Os conflitos ideológicos na América Latina

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José Luiz Quadros de Magalhães e Frei Gilvander Luis Moreira
07/03/2008

 

O conflito ideológico na América Latina ameaça transformar-se em conflito armado. Algo deste tipo já poderia ser previsto: não poderia o governo Bush fechar os olhos para o crescimento dos movimentos populares e democráticos na América Latina que ameaçam interesses de corporações privadas globais, especialmente no petróleo e gás da região, além da riqueza do subsolo e supersolo da Amazônia e a grande quantidade de água em toda a região.

 

Em março de 2008 o governo da Colômbia, em ação conjunta com os Estados Unidos, que passaram as informações por satélite para as forças armadas da Colômbia, autorizou uma ação militar que assassinou 21 guerrilheiros colombianos das FARC, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que luta contra o capitalismo há 30 anos. Estes guerrilheiros foram mortos em território equatoriano, parece que enquanto dormiam. Após o ataque realizado por avião o exército da Colômbia invadiu o território do Equador para pegar os corpos dos guerrilheiros colombianos. O Equador por meio de seu presidente eleito Rafael Correa denunciou a invasão de seu território por parte da Colômbia, acusando o governo de Álvaro Uribe de desrespeitar o direito internacional e a soberania nacional. Imediatamente Hugo Chávez, presidente da Venezuela, apóia o Equador e mobiliza exército, marinha e aeronáutica na fronteira com a Colômbia. O Brasil condena a ação colombiana e pede que Álvaro Uribe peça desculpas ao Equador.

 

Para entender estes fatos é necessário sabermos um pouco dos personagens principais.

 

A Venezuela, a exemplo de diversos outros países latino-americanos, viveu inúmeros governos poucos democráticos no decorrer de sua história; mesmo que com o exercício do voto e de uma certa democracia representativa, o poder econômico local sempre dominou a política mantendo seus grandes privilégios. Isto porque se construiu naquele país um sistema econômico que privilegiava um pequeno grupo social que também detinha o poder econômico e o controle da mídia. Enquanto isto, uma grande maioria da população era colocada à margem, sem acesso a direitos sociais como saúde e educação; direitos econômicos, como emprego e remuneração justa; direitos individuais, como liberdade de consciência e de expressão e direitos políticos, como a real participação na construção da vontade política do Estado por meio de participação no poder.

 

O governo de Hugo Chávez, eleito em 1998 e com posse em Janeiro de 1999, começou a mudar radicalmente este cenário. Erradicou o analfabetismo; acabou com o monopólio privado da comunicação (especialmente a televisão), criando uma rede pública de comunicação; aumentou o acesso à saúde e criou mecanismos de participação popular na gestão do Estado; afastou a "elite" econômica do poder e ajudou diversos Estados latino-americanos em projetos de melhoria da condição sócio-econômica. Neste episódio de março de 2008, a Venezuela pode aproveitar a oportunidade para desestabilizar o governo colombiano pró-Estados Unidos, facilitando a ascensão de um governo que se junte no projeto de desenvolvimento social dos governos do Equador e Bolívia.

 

O Equador elegeu um governo popular e democrático que vem promovendo reformas sociais para a redução da miséria, seguindo os passos da Venezuela e Bolívia. Recentemente convocou uma Assembléia Nacional Constituinte para elaborar uma nova Constituição democrática e popular a exemplo da Bolívia e da Venezuela. A política do governo Rafael Correa é de nacionalizar as riquezas de petróleo e gás do seu país para beneficiar o seu povo, o que claramente afeta interesses do capital internacional, incluindo europeu e norte-americano, e do pequeno grupo dos muito ricos do Equador que também se beneficiam com a miséria do povo.

 

O governo da Colômbia é um dos poucos governos de direita conservadora da região, que tem governos democráticos de esquerda no Uruguai, Brasil, Argentina, Chile, Equador, Bolívia e Venezuela. Por este motivo os Estados Unidos têm financiado militarmente e economicamente a Colômbia. O governo Uribe (envolvido, segundo a imprensa de seu país, em casos de corrupção), tem recebido dinheiro para projetos de segurança publica e de reformas urbanas, além de muitos recursos para combater a guerrilha de esquerda, apresentando-se como a última esperança dos EUA de barrar o crescimento dos governos democrático-populares na região. Este episódio atual representa claramente o interesse do governo Bush em desestabilizar os governos populares do Equador, Bolívia e Venezuela.

 

O Brasil neste episódio vai agir com extrema cautela. O governo Lula é simpático às reforma sociais e econômicas da Venezuela, Bolívia e Equador, tendo apoiado politicamente e economicamente, quando possível, estes países. Entretanto, nossa política externa é pacífica, não sendo possível um envolvimento militar e mesmo político mais profundo neste caso. Os motivos são claros. O governo Lula não tem maioria no Congresso para fazer isto. Nossas forças armadas ainda são bastante conservadoras e preconceituosas em relação a movimentos populares democráticos, que são vistos, pelo viés de alguns líderes militares brasileiros, como movimentos de baderna e desordem até hoje, e não como movimentos de construção de uma ordem justa. A direita brasileira é muito organizada e se encontra também no poder. Estes fatores tornam impossível um envolvimento maior do Brasil, mesmo se este fosse o desejo do presidente. Apesar de tudo isto, o Brasil pode ter um papel fundamental neste momento, evitando a guerra, que não é desejável em nenhuma hipótese.

 

A guerra só trará destruição e mais miséria, além de ser prejudicial aos projetos democráticos populares, uma vez que desviará recursos (que podem ser usados para a melhoria da vida) para a morte de irmãos latino-americanos. As transformações sociais e democráticas que a América Latina necessita devem ser construídas com participação e organização popular pacífica. A razão histórica está do nosso lado e é por este motivo que veremos no futuro uma sociedade justa, portanto igualitária e livre, florescer na América Latina. Não podemos perder a razão usando a violência.

 

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