade dos nazistas alemães, tendo alguns, inclusive, comemorado sua chegada, que significava o fim da opressão soviética. Na Primeira Guerra Mundial, o Exército atacou militares, tratando a população civil de forma leniente. A brutalidade, arbitrariedade e genocídio perpetrado pelos nazistas e seus colaboradores foi um fenômeno singular.

 

Pouco depois da invasão nazista, 150 habitantes de Trochenbrod foram levados à outra cidade e assassinados, tendo os nazistas transformado a cidade em um gueto, formado pela população local e por judeus trazidos de cidades vizinhas, e que foi liquidado a 9 de setembro de 1942. Milicianos ucranianos aliados aos milicianos nazistas das Einsatzgruppen C cercaram o gueto. Em agosto, vários habitantes foram levados para a floresta e fuzilados. Em 9 de setembro, todos os habitantes restantes, assim como habitantes da cidade vizinha de Lozisht, foram levados para a floresta e assassinados. Antes, porém, tiveram que cavar suas próprias covas. Tratava-se de 4.500 almas, cujos corpos foram pilhados nessa grande cova humana. O gueto de Trochenbrod foi incendiado e destruído.

 

Os nativos de Trochenbrod que sobreviveram ao nazismo foram aqueles que fugiram antes da invasão nazista, como o pai de Avrom Bendavid-Val. Ou aqueles que sobreviveram às ações da Einsatzgruppe C e conseguiram fugir antes do genocídio ou quando iniciou o fuzilamento em massa. Eles ficaram escondidos na floresta, passando fome, frio e medo do terror. Muitos deles retornaram ao vilarejo. No entanto, durante o feriado de Yom Kippur (Dia do Perdão), no anoitecer de 20 de setembro daquele fatídico ano de 1942, foi realizado um último massacre no vilarejo, já quase totalmente destruído, e os sobreviventes foram assassinados. Até aquele momento, 5 mil pessoas haviam sido mortas. Os habitantes que tinham boa formação ou eram comerciantes mais destacados foram levados para outras cidades, para serem explorados em trabalho forçado, os quais faleceram em decorrência de fuzilamentos ou de exaustão, ou seja, do trabalho até a morte, fenômeno do Holocausto denominado de "extermínio pelo trabalho" ("Vernichtung durch Arbeit").

 

Pouco antes da rendição da Alemanha, estimava-se que, no final de 1944, 33 habitantes de Trochenbrod tivessem sobrevivido. Após a guerra, os soviéticos fizeram fazendas coletivas de trabalho forçado (kolhozes) naquela área (www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2008/04/13/AR2008041302403.html).

 

A Segunda Guerra Mundial foi um profundo divisor de águas na história de Trochenbrod. De uma pequena, porém vívida e ativa cidade, que gerou sionistas, comunistas, estudiosos e profissionais de vários matizes, tornou-se uma clareira a céu aberto, uma enorme cova de assassinados, uma área completamente erradicada do mundo. Mas não da história, nem da memória daqueles que por ali passaram, ou ali viveram. É essa memória, é essa história, que Avram Bendavid-Val tem lutado e trabalhado para resgatar.

 

Ania Cavalcante é doutoranda com tese sobre Holocausto em História na USP, pesquisadora e professora do módulo 'Holocausto e Anti-Semitismo' do Laboratório de Estudos sobre a Intolerância (LEI) da USP e professora nativa de Língua Alemã. Foi bolsista em Seminário e Conferência sobre Holocausto pelo Yad Vashem de Israel e pesquisadora em arquivos da Alemanha e Argentina.

 

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